Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Geografia e economia, de Myrdal a Krugman

Ricardo Lacerda

Entre os temas de desenvolvimento econômico, um dos mais desafiantes é o debate sobre os fatores que levam à concentração das atividades econômicas e promovem o desenvolvimento de certas regiões em detrimento de outras.
Algumas questões, especialmente, instigam os investigadores: por que surgem grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro? E por que alguns núcleos populacionais que se destacaram no passado entraram em processo de estagnação ou de esvaziamento econômico e populacional? Estas e outras questões correlatas ocuparam e ocupam um espaço relevante nas preocupações de economistas, urbanistas e geógrafos.
Explicar porque as atividades econômicas são atraídas para alguns locais e regiões é o desafio essencial para entender a formação das desigualdades espaciais de desenvolvimento, como é o caso das enormes disparidades regionais vigentes no Brasil.  
Há de se reconhecer que aspectos políticos, culturais, religiosos e climáticos podem desempenhar papéis decisivos nos movimentos populacionais, mas a nossa abordagem se limitará aos fatores econômicos que influenciam e em alguns casos determinam a concentração geográfica de populações e de atividades econômicas.
Ponto de partida
Em linhas gerais, o aspecto geográfico, dentro de um certo contexto histórico e tecnológico, é o ponto de partida da concentração das atividades de econômicas; as atividades se direcionam para uma localidade por possuir situação privilegiada decorrente de dotação de recursos naturais (disponibilidade de um fluxo de água, de terras aráveis ou minérios) ou pela existência de um porto natural que propicia acessibilidade e articulação com outros núcleos urbanos e regiões.
A partir da localização de um núcleo populacional e de atividade econômica, o crescimento do local e da região vai resultar em sua maior parte da operação de alguns fatores econômicos que são fortemente acumulativos, ou seja, que uma vez iniciada a concentração econômica tendem a ser reforçados endogenamente, pelas suas próprias forças.
Dois dos principais fatores que geram processos cumulativos são a capacidade de produzir excedente que possam ser empregados para ampliar e diversificar as atividades produtivas e a criação de infraestrutura e de outras externalidades econômicas, a exemplo do tamanho do mercado consumidor, que também favorecem a expansão das atividades. À medida que essas economias crescem, acumulam capital e geram infraestrutura e mercado consumidor findam por reforçar o seu potencial de atração de investimentos e de populações em uma espiral crescente.
Aracaju, Salvador e Recife são exemplos de cidades portuárias que surgiram no contexto histórico da economia colonial que induziram não apenas a formação e crescimento de importantes núcleos urbanos como promoveram o desenvolvimento do hinterland em seu entorno. Curiosamente, nem Recife nem Aracaju eram originalmente os núcleos urbanos principais das economias regionais tributárias (as capitais originárias eram Olinda e São Cristóvão, respectivamente), o que suscita questões relevantes sobre as causas das bifurcações/encruzilhadas que surgem no desenvolvimento regional, alterando tendências de concentrações que vinham ocorrendo até então em certas localidades.
Autorreforço e bifurcações
Há dois aspectos a serem considerados sobre as vantagens dos locais e regiões em atrair pessoas e atividades econômicas de forma cumulativa: o primeiro é que as vantagens são sempre relativas a uma região ou local frente a outras regiões ou locais de onde os recursos produtivos, capital e trabalho, podem ser atraídos; o segundo aspecto é que mudanças tecnológicas nas formas de produzir ou de transportar as riquezas podem alterar tais vantagens relativas, redistribuindo as atividades no espaço.
Um exemplo recente de como algumas regiões se tornam vantajosas na atração de investimentos por conta de mudanças tecnológicas na produção ou nas condições de acesso é a nova fronteira agrícola brasileira, a mesorregião do MAPITOBA (acrônimo formado pelas iniciais de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), cuja ocupação e expansão somente se consolidaram nos últimos vinte ou trinta anos.
Myrdal e Krugman
Nos anos cinquenta Gunnar Myrdal (1898-1987) apresentou o conceito de causação circular cumulativa, que buscava explicar os processos de concentração da riqueza em alguns países (e regiões) e o esvaziamento econômico de outros.
No processo de concentração de riqueza, as regiões e os países mais desenvolvidos, por possuírem infraestrutura mais adequada e mercados maiores e com ritmos de crescimento mais intensos, tendiam a receber mais investimentos nos setores modernos da economia que operam com economias de escala e requerem um amplo mercado consumidor, se distanciando de forma cumulativa em relação aos países e regiões subdesenvolvidas, apesar das diferenças do custo do trabalho entre eles.
Para Myrdal, o crescimento de uma região específica poderia gerar efeitos propulsores sobre a economia de outras regiões quando gera demanda por bens nelas produzidos.
Ao lado dos efeitos propulsores, todavia, podem ser gerados efeitos regressivos sobre as demais regiões, quando o crescimento da região mais dinâmica atrai recursos produtivos, capital e trabalho, das áreas subdesenvolvidas, podendo provocar o seu esvaziamento econômico, como teria acontecido com a região do Nordeste Brasileiro nos anos cinquenta.
A ação do Estado, para Myrdal, seria justificada exatamente pela necessidade de interromper o processo de concentração regional do desenvolvimento e, através da indução dos investimentos e da criação de externalidades, dar partida a processos de causação cumulativa favoráveis às áreas mais pobres.
Nos anos noventa, Paul Krugman (1953-) sistematizou o estudo das forças que levam à concentração e aquelas que induzem à desconcentração espacial das atividades econômicas quando vigoram economias de escala e estruturas de mercado imperfeitas, em torno do que denominou de a Nova Geografia Econômica.
Para Krugman, a presença de economias de escala em diversos segmentos da atividade econômica moderna, como nas atividades industriais, pode causar efeitos de autorreforço que explicariam a concentração das atividades de forma crescente em determinados lugares.
Mais do que Myrdal, Krugman destaca que acontecimentos históricos podem alterar tendências de concentração, quando ocorreriam as bifurcações de que falamos acima. De forma semelhante, mudanças tecnológicas ou institucionais (como a abertura comercial) que impactam as economias de escala e/ou os custos de transporte e de comunicação podem inverter os mecanismos de causação cumulativa, que poderiam passar a operar favoravelmente a algumas regiões até então perdedoras.

Um e outro, Myrdal e Krugman, apontaram que a ação do estado pode ser decisiva para alterar as tendências de concentração, pois as intervenções de governo podem operar como um acontecimento histórico (ou acidente) que impacta essas forças.
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008


Publicado no Jornal da Cidade, 20/12/2015


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O Grande Despertar, de Myrdal


Ricardo Lacerda

A conjuntura política e econômica se encontra tão convulsionada que talvez seja mais produtivo tratar de questões de desenvolvimento no longo prazo. Um dos temas de maior relevância e que mais divide os especialistas é o papel que cabe ao estado na promoção do desenvolvimento de uma nação ou região pobre.
No período que seguiu ao final da segunda guerra mundial, foram elaboradas as ideias centrais do que ficou conhecido como a Era da Alta Teoria do Desenvolvimento, que viria embalar as políticas desenvolvimentistas que se disseminaram por uma parte expressiva do globo terrestre.
Gunnar Myrdal (1898-1987) foi uma das principais lideranças intelectuais do movimento que se propagou nos anos cinquenta e sessenta em prol de promover o desenvolvimento entre as nações pobres. Convidado pelas Nações Unidas para investigar a situação social e econômica em vários continentes, Myrdal  fez um duro diagnóstico sobre desigualdades entre os países e percebeu a tendência de que elas ampliassem com o tempo, caso políticas não fossem deliberadamente adotadas com o fim de alavancar o crescimento econômicos entre as nações mais carentes. 
O Grande Despertar
Intelectual com forte compromisso social, um dos principais idealizadores do moderno Estado do Bem-Estar na Suécia,  Myrdal acreditava que a ação forte e coordenadora do Estado Nacional era o principal instrumento para superar a estagnação dos países pobres e se contrapor ao ciclo de causação cumulativa quando predomina o laissez-faire, que tendia a favorecer os países e as regiões mais desenvolvidas à custa do esvaziamento econômico das áreas pobres.
Myrdal havia percebido nas missões que fizera a convite das Nações Unidas no imediato pós-guerra que os povos dos países subdesenvolvidos estavam cada vez mais conscientes das enormes desigualdades internacionais e do direito que tinham de reivindicar padrões de renda mais altos e atingir nível elevado de bem-estar.
A essa consciência que se disseminava pelo mundo ele chamou de o Grande Despertar, “ a consciência pública perante os fatos das desigualdades econômicas”.
O Planejamento
Pragmático, Myrdal não contrapunha o fortalecimento da ação do Estado ao crescimento do setor privado. Pelo contrário, acreditava que a ação coordenadora dos governos nacionais poderia ampliar as oportunidades de crescimento para a iniciativa privada. Afirmava que “se um país subdesenvolvido consegue iniciar e manter um processo acumulativo de desenvolvimento econômico, haverá mais e nunca menos espaço para a iniciativa privada já existente ou que venha a promover- se nele”.
O Planejamento Nacional tinha como principal objetivo ampliar o montante de investimentos que transformariam e elevariam a capacidade produtiva dos países pobres, a fim de acelerar o crescimento econômico e aumentar os níveis de renda da população. Para ele, o Plano Nacional de Desenvolvimento deveria ser exaustivo, determinando não apenas o investimento global mas fazer todo um detalhamento setorial dos recursos necessários para ampliar a infraestrutura de transporte, a oferta de energia, a produção agrícola, entre outros.
Não menos importantes eram os investimentos em educação e saúde, com o duplo propósito de melhorar a qualidade de vida da população e aprimorar os recursos humanos.
A década neoliberal
Myrdal e demais autores da era da Alta Teoria do Desenvolvimento começaram a perder a batalha nos anos oitenta mas foi na década seguinte que a hegemonia das políticas liberais se consolidou.
Os anos noventa, apelidados de “a década neoliberal”, procuraram enterrar para todo o sempre as experiências desenvolvimentistas que vigoraram na América Latina na maior parte do período iniciado no pós segunda-guerra mundial e que se estendeu até os anos oitenta.
A onda neoliberal penetrou profundamente na América Latina a partir das eleições de Collor e de Fernando Henrique, no Brasil, Carlos Menem, na Argentina, Fujimori, no Peru, entre outros. Em comum, adotaram com maior ou menor determinação o receituário conhecido como o Consenso de Washington, uma especie de cartilha que recomendava equilibrio fiscal, abertura comercial e financeira, e menor presença do estado no setor produtivo, cedendo espaço para o investimento privado. Frente à abundância de capital na economia mundial, dispensava-se o esforço de acumulação liderado pelo Estado, proposto pelos economistas desenvolvimentistas do pós-guerra.
O consenso formado nos anos noventa foi muito crítico às experiências de promoção do desenvolvimento industrial na América Latina. Ainda que muitos países da região tenham logrado avançar em direção à montagem de um parque industrial importante, deixando para trás o período primário-exportador, entendiam tais críticos que as políticas adotadas criaram uma estrutura produtiva ineficiente que desperdiçava recursos escassos e teriam gerado uma classe empresarial rentista, desacostumada à competição.
Para esses críticos, as falhas de governo teriam se revelado tão ou mais prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social do que as injustiças e insuficiências causadas pela operação do “livre mercado” e da mão visível das grandes empresas. Era o início do triunfo da opção liberal, na virada dos anos oitenta para os anos noventa.
A crise cambial da segunda metade dos anos noventa, iniciada no leste asiático e que transbordou para a América Latina, frustou e mostrou os limites da opção liberal no subcontinente.
O regime neoliberal dos anos noventa não entregou minimamente o paraíso prometido. Não foi capaz de assegurar a estabilização da economia, em um sentido amplo, muito menos de realizar a transformação produtiva e social que acalentou (e acalenta) gerações de planejadores de políticas públicas e de uma consciência social que se arraigou entre a população.
Um a um os regimes liberais sucumbiram no subcontinente ainda que as coalizações políticas que emergiram não tivessem promovido o retorno às economias reguladas do périodo pré-globalização, não mais condizentes com as novas dinâmicas da economia mundializada.
O papel do Estado no desenvolvimento não é um tema fácil de se enfrentar em um país como o Brasil e um subcontinente como a América do Sul. O desafio se encontra em mobilizar o Estado Nacional para superar as debilidades de países marcados por fortes desigualdades sociais e por bases produtivas subdesenvolvidas.
Por outro lado, não menos difÍceis de enfrentar são os desafios colocados pela atuação desinibida de uma elite patrimonialista que, secundada pelo cerco de segmentos médios, se apropria, legalmente ou não, de parcelas expressivas dos recursos que são mobilizados pelo setor público.
Nos dias atuais, frente aos efeitos da crise internacional que se instalou depois de 2008, uma nova onda liberal deverá se espraiar na região, com elevados custos sociais. Que as ideias de Gunnar Myrdal nos iluminem.





 Gunnar Myrdal, Prêmio Nobel de Economia de 1974

Publicado no Jornal da Cidade, em 13/12/2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O consumo e o PIB do 3º trimestre de 2015


Ricardo Lacerda

É razoável inferir que a evolução da economia brasileira em 2015 fugiu quase completamente ao script que se desenhava no início do ano: PIB, vendas no varejo, inflação, déficit público e mesmo a balança comercial apresentaram comportamentos muito distintos dos esperados.
Ainda que a evolução do cenário externo tenha inserido componentes negativos no desenrolar dos acontecimentos, o ambiente político interno tem sido o fator mais decisivo para o agravamento do quadro econômico. Enquanto o impasse com o congresso nacional paralisa o governo, adia-se o encaminhamento de questões prementes e aprofunda-se a insegurança sobre o futuro do país. Indicadores econômicos ruins e desarranjos políticos se alimentaram mutuamente ao longo do ano.
O PIB
O resultado do PIB do terceiro trimestre de 2015 não apenas foi muito ruim como representou uma aceleração abrupta no ritmo de queda do nível de atividade da economia brasileira, na série que compara com igual trimestre do ano anterior.
No início de julho, portanto, quando o terceiro trimestre começava, a expectativa de mercado era de que o PIB apresentaria naquele trimestre a queda mais acentuada do período de ajuste macroeconômico e no último trimestre do ano o recuo já seria menos intenso. Naquele momento, acreditava-se que o nível de atividade se estabilizaria no primeiro trimestre de 2016 e a economia voltaria a crescer a partir do segundo trimestre do próximo ano.
Previa-se no início de julho que o PIB recuaria 1,5% no segundo trimestre de 2015 e 1,6% no terceiro trimestre, em relação aos mesmos períodos do ano anterior.
A realidade apresentou um desvio considerável em relação àquelas projeções. O PIB do segundo trimestre caiu 3%, na comparação com igual trimestre de 2014, e o do terceiro trimestre recuou 4,5% (ver Gráfico 1).
Além do resultado ter sido muito ruim, prevê-se que no último trimestre do ano a queda será ainda mais acentuada.
Nas projeções de mercado mais recentes (27/11/2015), anteriores mesmo à divulgação do PIB do terceiro trimestre, o ritmo de queda do nível de atividade continuará se acelerando no final de 2015. As quedas do PIB deverão ser menos intensas em 2016, mesmo porque as bases de comparação serão inferiores, e a retomada do nível de atividade não se iniciará antes do último trimestre de 2016.
O Consumo das Famílias
A aceleração do ritmo de queda do consumo das famílias foi o dado mais surpreendente no comportamento recente do PIB.
O consumo das famílias já vinha desacelerando o seu crescimento desde o segundo trimestre de 2014, mas o recuo que apresentou em 2015 foi a principal causa queda abrupta do nível da atividade econômica (Ver Gráfico 1).
Depois de cair 1,5% no primeiro trimestre do ano, em relação a igual período de 2014, o consumo das famílias acentuou as perdas, despencando 3%, no segundo trimestre, e caiu 4,5% no terceiro trimestre. Para um componente da despesa que representa mais de 60% do total uma queda tão acentuada é desastrosa para o conjunto da economia e contamina o desempenho dos demais itens do dispêndio, que dependem do nível da atividade doméstica (ver Gráfico 2).
A Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos em maquina, equipamentos, construção e veículos automotivos não residenciais) que vinha se retraindo desde o segundo trimestre de 2014 simplesmente entrou em trajetória de queda livre nos três trimestres de 2015. O recuo no terceiro trimestre foi de notáveis 15%, refletindo a crise na atividade industrial e o clima de crescente insegurança que prevalece no cenário interno.
Em um ambiente como este, os sacrifícios impostos pelo ajuste fiscal não têm como contrapartida nem a melhoria do grau de confiança, nem se desdobram em ganhos fiscais; são apenas sacrifícios e são um último recurso que impede o descontrole absoluto.





Fonte; IBGE. CNT

Fonte; IBGE. CNT

Publicado no Jornal da Cidade, 07/12/2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A indústria manufatureira em 2015


 Ricardo Lacerda
Mesmo considerando todas as adversidades do cenário externo e a atuação dos fatores internos como a queda da renda e do emprego, as restrições do crédito, a elevação das taxas de juros e a instabilidade política, é difícil entender como a atividade industrial deteriorou-se tão intensamente ao longo de 2015.
Depois de cinco anos (2009-2013) sem apresentar crescimento sustentado, a atividade manufatureira caiu 4,3%, em 2014, e vem despencando em 2015.
Nos nove primeiros meses do ano, o nível de atividade da indústria de tranformação encolheu extraordinários 9,2% em relação ao mesmo período de 2014. Não é pouca coisa. No passado recente, somente em 2009, em pleno furacão da crise financeira internacional, a atividade manufatureira apresentou retração tão expressiva (9,4%).
O ritmo de queda da atividade industrial tem sido muito intenso ao longo de 2015 e vem se acentuando nos últimos meses (ver Gráfico 1).

Fonte: IBGE-PIM.
Ao longo desses nove meses, todas as atividades da indústria de transformação recuaram em comparação com o mesmo período do ano passado. Nenhuma atividade se apresentou para quebrar a unanimidade. No agregado Indústria Geral, que abrange a indústria extrativa mineral e a de transformação, o volume da produção física recuou 7,3% nos nove primeiros meses do ano, queda atenuada pelo crescimento de 7,3% da indústria extrativa mineral (ver Gráfico 2).
Quando são consideradas as atividades industriais por categoria de uso dos bens a retração também foi generalizada: a indústria de bens de capital caiu 32,6%, ou seja, em apenas um ano se apresenta 1/3 menor; a produção de bens intermediários, 14,2%; bens de consumo dúraveis, notáveis 25,3%; e as atividades de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, 16,8%.


Fonte: IBGE-PIM
O componente externo
Do lado externo, o cenário de fato está sendo muito adverso em 2015, com a forte retração nos preços dos principais produtos de nossa pauta industrial de exportações. Mesmo com as vendas externas de produtos manufaturados e semimanufaturados tendo apresentado incremento em termos físicos nos dez primeiros meses do ano, de 4,2% e 6,3%, respectivamente, na comparação com igual período de 2014, os valores exportados apresentaram quedas muito expressivas, de 11,3% e 9,3%. Não houve portanto, um impulso expressivo oriundo das exportações sobre o nível da atividade industrial, apesar da intensa depreciação sofrida pela moeda nacional. 
É verdade que a queda no valor importado (23,5%) foi superior à das exportações (16,4%), fazendo com o país voltasse a apresentar saldo comercial positivo, de US$ 12,2 bilhões, contra o déficit de US$ 1,9 bilhão entre janeiro e outubro de 2014.  
Todavia, os efeitos positivos que poderiam advir da substituição de importados pela produção doméstica no mercado nacional foram relativamente modestos até o momento, além de revelarem-se insuficientes para evitar o desastre nas vendas internas.

O componente interno
As vendas no varejo brasileiro vêm despencando ao longo de 2015 como resultado das medidas de contenção do poder de compra da população e das abruptas deteriorações do mercado de trabalho e do nível de atividade econômica, que foram potencializadas pelo ambiente político convulsionado.
Entre janeiro e setembro, o volume de vendas do varejo ampliado caiu 7,4%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Para certos segmentos industriais, as quedas nas vendas no varejo interno foram ainda mais acentuadas, atingindo 16,1% nos ramos de veículos e peças e 13% em móveis e eletrodomésticos. Também muito expressivas foram as retrações nas vendas de outros bens produzidos por setores de grande peso na indústria de transformação: o varejo de material de construção, caiu 6,4%, e confecções e têxteis, 7,3%.

Com o cenário externo adverso e o mercado interno despencando, o nível de atividade industrial não deve se recuperar tão cedo. A estabilização e a retomada da atividade industrial vão ter que aguardar, em primeiro lugar, que passe a turbulência política interna. E os efeitos positivos da desvalorização cambial não serão tão expressivos e automáticos quanto se pensava, diante da debilidade do mercado externo e da perda de vigor do setor decorrente do longo período em que vigorou de moeda apreciada.

Publicado no Jornal da Cidade, em 29/11/2015

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O Ajuste fiscal e o fundo do poço


Ricardo Lacerda
A insegurança em relação à aprovação das medidas de ajuste e a própria queda do nível de atividade em intensidade muito superior à esperada gerou um quadro de profunda deterioração das expectativas econômicas. No que diz respeito ao tema do presente artigo, o quadro de incerteza estendeu o período previsto para o nível de atividade continuar encolhendo até atingir o fundo do poço e, em segundo momento, começar a reagir.
Não bastassem o agravamento dos desequilíbrios fiscais e a retração intensa do nível de atividade econômica, o clima de conflagração entre as principais forças políticas após as eleições do final do ano passado concorreu para gerar um ambiente de incerteza que turva as perspectivas do país superar a paralisia que o domina.
Ainda que a turbulência na rua (nos últimos meses) e no congresso nacional (nas últimas semanas) pareça ter arrefecido, a incerteza política permanece elevada até os dias de hoje e contamina a economia. Especialmente ruim para as expectativas econômicas é a indefinição em relação à aprovação das medidas de ajuste das contas públicas.
Aproximando-se o final de 2015, as propostas de ajuste fiscal que foram anunciadas no início do ano ainda não foram colocadas em votação no congresso nacional. Em sua maior parte, são medidas que visam elevar as receitas da União, como a restauração da CPMF, a elevação da tributação sobre bebidas e produtos de informática e sobre ganhos de capital e a regularização da repatriação de recursos depositados no exterior mediante pagamento de 35% de imposto; e medidas voltadas para a redução de despesas e para atenuar a rigidez do orçamento, como a limitação do teto remuneratório e o fim do auxílio-permanência do funcionalismo e a desvinculação de receita da União (DRU).  
Expectativas de mercado
Depois de ter recuado 0,7% no primeiro trimestre de 2015 e 1,9% no segundo trimestre, o PIB brasileiro apresentou nova queda no terceiro trimestre. Na estimativa do Banco Central, o nível de atividade entre julho e setembro teria recuado 1,4% em relação ao trimestre anterior. Ao final de 2015, seguindo a última projeção de mercado (de 13 de novembro), o PIB deverá ter recuado 3,1%.
Segundo a mesma projeção de mercado, o PIB deverá continuará se contraindo ao longo de 2016, fechando o ano com queda de 2%, até que volte a crescer em 2017, de forma muito moderada, incremento de 1% apenas.
A rápida deterioração dos indicadores econômicos ao longo de 2015 fez com que as projeções de mercado fossem revistas para baixo mês a mês, ou mesmo em menor periodicidade.
Os gráficos 1 e 2 apresentam a evolução das projeções de mercado no início de cada mês para alguns dos principais indicadores macroeconômicos para os anos de 2015 e 2016, respectivamente. Os últimos dados são de 13 de novembro.
No início de 2015, a mediana das projeções de mercado apontava para crescimento de 0,5% do PIB, em 2015, e de 1,8%, em 2016. Para a produção industrial, projetava-se 1% de crescimento, em 2015, e de 2,7%, em 2016. Acreditava-se, pois, naquele momento, que o ajuste, cujas linhas gerais já haviam sido anunciadas pela nova equipe econômica ainda em 2014, provocaria um impacto relativamente moderado sobre o nível de atividade e que a retomada do crescimento se restabeleceria em prazo não muito longo.
À medida que o ambiente político foi se deteriorando e os efeitos dos primeiros cortes de gasto público, das restrições de crédito e do realinhamento do câmbio e das tarifas e preços monitorados se fizeram sentir sobre a evolução do nível de atividade e sobre os preços as expectativas despencaram.
A projeção do IPCA no início de janeiro era atingir 6,6% em 2015. Na abertura do segundo trimestre, o mercado já revia os números e apontava que o resultado do ano fecharia em 8,2% e em primeiro de julho as apostas subiam para 9,0%.
As projeções para os indicadores do nível de atividade, como o PIB e a produção industrial, eram revistas continuamente para patamares inferiores. Entre os indicadores selecionados nos gráficos, apenas o saldo da balança comercial registrou ao longo dos meses melhoria nas projeções, em decorrência dos efeitos da queda  da demanda por produtos importados causada pela recessão interna e potencializada pela depreciação do poder de compra da moeda nacional.
Em relação a 2016, as projeções para o IPCA sofreram revisões de pequena monta para cima, à medida que os resultados de 2015 apareciam piores do que o previsto, mas ainda acredita-se em uma queda acentuada no resultado de 2016 em relação a 2015, em função do fim das rodadas de correção dos preços administrados, enquanto o saldo comercial deverá apresentar resultado bem superior ao de 2015, menos por conta do aumento das exportações do que pela continuidade da queda nas importações em decorrência queda do poder de compra interno e do aumento da substituição das compras externas pela produção doméstica.
Os indicadores do nível de atividade, todavia, nas projeções mais recentes continuarão se deteriorando de forma acentuada nos dois primeiros trimestres de 2016, atenuando suas retrações nos dois últimos trimestres.
Evidentemente as projeções retratam uma percepção momentânea, revistas semanalmente pelas instituições financeiras e consultorias especializadas, e podem sofrer melhorias significativas quando fatos positivos relevantes no cenário interno se tornarem públicos, como queremos acreditar.
A melhoria do ambiente político e o encaminhamento das medidas de ajustes poderão ter importantes impactos sobre as expectativas de mercado e sobre a evolução dos indicadores do nível de atividade. É urgente que a classe política assuma a responsabilidade que a constituição lhe outorgou.

Fonte: Banco Central do Brasil. Mediana das projeções.


Fonte: Banco Central do Brasil. Mediana das projeções.

Publicado no Jornal da Cidade, em 22/11/2015

domingo, 8 de novembro de 2015

A seca e safra do semiárido (1)


Ricardo Lacerda
Dois eminentes especialistas em economia do semiárido nordestino, um do Ceará e outro do Rio Grande do Norte, comentaram por meio de mensagens eletrônicas os artigos que publiquei aqui no Jornal da Cidade, nos dias 14 e 21 de junho, a respeito dos efeitos da longa estiagem que assola a região sobre a produção de suas principais culturas agrícolas. Fundamentalmente os especialistas argumentam que em muitas áreas do semiárido a estiagem continua castigando fortemente a produção agrícola e não há ainda sinais de que o pior dos efeitos da seca já tenha passado. É difícil discordar dessa afirmação, notadamente para as áreas do semiárido do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Entre junho e novembro, novos dados tornaram-se disponíveis permitindo voltar ao tema com informações adicionais: de um lado, a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) de 2014 foi publicada na semana passada pelo IBGE, com a discriminação dos dados dos municípios do semiárido para aquele ano; de outro, o IBGE fez revisões das previsões de safra que alteraram significativamente para baixo a estimativa da produção de alguns estados das principais culturas temporárias para 2015. Vamos aos números.
Culturas temporárias
Os cultivos de milho, feijão e mandioca representaram na média de 2006-2010, portanto, antes da estiagem se instalar com mais intensidade, 86% das áreas colhidas das culturas temporárias do semiárido nordestino (excluindo os municípios de Minas Gerais que integram essa subregião). Essa participação atinge 96% no semiárido sergipano e apresenta a menor participação no semiárido potiguar, com 76%.
Em termos de área colhida nesse período, o milho respondeu por 41% do total das culturas temporárias do semiárido nordestino, o feijão por 37% e a mandioca por 8%, ainda que essas proporções possam se diferenciar bastante entre os estados. No artigo de hoje examinaremos a evolução do cultivo do milho.
O Milho
Estimulado pelas cotações favoráveis do produto no mercado internacional, o cultivo de milho se expandiu em ritmo acelerado na região Nordeste nos últimos dez anos. A produção projetada pelo IBGE para 2015 é 67% superior à média anual do período 2006-2010 (ver Gráfico 1). O incremento da cultura foi especialmente intenso nas áreas de fronteira agrícola do sul do Maranhão e do Piauí, mas o crescimento também foi notável em Sergipe e na Bahia, inclusive em áreas do semiárido. É digno de nota que a cultura do milho responda por cerca de ¾ das áreas ocupadas por culturas temporárias no semiárido sergipano.
O desempenho da cultura foi bem menos favorável nos demais estados do Nordeste. Mesmo no período anterior à atual estiagem, a cultura do milho não conheceu expansão acelerada nos territórios dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas e depois que a estiagem se instalou as quantidades produzidas despencaram nesses estados. Há portanto, desempenhos muito distintos na cultura do milho entre os dois conjuntos de estados considerados.
As projeções do IBGE para as safras de milho em 2015 indicam produções recordes para o Maranhão, Piauí, Bahia e Sergipe. Nos casos do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, a safra de 2015 deve se situar muito abaixo da média anual do período 2006-2010, sendo especialmente ruim a projeção para o Rio Grande do Norte, que deverá produzir em 2015 apenas 15% da média do período 2006-2010. Há que se registrar, ainda, que no vasto território entre Ceará e Pernambuco, abrangendo o Rio Grande do Norte e a Paraíba, as projeções são de que as safras de milho de 2015, como resultado de uma recidiva da estiagem, se apresentem inferiores às de 2014, estancando a retomada que parecia dar os primeiros passos entre 2012 e 2013.


Fonte: IBGE. PAM para os anos de 2000 a 2014 e projeção da LSPA de setembro de 2015 para o ano de 2015.
Semiárido
A trajetória das safras de milho nos municípios que integram o semiárido apresenta, em geral,  similaridades com a evolução da produção das totalidades dos estados, ainda que os resultados sejam inferiores no caso do semiárido (ver Gráfico 2).
As safras de 2014, últimos resultados disponíveis nesse nível de agregação, mostram retomadas robustas da produção nos municípios que integram o semiárido dos estados do Piauí e de Sergipe e para o conjunto do semiárido nordestino (excluídos os municípios de Minas Gerais). Para os estados entre Ceará e Alagoas, as safras de milho do semiárido em 2014 se situam muito abaixo da média de 2006-2010. No caso do semiárido baiano, a retomada da safra foi muito significativa, mas produção de 2014 ainda não atingiu o patamar médio do período anterior à seca.
O Gráfico 2 traz ainda dois aspectos importantes: o primeiro é que mesmo nos estados mais atingidos pela estiagem, as piores safras de milho do semiárido se concentraram em 2012, com alguma recuperação em 2013 e 2014.
O segundo aspecto é que, caso as safras de milho do semiárido acompanhem asprojeções para 2015 da LSPA para os territórios estaduais, as áreas semiáridas entre Ceará e Pernambuco, incluindo Rio Grande do Norte e Paraíba, registrarão quedas de produção no ano corrente, enquanto que no Piauí, Sergipe e Alagoas as safras do semiárido terão se expandido.
Em relação aos artigos de junho, as principais alterações percebidas na análise são de que as safras de milho nos territórios dos estados entre Ceará e Pernambuco enfrentaram em 2015 novas frustrações decorrentes da recidiva da estiagem. Foi dada, também uma ênfase maior no presente artigo ao fato que o patamar da produção nesses estados se encontra ainda muito abaixo do período pré-estiagem. Finalmente destacou-se que as retomadas da produção foram mais intensas naques estados em que o cultivo do milho se encontrava em forte expansão no período anterior à estiagem.
 No artigo da próxima semana, examinaremos a evolução das safras de feijão no semiárido.




Fonte: IBGE. PAM para os anos de 2000 a 2014. * foram excluídos os resultados dos municípios de Minas Gerais que integram o semiárido. ** A estimativa do índice de produção de milho de 2015 para as áreas do semiárido dos estados foi calculada aplicando-se às mesmas taxas de crescimento previstas pela LSPA de setembro de 2015 para as totalidades dos territórios estaduais.

Publicado no Jornal da Cidade, 08/11/2015


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Os mercados regionais

Ricardo Lacerda

A implementação das medidas de ajuste ainda é muito recente e parcial para apreender o seu significado em termos de impactos regionais. Quando a economia nacional entra em estagnação todas as regiões sofrem. No primeiro momento, as regiões mais industrializadas tendem a sentir mais intensamente os efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho e sobre o poder de compra da população, mas ainda não está exatamente claro como serão distribuídos espacialmente os custos do ajuste atual dado que outras questões estão em jogo nesse momento, além dos impactos de curto prazo sobre o mercado de trabalho.  
As regiões mais pobres deverão ser especialmente impactadas por dois conjuntos de mudanças que poderão advir do ajuste. De forma mais imediata, pela contenção dos gastos públicos nas três esferas de governo e pela queda do consumo na formação da renda. De forma mais estrutural, pela redução do peso do estado na economia e do seu papel na transformação produtiva e social.
Papel do Estado
É fato que as regiões de rendas per capita mais baixas são relativamente mais dependentes dos gastos públicos, sejam aqueles oriundos de transferência de renda, sejam aqueles voltados para a realização de investimentos em infraestrutura produtiva, como estradas, canais de irrigação etc e em infraestrutura social e urbana, escolas, hospitais e obras de mobilidade urbana.
Dizer que as regiões mais pobres são mais dependentes de tais gastos não equivale a afirmar que elas não têm perspectivas de impulsionar o crescimento apoiado na expansão do setor produtivo e sim reconhecer que elas apresentam desvantagens nas fontes de competitividade e que a realização de investimentos em infraestrutura e a ampliação de gastos sociais podem reduzir esses hiatos.
Convergência regional
Entre 2003 e 2013, os mercados das regiões mais pobres do país (Nordeste, Norte e Centro-Oeste) se ampliaram em ritmo mais intenso do que nas regiões mais ricas (Sudeste e Sul), ver Gráfico 1. A massa de todos os rendimentos no chamado Centro-Sul perdeu cerca de 5 pontos de participação no total do país, parcela que foi redistribuída para outra três regiões nas seguintes proporções: o Nordeste ampliou sua participação em 2,1%, o Norte em 1,6% e o Centro-Oeste em 1,3%.
Fonte: IBGE. PNAD
Nesse período o rendimento médio da região Nordeste reduziu sua defasagem em relação à média do país. O valor do rendimento médio das pessoas de 10 anos de idade ou mais residentes do Nordeste que em 2003 representava 56,4% da média nacional em 2013 havia aumentado em nove pontos percentuais para 65,3%. Em qualquer parâmetro que se considere, o poder de compra e o mercado de consumo do Nordeste se ampliaram mais do que a média do país. Nesse sentido, a elevação do poder de compra do salário mínimo, os programas de transferências de renda e a ascensão social da população das faixas de renda mais baixa foram, como não poderiam deixar de ser, mais favoráveis ao Nordeste do que às regiões mais ricas.
A melhoria do poder de compra foi fundamental para atrair um grande número de empresas interessadas em vender bens e serviços para o mercado nordestino, gerando, efetivamente, um efeito de reforço mútuo entre o crescimento do mercado interno e a atração de investimentos.
Riscos de reversão
Há riscos de reversão na tendência recente de convergência nos níveis de renda per capita entre as regiões mais pobres em relação às mais desenvolvidas. Passado o período mais duro do ajuste, as regiões mais industrializadas e de maior densidade econômica estarão mais aptas a receber os impulsos provenientes da mudança nos preços relativos que favorece a substituição de importações e a expansão do setor exportador, enquanto regiões como o Nordeste sentirão mais diretamente o impacto da perda de renda sobre o setor de serviços. É de se prever que o setor industrial deverá aumentar nos próximos anos o peso na geração da riqueza nacional.
Os resultados da Pnad contínua de junho não são conclusivos sobre o impacto da crise sobre o poder de compra em termos espaciais. A massa de rendimento do Nordeste perdeu participação na comparação entre abril-junho de 2015 e o mesmo período de 2014. Na comparação entre os quatro trimestres encerrados em abril-junho de 2015 e o mesmo período de 2014, a região aumentou participação, em ambos os casos, em pequena magnitude.
Há, é verdade, efeitos contrarrestantes que favorecem as regiões mais pobres que são decorrentes do ciclo recente de transformações, tanto os relativos ao aumento do tamanho do mercado quanto os efeitos no tempo do aumento de escolaridade e da expansão da rede de ensino técnico e superior. Há ainda aspectos relativos à disponibilidade de mão-de-obra.
Talvez não se possa esperar muito nos próximos anos em termos de expansão de gastos sociais correntes e de investimentos públicos em infraestrutura econômica e social. As regiões mais carentes em termos sociais e econômicos deverão ser relativamente mais atingidas nessas duas dimensões. Já vimos esse filme nos anos noventa, as regiões mais pobres morrem no fim.


Fonte:IBGE. Pnad contínua


Publicado no Jornal da Cidade, em 01/11/2015  

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Os rendimentos do trabalho

Ricardo Lacerda

A Pesquisa Mensal do Emprego (PME) e a PNAD Contínua, ambas do IBGE, têm captado a queda do rendimento do trabalho em 2015, fruto da recessão que atinge a economia brasileira. Na semana passada, foram publicados os dados da PME referentes ao mês de setembro. Os resultados retratam a deterioração da situação do mercado de trabalho nas seis regiões metropolitanas pesquisadas, tanto do ponto de vista da taxa de desocupação, quanto dos rendimentos auferidos pelos trabalhadores.
A taxa de desocupação de setembro nas seis regiões metropolitanas pesquisadas foi estimada em 7,6%, apresentando-se estabilizada em relação ao mês de agosto mas bem superior aos 4,9% de setembro de 2014 (ver Gráfico 1).
A súbita elevação das taxas de desocupação ao longo de 2015 resultou, de um lado, da redução expressiva no contingente de pessoas ocupadas e, de outro, do aumento de pessoas que entraram no mercado de trabalho para compensar a queda no rendimento familiar.
Na comparação entre setembro de 2015 e setembro de 2014, o pessoal ocupado nas áreas pesquisadas caiu em 420 mil, equivalentes a 1,8%. A retração do número de pessoas ocupadas alcançou 3,8% no caso da Região Metropolitana de Salvador e 2,5% na Região Metropolitana de São Paulo.
Antecedentes
Quando o nível de atividade se retrai é questão de tempo o impacto sobre o mercado de trabalho. Na série iniciada em 2002, é possível constatar alguns períodos de forte aumento na taxa de desocupação das regiões metropolitanas, como em 2003, entre 2005 e 2006, na passagem de 2008 para 2009 e o mais recente, ao longo de 2015 (Gráfico 1).  

Fonte: IBGE-PME
Cada um desses períodos de deterioração do mercado conta com o seu próprio enredo. Em setembro de 2003, a desconfiança do mercado em relação ao novo governo fez com que a taxa de desocupação, que já se apresentava muito elevada em anos anteriores, saltasse para 13%. O ciclo de crescimento iniciado em 2004 fez com que a taxa de desocupação caísse naquele ano e no ano seguinte, até que a equipe econômica comandada pelo ministro Palocci puxou as rédeas da economia por entender que a demanda agregada caminhava à frente do produto potencial, com efeitos perversos sobre a evolução dos preços. Tal como preceituado pelo regime de metas de inflação, o governo restringiu os gastos e iniciou novo ciclo de elevação nas taxas de juros, o que interrompeu a melhoria em curso no mercado de trabalho.
A taxa de desocupação das regiões metropolitanas que havia caído em 2004 e 2005 voltou a crescer em 2006, alcançando 10% em setembro daquele ano, frente aos 9,7% de setembro anterior. Trocado o time econômico, teve início o ciclo intenso de crescimento e inclusão social que veio marcar a gestão do presidente Lula.
A taxa de desocupação apresentou trajetória acentuadamente descendente até o ano de 2014, mesmo considerando a oscilação para cima entre o final de 2008 e 2009 decorrente do impacto da crise financeira internacional.
Desocupação e rendimentos
O enfraquecimento do mercado de trabalho se traduziu também em queda do rendimento das pessoas ocupadas. O rendimento médio real habitual nas áreas pesquisadas pela PME vem caindo desde fevereiro, na série que compara com igual mês do ano anterior.
Em setembro, o rendimento médio habitual real caiu 4,3%, em relação a setembro de 2014. Foi a primeira retração do rendimento real para o mês de setembro desde 2003, quando havia recuado 13,1% (ver Gráfico 2). A queda no mês passado foi especialmente acentuada no setor industrial e nas atividades de serviços prestados às empresas.
A deterioração do mercado de trabalho em 2015 impressiona pela velocidade com que acontece. Ainda que o horizonte se encontre muito turvo para enxergar por quanto tempo a elevação da taxa de desocupação se estenderá e qual patamar poderá alcançar, as perspectivas atuais são de agravamento, antes de começar a melhorar.



Fonte: IBGE-PME


Publicado no Jornal da Cidade, 25/10/2015