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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Meirelles aos trancos e barrancos

Ricardo Lacerda
O debate sobre economia na grande mídia e nas redes sociais não é muito distinto dos enfrentamentos do mundo político, quando se pensa no grau de desfaçatez e de dissimulação que guarda. Se no ambiente acadêmico tende a se preservar certo rigor de argumentação e no tratamento dos dados, no embate cotidiano das opções de política econômica é comum se atropelar a lógica e apelar para repetições de argumentos com o intuito de atender expectativas e reforçar preconceitos, que muitas vezes apenas buscam defender interesses de segmentos específicos. Mesmos os canais ditos especializados no debate econômico não costumam fugir a esse padrão, apenas retocam a maquiagem com mais cuidado para evitar deixar as rugas muito aparentes.
Do alto de suas poderosas plataformas, os especialistas massacram o público com repetições de argumentos que mesmo dissociados da realidade ganham estatura de verdades absolutas, sem chance para contrapontos. No momento, tais características se exacerbam no debate sobre a tibieza da retomada no curto prazo e o fôlego que poderá ter o crescimento da economia brasileira no longo prazo.
O impulso da demanda
Nesse jogo de fingimento, repetiu-se à exaustão que o afastamento da Presidente eleita e os compromissos firmados no documento Uma Ponte para o Futuro de promover os valores de mercado e de buscar a sustentabilidade fiscal teriam o condão de provocar um choque de confiança que estancaria de imediato a queda do nível de atividade e em seguida impulsionaria o crescimento.
Há um ano propagava-se que o novo ciclo expansivo da economia seria comandado pelo investimento privado, que vinha despencando desde o 2º trimestre de 2014, posto que a baixíssima taxa de poupança vigente indicava que o papel do gastos das famílias no crescimento havia sido exaurido no ciclo de crescimento anterior baseado no populismo.
A luta ideológica no debate econômico pode levar a proposições tão obscurantistas que os apologetas da fé de mercado nem mesmo distinguiam as tendências de longo prazo, nas quais inevitavelmente o consumo deverá perder peso no PIB brasileiro, até por uma questão óbvia de que em algum momento os investimentos deverão reagir com alguma intensidade, com o funcionamento dos mecanismos que no curto prazo estancariam a queda da demanda agregada.
A argumentação cega nem mesmo reconhecia abertamente que estancar a queda no nível de atividade era uma questão de demanda e sem o impulso dela a retomada não se iniciaria, nem mesmo se asseguraria o crescimento de longo prazo (que obviamente requer a retomada no curto prazo), para o qual teriam que se somar outros aspectos que se relacionam de fato também com as forças de oferta.
Pragmático
Nesse contexto pouco edificante, o ministro Meirelles é, sobretudo, um pragmático.  Adotou medidas, a exemplo do contingenciamento das despesas previstas no orçamento, para deter a rápida deterioração das contas públicas, e a edição da Lei do Teto dos gastos, a fim de sinalizar o compromisso com o ajuste fiscal, mesmo que em horizonte de tempo muito largo. Mas o Ministro tem consciência que tais medidas são pró-cíclicas, que operam no curto prazo no sentido de aprofundar a recessão, e que não existe na vida real nada parecido com uma “contração fiscal expansionista”, sem que, todavia, a desfaçatez vigente no debate público permita que ele assim as reconheça.
Como o choque de confiança não produziu a esperada retomada dos investimentos que impulsionaria o crescimento da economia restou ao Ministro tirar coelhos da cartola para impedir que a continuidade da queda da renda disponível das famílias postergasse ainda por mais tempo o início da retomada do nível de atividade.
Para atenuar a rigidez do orçamento, aos trancos e barrancos, Meirelles recorre a expedientes que permitem algum alívio para o gasto público. Do ano passado para cá, o Ministro contou com receitas extraordinárias (não recorrentes), como a tributação sobre os recursos repatriados e mais uma edição de Refis de dívidas tributárias e previdenciárias. Para 2018 postula a devolução de R$ 150 bilhões do BNDES para reforçar o caixa do tesouro. Reconhecendo o papel crucial do consumo na recuperação, impulsionou os gastos das famílias liberando recursos do FGTS e do PIS/PASEP. Todas medidas que procuram atenuar as restrições de demanda.

Meirelles se equilibra entre os objetivos de sustentabilidade fiscal de longo prazo e a necessidade de não restringir excessivamente a demanda no curto prazo. Faz isso com certa competência, mas os resultados, como não poderiam deixar de ser, têm sido relativamente minguados e a retomada do crescimento tem sido lenta e vacilante. Afastem-se, pois, as ilusões de uma retomada exuberante do crescimento do nível de atividade e de retorno robusto do emprego. Nossa via crucis está longe de terminar.  Meirelles revela-se assim o comandante hábil dessa travessia em direção a uma sociedade mais excludente e apartada; menos por convicção própria do que por ter se mostrado o caminho de menor resistência.
Foto de Edilson Rodrigues/ Agência Senado

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