Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O Voo da galinha


Ricardo Lacerda*
A retomada da economia brasileira em 2017 tem sido muito lenta e vacilante. A expectativa mais recente do mercado é que a economia brasileira deverá registrar crescimento de 0,7% em 2017, acelerando para 2,5% em 2018.
O emprego formal vem registrando incremento desde o mês de abril e um número maior de atividades vem apresentando saldo positivo de contratação. Ainda assim, o ritmo de retorno da contratação de emprego formal é muito lento, cerca de 40 mil por mês, frente a um acúmulo de 3,5 milhões de vínculos perdidos entre outubro de 2014 e março de 2017, redução mensal superior a cem mil vínculos durante trinta longos meses. Portanto, fujamos da ilusão de que o mercado de trabalho vá aquecer rapidamente. 
Além de débil, a retomada do crescimento vem sendo vacilante, oscilando a cada mês entre setores e regiões, ainda que a tendência de crescimento se mantenha, mas não necessariamente sinaliza que a aceleração será crescente e sustentada. Passada a maior parcela do impacto da supersafra agrícola, concentrado no 1º trimestre no ano, o crescimento da economia tem sido puxado pelo incremento do consumo e pelo aumento das exportações em algumas atividades da indústria de transformação, com destaque para a indústria automobilística.
Indústria, comércio e serviços
No mês de agosto, a produção industrial e os volumes de vendas do comércio varejista e da prestação de serviços recuaram, mas o registro mensal não foi suficientemente intenso para impedir resultados positivos no acumulado do trimestre.
O volume de produção da indústria geral recuou 0,8% no mês, na série livre de efeitos sazonais. A queda na produção industrial foi determinada pela evolução negativa da indústria extrativa mineral, mas a indústria de transformação também registrou uma evolução desfavorável, com incremento zero em agosto, depois de quatro resultados mensais positivos. Ainda que a maioria dos subsetores de atividade da indústria de transformação tenha apresentado crescimento em agosto, eles foram inferiores aos resultados dos meses anteriores, na maior parte das atividades.
O volume de vendas do comércio varejista recuou 1,4% em agosto, interrompendo três meses seguidos de incremento. O nível de atividade do comércio varejista permaneceu muito rebaixado e a retomada do crescimento do setor varejista demorou mais a se iniciar e tem sido mais lenta do que na indústria e nos serviços. Nesse último setor, o volume de vendas recuou em julho e em agosto.
 Os dados trimestrais, apresentados no gráfico, são mais elucidativos para examinar a evolução recente e as perspectivas de retomada do crescimento. Depois de desacelerar a taxa de crescimento nas médias trimestrais completadas entre maio e julho, o Índice de Atividade do Banco Central (IBC-BR) voltou a apresentar certa intensificação no ritmo de crescimento no trimestre encerrado em agosto.
O volume de produção da Indústria Geral, mesmo com o resultado adverso de agosto, cresceu 1,6% na comparação entre o trimestre junho-agosto em relação ao trimestre anterior (fevereiro-maio). O volume de vendas do setor de serviços também manteve sua tendência de retomada, ainda que o desempenho varie muito entre os subsetores que compõem a atividade. Bem mais tímida, atrasada e com elevada dispersão entre os seus subsetores, se encontra a retomada do crescimento do comércio varejista.


Fonte: IBGE, para Indústria Geral, Varejo e Serviços, e Banco Central, para o IBC-BR
Restrições
Mesmo que a retomada do crescimento da economia brasileira venha a ganhar velocidade nos próximos trimestres, em linha com as expectativas de mercado e com as projeções de governo e instituições multilaterais, a continuidade da aceleração da expansão se defronta com importantes restrições tanto no curto prazo quanto em uma perspectiva de horizonte mais largo.
De forma mais imediata, a expansão da economia está limitada pelos constrangimentos ao incremento do poder de compra da população e encontra no contingenciamento do gasto público um vento contrário.
Em um cenário de taxas de desemprego muito elevadas, acompanhadas por grau também acentuado de endividamento das famílias, o principal fator autônomo de expansão da demanda no curto prazo, os gastos das famílias, não deverá ter um comportamento exuberante, mesmo considerando os efeitos benéficos da redução das taxas de inflação e da queda dos juros nominais.
Os demais impulsos autônomos do gasto, o incremento das exportações e a expansão da safra agrícola têm impactos não recorrentes, não devendo repercutir nos futuros resultados.
Em contraste, contarão negativamente para evolução do nível de atividade os impactos da elevação nas tarifas de energia sobre a renda disponível das famílias e sobre os custos de produção, em decorrência dos baixos níveis em que se encontram os reservatórios das hidrelétricas, e a restrição absoluta ao incremento do dispêndio público pela chamada Lei do Teto dos Gastos. Penso que já não sobrevivem as ilusões em relação a uma retomada do crescimento impulsionado pela expansão dos investimentos privados.

Passada uma etapa inicial, relativamente extensa no tempo, diante da dimensão da queda do nível de atividade, em que o crescimento irá paulatinamente ocupando a ociosidade da força de trabalho e da capacidade instalada, a continuidade da expansão vai depender de investimentos na ampliação de infraestrutura produtiva e no reposicionamento de nossa economia diante das transformações da economia mundial, para atenuar o risco, bastante elevado, de que a retomada de curto prazo não vá além de um voo de galinha. A desestruturação do aparelho estatal certamente não irá favorecer nossas possibilidades de desenvolvimento. 

Publicado no Jornal da Cidade, em 29/102017

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A supersafra de grãos do Nordeste em 2017

Ricardo Lacerda
Frente ao regime de chuvas mais favorável em 2017, a safra de cereais, leguminosas e oleaginosas da região Nordeste deve saltar, segundo o Levantamento Sistemática da Produção Agrícola (LSPA) do IBGE, de 9,6 milhões de toneladas, em 2016, para 18,0 milhões de toneladas, um incremento de 87,1%.
É importante registrar que, se a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas registrou recuperação exuberante na corrente safra, a produção da cana-de-açúcar, cultura de grande peso na geração de emprego e na formação da renda agrícola na região, continua deprimida; recuou 4,8% em 2017 e deve se situar 29,1% abaixo do volume recorde recente, em 2011.
Diferentemente das culturas do primeiro grupo, as dificuldades recentes da cana-de-açúcar não se referem principalmente à questão climática e sim a problemas de endividamento financeiro dos principais grupos empresariais do setor.
Ainda assim, mesmo com as dificuldades do setor sucroalcooleiro, a supersafra agrícola da região Nordeste deverá ter um impacto muito importante no PIB e na ocupação da região. O Boletim Regional do Banco Central de julho estimou que o incremento da produção agrícola do Nordeste deverá ter um impacto de 2,8 pontos percentuais sobre o PIB nordestino de 2017.
Estados e culturas
 A recuperação da safra de cereais, leguminosas e oleaginosas na comparação com o ano anterior abrangeu todos os estados da região e todas as principais culturas, mas variou significativamente de um estado para o outro, como também se mostrou muito diferenciada entre as culturas. Para alguns estados, a safra de 2017 significou a plena retomada da produção agrícola; para outros, todavia, a recuperação foi muito parcial, se situando muito abaixo do pico anterior à estiagem.
Entre os principais estados produtores de cereais, leguminosas e oleaginosas da região, a retomada na produção foi mais acentuada em Sergipe (385,6%), Ceará (201,6%), Piauí (179,8%) e Maranhão (104,6%) e foi bem menos acentuada na Bahia (43,3%),  conforme é possível examinar na tabela.   


Tabela. Brasil e Nordeste. Produção de Cereais, Leguminosas e Oleaginosas  em 2016 e 2017 (em toneladas)
Brasil, Grande Região e Unidade da Federação
Safra 2016
Safra 2017
Taxa 2017/2016
(%)
Brasil
185.781.354
242.000.265
30,3
Nordeste
9.627.976
18.015.801
87,1
Maranhão
2.171.809
4.444.236
104,6
Piauí
1.315.806
3.681.330
179,8
Ceará
187.001
564.053
201,6
Rio G. do Norte
10.596
24.781
133,9
Paraíba
22.383
68.951
208,1
Pernambuco
40.144
145.438
262,3
Alagoas
37.485
105.305
180,9
Sergipe
177.655
862.621
385,6
Bahia
5.665.096
8.119.087
43,3
Fonte: IBGE. LSPA de setembro de 2017
Estados
Apesar da forte recuperação da safra em 2017, a longa faixa do território nordestino, entre os estados entre Ceará e Pernambuco, ainda mantém as produções de cereais, leguminosas e oleaginosas muito rebaixadas em relação ao pico anterior. 
É importante registrar que para a Bahia, Piauí e Maranhão, os principais cereais, leguminosas e oleaginosas em termos de área cultivada e valor da produção são soja e milho. Do Ceará a Alagoas, milho e feijão disputam a hegemonia do cultivo no semiárido, enquanto em Sergipe o cultivo do milho lidera com ampla vantagem.
Essa informação é relevante porque a safra de milho prevista para 2017 para o Nordeste é a segunda maior da série histórica (inferior apenas a de 2014), e a soja será a maior já conhecida, enquanto a produção prevista de feijão será ainda 30,9% inferior à maior safra, verificada em 2006, antes do início da estiagem que assola a região por quase uma década.
Os estados entre Ceará e Pernambuco também não recuperaram a produção de milho em relação ao ano pico (ver Gráfico).  No caso do Ceará, a safra de milho de 2017, apesar do forte incremento em relação a 2016, é ainda 57,3% inferior a do melhor ano, percentual que atinge 83,6% de queda no caso do Rio Grande do Norte, 76,2% na Paraíba, e 68,8% em Pernambuco.
Em síntese, é possível concluir que a supersafra de cereais, leguminosas e oleaginosas da região Nordeste concentrou-se na produção de soja e de milho. Mesmo com o cultivo de feijão tendo um incremento de produção de 138% em relação ao ano anterior, há ainda uma defasagem ampla em relação ao ano de 2006.  A outra conclusão, também de grande significado, é que o cultivo de cereais, luguminosas e oleaginosas ainda encontra-se muito rebaixado nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Onde uma recuperação foi de fato robusta foi no Maranhão, Piauí e Sergipe.
No caso da Bahia, a safra de 2017 registrou recuperação muito robusta, mas de forma desequilibrada, muito intensa na soja e no Oeste Baiano, e muito parcial no cultivo do milho e no Nordeste Baiano. No caso de Alagoas, a produção de grãos, apesar de importante para o semiárido, tem peso menor no PIB agrícola do estado.



Fonte: IBGE. PAM e LSPA (para 2017)

Publicado no Jornal da Cidade, em 15/10/2017

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O emprego formal começa a reagir lentamente no Nordeste


Ricardo Lacerda
Desde o mês de abril o emprego celetista vem paulatinamente reagindo na região Nordeste. Ainda que no acumulado do ano, até agosto, o saldo se mantenha negativo, já são cinco meses contínuos de geração de emprego (ver Gráfico). O mais importante é que a geração de emprego formal na região Nordeste, mês a mês, vem se disseminando em um maior número de setores e abrange todos os estados, com a exceção de Alagoas. É provável que a geração de emprego formal da região Nordeste feche o ano de 2017 com saldo negativo, mas no segundo semestre ele deverá alcançar resultado positivo. Mesmo o estado de Alagoas deverá apresentar geração líquida de emprego no consolidado do segundo semestre, à medida que a contratação no setor sucroalcooleiro deverá se intensificar nos próximos meses.
É importante assinalar que o ritmo da retomada do emprego formal na região Nordeste é muito modesto e levará muito tempo para recompor os cerca de 550 mil empregos formais perdidos desde o início de 2015, dentre os quais, mais de 200 mil concentrados na construção civil.
Agosto
No mês de agosto, a região Nordeste registrou saldo líquido de 19.964 novos empregos. O salto de contratação em relação ao mês anterior (8.725) tem explicação principalmente sazonal, decorrente do inicio da safra da cana-de-açúcar em alguns estados, que se traduz em expansão do emprego na agropecuária, na indústria química e na indústria de alimentos (ver Tabela). 
Outros setores de atividade também apresentaram volumes de contratações dignos de destaque, como a construção civil, o segmento de serviços que abrange comércio de imóveis e serviços profissionais, e os segmentos de saúde e de educação.
Cabe registrar que a recuperação da contratação na construção em agosto e julho, muito modesta frente ao acúmulo do corte de emprego no setor, ainda não repercutiu na ocupação no setor de minerais não metálicos, cuja principal atividade é a fabricação de cimento,  que eliminou 508 empregos formais em agosto (ver Tabela). A ocupação formal em outra atividade associada à construção civil, a fabricação de madeira e móveis, se manteve praticamente estável em agosto (-3), mas já pode representar uma mudança de tendência, interrompendo nos próximos meses a longa trajetória de corte de emprego formal, iniciada ainda no final de 2014.
Por fatores também principalmente sazonais, o comércio e o turismo apresentaram os piores desempenhos entre as atividades no mês de agosto.  O subsetor de transporte e comunicações continuou eliminando um número expressivo de vagas.



Fonte: MTPS-CAGED

Trimestre junho-agosto



A tabela apresentada traz uma perspectiva sintética do comportamento do emprego formal no trimestre junho-agosto e no acumulado do ano de 2017. Estão assinaladas as células com saldo positivo na geração do emprego mês a mês e no acumulado dos períodos.
Enquanto no mês de junho, doze subsetores /setores de atividade eliminaram postos de trabalho e outros treze apresentaram saldo líquido de contratação positivo, em agosto nove subsetores/setores cortaram emprego e dezesseis contrataram.
No acumulado do trimestre junho-agosto foram criados 34.110 empregos formais na região. O aspecto sazonal ligado à safra da cana teve grande peso nesse volume de contratação.
Indústria de transformação e serviços
Uma  diversidade de subsetores da indústria de transformação vem mudando de sinal negativo para positivo o saldo de contratação ao longo do trimestre, mesmo que os números não sejam tão expressivos, de modo que no mês de agosto apenas a atividade de fabricação de minerais não-metálicos (cimento) e a indústria mecânica cortaram emprego formal, desconsiderando os resultados residuais dos segmentos de madeira e mobiliário e papel e papelão.
Fatores sazonais deverão atuar favoravelmente nos próximos meses sobre os números do comércio e de alojamento e alimentação, além de concorrerem para intensificar a contratação no setor sucroalcooleiro.
Abstraindo-se os fatores de caráter mais sazonal, é possível inferir que o mercado formal de trabalho vem retomando em ritmo muito modesto na região Nordeste e que a trajetória de recuperação deverá ganhar algum impulso adicional nos próximos períodos, sem significar, todavia, uma recuperação exuberante do nível do emprego. 


Tabela. Nordeste: Saldo do emprego formal segundo setor e subsetor de atividade
IBGE Setor/ Subsetor de atividade
Saldo Mensal
Saldo trimestre
Saldo no
Ano
Junho
Julho
Agosto
Jun-Agosto
Jan-Agosto
TOTAL
5.421
8.725
19.964
34.110
-62.139
AGROPECUÁRIA
2.344
2.877
7.519
12.740
3.343
SETOR INDUSTRIAL
643
3.114
9.894
13.651
-53.615
Extrativa mineral
-34
49
19
34
-1.384
Indústria de Transformação
2.890
2.926
5.145
10.961
-45.186
Produtos minerais não metálicos
-1.140
-623
-508
-2.271
-4.820
Metalúrgica
19
-92
100
27
-127
Mecânica
-164
-140
-84
-388
-1.099
Material elétrico e de comunicações
90
-102
149
137
981
Material de transporte
160
388
115
663
1.528
Madeira e do mobiliário
-112
-64
-3
-179
-815
Papel, papelão, editorial e gráfico.
-30
-128
-1
-159
-1.319
Borracha, fumo, couros, ind. diversas.
-76
228
21
173
-248
Química, farmacêuticos, perfumaria
163
1.021
1.158
2.342
-3.629
Têxtil e vestuário e
728
-6
-354
368
-212
Indústria de calçados
-822
-236
764
-294
451
Alimentícios, bebidas e álcool etílico.
4.074
2.680
3.788
10.542
-35.877
Serviços industriais de utilidade pública
136
-31
272
377
3.046
Construção civil
-2.349
170
4.458
2.279
-10.091
SERVIÇOS
2.434
2.734
2.551
7.719
-11.867
Comércio varejista
1.017
-1.521
-562
-1.066
-25.062
Comércio atacadista
77
-262
107
-78
-1.217
Instituições de crédito, seguros.
-19
-5
-512
-536
-1.732
Com. e administração de imóveis, serv. técnico...
1.109
2.637
800
4.546
2.050
Transportes e comunicações
-395
9
-727
-1.113
-2.878
Alojamento, alimentação, reparação, redação...
-489
962
-1.018
-545
-7.052
Serviços médicos, odontológicos e veterinários.
1.648
1.539
1.090
4.277
8.352
Ensino
-749
-865
3.250
1.636
11.895
Administração pública
235
240
123
598
3.777

Fonte: MTPS-CAGED

Publicado no Jornal da Cidade, em 08/10/2017