Ricardo
Lacerda
O debate sobre economia na grande mídia e nas
redes sociais não é muito distinto dos enfrentamentos do mundo político, quando
se pensa no grau de desfaçatez e de dissimulação que guarda. Se no ambiente
acadêmico tende a se preservar certo rigor de argumentação e no tratamento dos
dados, no embate cotidiano das opções de política econômica é comum se
atropelar a lógica e apelar para repetições de argumentos com o intuito de
atender expectativas e reforçar preconceitos, que muitas vezes apenas buscam
defender interesses de segmentos específicos. Mesmos os canais ditos
especializados no debate econômico não costumam fugir a esse padrão, apenas
retocam a maquiagem com mais cuidado para evitar deixar as rugas muito
aparentes.
Do alto de suas poderosas plataformas, os
especialistas massacram o público com repetições de argumentos que mesmo
dissociados da realidade ganham estatura de verdades absolutas, sem chance para
contrapontos. No momento, tais características se exacerbam no debate sobre a tibieza
da retomada no curto prazo e o fôlego que poderá ter o crescimento da economia
brasileira no longo prazo.
O
impulso da demanda
Nesse jogo de fingimento, repetiu-se à
exaustão que o afastamento da Presidente eleita e os compromissos firmados no
documento Uma Ponte para o Futuro de promover os valores de mercado e de buscar
a sustentabilidade fiscal teriam o condão de provocar um choque de confiança que
estancaria de imediato a queda do nível de atividade e em seguida impulsionaria
o crescimento.
Há um ano propagava-se que o novo ciclo
expansivo da economia seria comandado pelo investimento privado, que vinha
despencando desde o 2º trimestre de 2014, posto que a baixíssima taxa de
poupança vigente indicava que o papel do gastos das famílias no crescimento havia
sido exaurido no ciclo de crescimento anterior baseado no populismo.
A luta ideológica no debate econômico pode
levar a proposições tão obscurantistas que os apologetas da fé de mercado nem
mesmo distinguiam as tendências de longo prazo, nas quais inevitavelmente o
consumo deverá perder peso no PIB brasileiro, até por uma questão óbvia de que em
algum momento os investimentos deverão reagir com alguma intensidade, com o
funcionamento dos mecanismos que no curto prazo estancariam a queda da demanda
agregada.
A argumentação cega nem mesmo reconhecia
abertamente que estancar a queda no nível de atividade era uma questão de
demanda e sem o impulso dela a retomada não se iniciaria, nem mesmo se
asseguraria o crescimento de longo prazo (que obviamente requer a retomada no
curto prazo), para o qual teriam que se somar outros aspectos que se relacionam
de fato também com as forças de oferta.
Pragmático
Nesse contexto pouco edificante, o ministro
Meirelles é, sobretudo, um pragmático. Adotou
medidas, a exemplo do contingenciamento das despesas previstas no orçamento,
para deter a rápida deterioração das contas públicas, e a edição da Lei do Teto
dos gastos, a fim de sinalizar o compromisso com o ajuste fiscal, mesmo que em
horizonte de tempo muito largo. Mas o Ministro tem consciência que tais medidas
são pró-cíclicas, que operam no curto prazo no sentido de aprofundar a
recessão, e que não existe na vida real nada parecido com uma “contração fiscal
expansionista”, sem que, todavia, a desfaçatez vigente no debate público
permita que ele assim as reconheça.
Como o choque de confiança não produziu a
esperada retomada dos investimentos que impulsionaria o crescimento da economia
restou ao Ministro tirar coelhos da cartola para impedir que a continuidade da
queda da renda disponível das famílias postergasse ainda por mais tempo o
início da retomada do nível de atividade.
Para atenuar a rigidez do orçamento, aos
trancos e barrancos, Meirelles recorre a expedientes que permitem algum alívio
para o gasto público. Do ano passado para cá, o Ministro contou com receitas
extraordinárias (não recorrentes), como a tributação sobre os recursos
repatriados e mais uma edição de Refis de dívidas tributárias e previdenciárias.
Para 2018 postula a devolução de R$ 150 bilhões do BNDES para reforçar o caixa
do tesouro. Reconhecendo o papel crucial do consumo na recuperação, impulsionou
os gastos das famílias liberando recursos do FGTS e do PIS/PASEP. Todas medidas
que procuram atenuar as restrições de demanda.
Meirelles se equilibra entre os objetivos de
sustentabilidade fiscal de longo prazo e a necessidade de não restringir
excessivamente a demanda no curto prazo. Faz isso com certa competência, mas os
resultados, como não poderiam deixar de ser, têm sido relativamente minguados e
a retomada do crescimento tem sido lenta e vacilante. Afastem-se, pois, as
ilusões de uma retomada exuberante do crescimento do nível de atividade e de
retorno robusto do emprego. Nossa via crucis está longe de terminar. Meirelles revela-se assim o comandante
hábil dessa travessia em direção a uma sociedade mais excludente e apartada;
menos por convicção própria do que por ter se mostrado o caminho de menor
resistência.
Foto de Edilson
Rodrigues/ Agência Senado
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