Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Não vai ser a reforma trabalhista que vai tirar o país do buraco

Ricardo Lacerda

É difícil encontrar argumentos consistentes de que a reforma trabalhista possa ajudar a reverter a deterioração em curso do mercado de trabalho brasileiro. As empresas costumam contratar quando a demanda por seus bens e serviços está em elevação, como ficou cabalmente demonstrado no ciclo de expansão anterior à atual recessão. O espaço legítimo socialmente para modificações na legislação trabalhista é delimitado pela necessidade de reduzir a insegurança jurídica e, eventualmente, eliminar as rigidezes para situações muito específicas e bem delimitadas, mas jamais deveria enveredar pela precarização das garantias nas relações de contratação.  Não vai ser ampliando o fosso entre as classes sociais que serão edificadas as bases para a retomada do desenvolvimento. O que o Brasil precisa com urgência é estabelecer um novo pacto social, amplo o suficiente, que viabilize a retomada da formação de uma sociedade aberta e democrática e certamente muito menos injusta do que é. 
O IBGE publicou no último dia 18 os resultados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua- Trimestral referente a janeiro-março de 2017. A pesquisa não deixa dúvidas de que a crise do mercado de trabalho está longe de ter se dissipado; pelo contrário, os indicadores mostram deterioração adicional da situação.
Ocupação
Os indicadores de ocupação não evoluíram favoravelmente no 1º trimestre de 2017.  Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a população ocupada encolheu 1,9%, enquanto o emprego com carteira de trabalho no setor privado se retraiu em notáveis 3,5%. Quase 1,7 milhão de pessoas perdeu ocupação nesse período e 1,26 milhão deixou de contar com emprego com carteira assinada no setor privado. O mais grave é que o ritmo de queda da ocupação não dá mostra de arrefecimento mais significativo, nessa série que compara com o mesmo trimestre do ano anterior (ver Gráfico 1).

Fonte: IBGE. PNADc Trimestral.

Enquanto o emprego formal se retrai em ritmo acentuado, as pessoas procuram alternativas, aceitando relações contratuais sem proteção adequada: o número de trabalhadores no setor privado com carteira assinada diminui e o daqueles sem carteira registrou incremento.O contingente de trabalhadores por conta própria, que apresentou aumento significativo nas etapas iniciais da recessão, vem decaindo aceleradamente desde o segundo semestre de 2016, revelando desalento em relação a esse caminho de inserção no mercado de trabalho.
A situação do mercado de trabalho do Nordeste é particularmente mais grave. Das 1.692 mil ocupações perdidas na comparação entre o 1º trimestre de 2017 e o mesmo período de 2016, simplesmente 1.073 mil, ou 63,4% do total do país, se concentraram na região (ver Gráfico 2).
Fonte: IBGE. PNADc Trimestral.

São atividades como o cultivo da cana-de-açúcar, fabricação de produtos têxteis e construção civil que estão eliminando milhares de ocupação na região, contaminando os demais setores econômicos, sem que uma resposta apropriada tenha sido dada pelo governo federal. A eliminação de empregos na cadeia da construção civil na região assumiu dimensões catastróficas.
Desocupação
A taxa de desocupação e de subutilização da força de trabalho continuou em elevação, tanto na comparação com o trimestre setembro-dezembro de 2016, quanto em relação ao mesmo período janeiro–março de 2016.
A taxa de desocupação da força de trabalho subiu em todas as regiões. Na média do país ela alcançou 13,7%, sendo mais elevada do que a média no Nordeste (16,3%), Norte e Sudeste (14,2%) e abaixo da média nas regiões de maior peso do setor agropecuário na ocupação, Sul (9,3%) e Centro-Oeste (12,0%). A taxa de desocupação subiu em todas as 27 unidades federadas. Entre os dez estados com taxas de desocupação mais elevadas, seis integram a região Nordeste, três a região Norte e um (Rio de Janeiro), a região Sudeste. A Bahia lidera, com taxa de desocupação de 18,6%,
A chamada taxa composta da subutilização da força de trabalho (que agrega as pessoas desocupadas, aqueles que trabalham menos horas do que desejariam e os que fazem parte da força de trabalho potencial) continuou em elevação e alcançou 24,1%, na média do país e 25,6% no caso da região. Assim cerca de um em cada quatro brasileiros que fazem parte da PEA ou está desocupado ou trabalha menos do que desejaria ou está temporariamente fora do mercado de trabalho. Em alguns estados do Nordeste, como Alagoas e Bahia, esse percentual se situa em torno de 30%.
O grau de ociosidade da força de trabalho retrata não apenas uma das dimensões mais duras da recessão como também sinaliza o espaço de crescimento desperdiçado e que estaria imediatamente disponível.
Infelizmente, com o país dividido politicamente, ainda não se avista de onde virão as iniciativas para construção de um novo pacto social, amplo o suficiente para abranger a questões mais urgentes e essenciais. Não serão medidas que ampliam o apartheid que auxiliarão na saída da crise política e institucional.

Publicado no Jornal da Cidade, em 28/05/2017 



segunda-feira, 22 de maio de 2017

Instabilidade política e crise econômica

Ricardo Lacerda

A equipe econômica não teve tempo de comemorar os resultados do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), referente ao mês de março, e do emprego do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do mês de abril, quando uma nova tormenta política tomou conta do país, enredando em novas denúncias de corrupção e desmando, de forma pessoal e inequívoca, o presidente da república, Michel Temer, e o senador Aécio Neves, candidato derrotado nas eleições e presidente do PSDB, partido que é o maior avalista do atual governo junto às elites empresariais, à alta classe média urbana e aos organismos financeiros internacionais.

Os efeitos de retroalimentação entre a instabilidade política e a recessão econômica vêm marcando a vida brasileira desde o final de 2014, quando a então oposição não reconheceu a vitória de Dilma Rousseff no pleito presidencial, dando início à escalada de ataques que redundou no afastamento em maio de 2016 da presidente eleita.

Depois que a esperada retomada do crescimento no segundo semestre de 2016 não se confirmou, as projeções de mercado apontavam para uma recuperação muito lenta ao longo de 2017 e crescimento moderado para 2018 e anos seguintes, de forma que somente em 2021 o PIB brasileiro recuperaria o patamar de 2014.

A nova crise política, atingindo o núcleo do poder central, parece mostrar que o arremedo de solução institucional encontrada com o afastamento da presidente eleita terá fôlego curto e resultados pífios, além de revelar um custo desmesuradamente elevado, diante da demonstração de desapreço pelos seus patrocinadores aos princípios mais elementares da democracia e do estado de direito.


Termômetro quebrado

É verdade que o crescimento alcançado pelo IBC-BR do 1º trimestre é atípico em vários sentidos. Em primeiro lugar porque resultou principalmente da mudança das metodologias da Pesquisa Mensal do Comércio e da Pesquisa Mensal de Serviços, ambas do IBGE, que afetou o cálculo de fevereiro.

Como o IBGE não fez a chamada retropolação dos resultados anteriores a janeiro de 2017 de acordo com a nova metodologia, na prática os índices dos primeiros três meses do ano do nível de atividade do setor serviços e do volume de vendas do varejo não são comparáveis com os de períodos anteriores, contaminando o cálculo do IBC-BR.  Como assinalou o economista Marcos Lisboa, em artigo publicado em 30 de abril na Folha de São Paulo, o IBGE quebrou o termômetro.

Para ilustrar a dimensão da distorção gerada pela mudança de metodologia sem atualizar os resultados anteriores é suficiente assinalar que o IBC-BR do 1º trimestre de 2017 cresceu 1,12% em relação ao 4º trimestre de 2016, na série em que os efeitos sazonais já estão descontados, muito acima do crescimento previsto pelo mercado para todo o ano de 2017, de 0,5%.  

O cálculo do crescimento do IBC-BR do 1º trimestre é inteiramente artificial. Caso repetido nos trimestres restantes do ano, o IBC-BR do 4º trimestre de 2017 apontaria para um resultado 4,56% acima do mesmo trimestre de 2016, quando a mais recente projeção de mercado é de que o PIB do último trimestre deve ficar em torno de 1,9% maior do que o equivalente de 2016. Nessa hipótese, o IBC-BR de 2017 apresentaria o crescimento fantástico de 4,1% em relação ao ano anterior, muito distante da situação real em que estamos vivendo, de uma estabilização arrastada e com recuperação muito lenta do nível de atividade e de desemprego generalizado.   

O resultado fora da linha do volume de vendas no varejo pode ser visto no indicador de janeiro, que depois foi parcialmente corrigido pelas quedas de fevereiro e março (ver Gráfico).

A geração de 59.856 empregos formais em abril é um resultado bem vindo, mas não sinaliza o início da recuperação do mercado de trabalho, depois do fechamento de 2,8 milhões de postos de trabalho nos últimos dois anos. O IBC-BR de março e o CAGED de abril são inconclusivos em relação a que estágio nos encontramos no momento em relação à estabilização e retomada da economia.  Os impactos da nova crise política sobre o nível de atividade, por sua vez, certamente não serão favoráveis, mas ainda é muito cedo para dimensioná-los. Talvez o mais importante do novo episódio que paralisa o país atualmente tenha sido o de demonstrar o elevado custo político, social e econômico de soluções institucionais artificiais, como o afastamento da presidente eleita.




Fonte: IBGE. PMC

Publicado no Jornal da Cidade, em 21/05/2017

domingo, 7 de maio de 2017

Um olhar sobre as exportações brasileiras do 1º quadrimestre de 2017

Ricardo Lacerda

O governo comemora o saldo comercial recorde obtido no 1º quadrimestre de 2017.  As exportações brasileiras entre janeiro e abril somaram US$ 68,1 bilhões, um incremento de 21,8% sobre o mesmo período de 2016. Como as importações registraram crescimento menos acentuado (de 9,5%), o saldo comercial do quadrimestre saltou de US$ 13,2 bilhões para US$ 21,4 bilhões, nessa comparação entre os primeiros quadrimestres, equivalentes a expressivos 61,3% de aumento.
A projeção de mercado mais recente, anterior à publicação do resultado oficial da balança comercial de abril, é de que as exportações brasileiras em 2017 deverão superar US$ 200 bilhões, interrompendo a trajetória de declínio que marcou os três últimos resultados anuais e reposicionando o valor exportado ao patamar de 2010. É possível que essa projeção seja revista para cima nas próximas edições do levantamento, assim como a do saldo comercial anual, de pouco mais de US$ 50 bilhões, que já o confirmaria o melhor resultado da série histórica.

Limitações
Ressaltados os aspectos positivos convém tratar das limitações do resultado alcançado. A mais óbvia é de que o incremento do valor exportado decorreu integralmente da melhoria nas cotações de alguns poucos produtos da pauta de exportações, porquanto a quantidade exportada não apresentou crescimento. O valor médio da tonelada exportada no 1º quadrimestre aumentou 23% (ver Tabela). Assim o incremento do valor exportado (de 21,8%) ficou mesmo inferior à melhoria média das cotações, o que é outra maneira de dizer que a quantidade exportada se retraiu, no caso em 0,9%.
A segunda limitação é que 93% do incremento do valor exportado no 1º quadrimestre do ano, em relação ao mesmo período do ano anterior, concentraram em 15 produtos e que três produtos (minério de ferro, óleo bruto de petróleo e soja) responderam por ¾ do incremento no valor exportado. No caso do minério de ferro o valor das exportações apresentou expansão de 141,1%, como fruto do incremento de 1,8% na quantidade exportada e da melhoria da cotação do produto em 136,7%.
É uma situação bem distinta do desempenho da soja, que havia sido afetado pela estiagem do ano anterior. O incremento em 26,4% no valor exportado do produto no período resultou de incremento de 14,1% na quantidade comercializada e de 10,8% na melhoria da cotação. Na média dos 15 principais produtos exportados, cujo valor apresentou crescimento de simplesmente 45,2%, a quantidade exportada recuou 0,6%, enquanto a cotação média apresentou elevação de 46,1%. Os demais produtos que compõem a pauta exportadora registraram crescimento de apenas 2,4% no valor exportado.

Perspectivas
O desempenho exportador do Brasil permanece muito dependente do comportamento de um número muito restrito de produtos básicos ou semimanufaturados. A melhoria momentânea nas cotações de tais produtos no mercado mundial traz um alívio importante, mas não há segurança de que eles vão continuar se valorizando. Com essa vulnerabilidade, oscilações nas cotações decorrentes de mudanças nas perspectivas de crescimento da China e de alguns outros mercados essenciais fazem toda a diferença no desempenho exportador do país, enquanto a evolução da taxa de câmbio continua sendo determinada mais pelos fluxos financeiros e por seu impacto sobre os preços internos do que a partir de considerações sobre a competitividade das nossas exportações. Não vai ser ainda dessa vez que o Brasil vai voltar a contar com novo surto de crescimento impulsionado pelo drive exportador.

Tabela: Taxa de crescimento das Exportações dos Principais Produtos no Quadrimestre janeiro-abril de 2017 em relação a igual período de 2016 (em %)


Fonte: MDIC-SECEX