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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A construção civil atingiu o fundo do poço?


Ricardo Lacerda*
O setor de construção civil vem se apresentando como um dos segmentos produtivos mais intensamente impactados pela crise econômica nacional. Desde que iniciou sua trajetória de declínio, no segundo trimestre de 2014, a produção do setor encolheu 21%; no segundo trimestre de 2017, a produção da construção civil se situava em 79% do que apresentava no 1º trimestre de 2014.  O dado mais recente de evolução da atividade informa que a produção do setor recuou 2% entre o primeiro e o segundo trimestres de 2017.
Ainda assim, no meses mais recentes, há sinais no mercado de trabalho, mesmo que tênues, de que o setor pode estar atingido o fundo do poço, próximo a um ponto de estabilização.
Já por dois meses (julho e agosto), o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Previdência Social, registra que o emprego formal no setor deixou de cair.
É importante assinalar que o emprego formal na construção civil vinha despencando continuamente desde outubro de 2014.  A partir de janeiro de 2017, todavia, o ritmo de queda do emprego formal no setor vem sendo muito atenuado, em relação à media mensal dos dois anos anteriores, até voltar a apresentar o saldo positivo de 724 empregos formais em julho e de 1.017, em agosto (ver Gráfico 1). Em Sergipe, o emprego formal na construção civil também deixou de cair nos últimos dois meses.

Fonte: MTPS. CAGED
Os dados da Pnad Contínua confirmam uma melhoria relativa do mercado de trabalho na construção civil, abrangendo o conjunto das atividades formais e informais. Na evolução na margem dos trimestres móveis, a ocupação na construção civil registrou saldo positivo nos trimestres abril-maio-junho e maio-junho-julho em relação aos trimestres móveis imediatamente anteriores, ainda que em valores pouco expressivos.
A derrocada
A construção civil vem despencando continuamente desde meados de 2014. Na comparação entre o trimestre maio–julho de 2014 e o mesmo trimestre de 2017, foram eliminadas um milhão de ocupações no setor, entre atividades formais e informais.
A perda de ocupações na construção civil foi mais acentuada nas atividades formais, principalmente na construção habitacional. Na comparação entre agosto de 2014 e agosto de 2017, o contingente de trabalhadores ocupados na construção caiu de 3.225.068 para 2.208.008, ou seja, foram eliminados mais de um milhão de vínculos celetistas, equivalentes a 31,5% do total de trabalhadores do setor. Nesse intervalo de tempo, quase 1/3 da força de trabalho empregada na atividade formal construção civil perdeu ocupação.

A produção do setor também despencou. Na comparação entre o 1º semestre de 2014 e 1º semestre de 2017, a queda da produção da construção civil (de 18,1%) foi superior à enfrentada pela indústria de transformação (16%), enquanto a retração do emprego formal entre agosto de 2014 e agosto de 2017 foi mais do que o dobro na construção, (31,5% e 12,9%, respectivamente).

Perspectivas 

Diferentemente da indústria de transformação, que se encontra em uma encruzilhada, sem perspectivas de desenvolvimento de longo prazo por falta de competitividade, a crise na construção civil tem um caráter mais cíclico, associado à exaustão do boom imobiliário que conheceu entre o final de 2006 e 2013.

Enquanto a indústria de transformação entrou em um processo de estagnação de difícil superação desde setembro de 2008, não se recuperando dos impactos advindos com a eclosão da crise financeira internacional, a construção civil brasileira retomou e até acelerou a expansão depois de 2008, até ver o crescimento interrompido bruscamente a partir de meados de 2013 (ver Gráfico 2).

Fonte: IBGE.CNT


A crise das finanças públicas e a eclosão das denúncias da Lava Jato complementam a derrocada do setor, atingindo tanto o segmento habitacional quanto as obras ´de infraestrutura urbana e produtiva.

É importante ponderar que, caso venha se confirmar a estabilização do nível de atividade da construção civil nos próximos trimestres, acompanhada por alguma elevação do emprego, isso não significa que o setor já tenha deixado a crise para trás e vá passar a exibir uma retomada expressiva. O mais provável é que a construção civil, com alguma defasagem temporal em relação ao que se verificou com a indústria de transformação, venha a conhecer nos próximos meses uma correção para cima do nível de produção, apesar de o setor contar com especificidades que o distinguem muito da indústria de transformação.

Mais do que a indústria de transformação, a recuperação da construção civil depende da normalização das condições de crédito e da melhoria do nível de endividamento das famílias. Adicionalmente, a recuperação do setor depende do próprio retorno da confiança sobre as possibilidades de retomada do crescimento da economia nacional.
Publicado no Jornal da Cidade, em 25/09/2017

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A recuperação pelo consumo: compressão do gasto público restringe a retomada

Ricardo Lacerda*
Apressado em comemorar os sinais mais consistentes de recuperação da economia, o ministro Meireles afirmou que os números da atividade econômica nos dois primeiros trimestres do ano são muito positivos e fortes e sinalizou que pode rever a projeção de crescimento do PIB de 2017 de 0,5% para 1%. Como assinalamos no artigo da semana passada, o crescimento da atividade econômica no primeiro semestre de 2017, apesar de lento, indica que a economia brasileira deixou para trás o fundo do poço e iniciou uma modesta recuperação, que deverá prosseguir no próximos trimestres.
No acumulado dos dois trimestres, o PIB brasileiro apresentou incremento de 1,3%, compensando no período aquilo que havia perdido no segundo semestre de 2016, ou seja, o PIB do 1º semestre de 2017 igualou-se ao do 1º semestre de 2016. Em grande parte, a expansão do nível de atividade da economia em 2017 responde aos mecanismos de recuperação próprios aos ciclos de negócios, depois de oito trimestres de declínios.
Setores de atividade
Em termos setoriais, as atividades que mais contribuíram para o crescimento da economia no 1º semestre de 2017 foram a Agropecuária, a atividade Extrativa mineral (inclusive petróleo), a Geração de energia, o Comércio, a atividade de Transporte e armazenagem e o agrupamento de atividades classificadas como Outros serviços.  A Indústria de transformação também registrou crescimento importante no semestre, apesar de ter desacelerado na passagem do 1º para o 2º trimestre.
A tabela apresentada registra nas duas últimas colunas a comparação, por atividade, do valor da produção do 1º semestre de 2017 em relação aos mesmos períodos de 2016 e de 2015.
Em alguns casos, a recuperação no primeiro semestre decorreu de movimentos específicos dos próprios segmentos e não estão relacionados com os mecanismos do ciclo de negócios, como a melhoria do regime de chuvas ou nas cotações internacionais do produto. Tais foram os casos da agropecuária e da extração de minérios, respectivamente.
A agropecuária ao longo dos dois primeiros trimestres do ano cresceu 11,5%. Na comparação com os mesmos semestres de 2016 e 2015,  a atividade agropecuária registrou incremento, respectivamente, de 15% e 6,7%, indicando que quase a metade da expansão no 1º semestre de 2017 foi na verdade recuperação do que havia sido perdido em 2016 por conta da estiagem (ver Tabela).
A extração mineral, que teve incremento de 2,1% ao longo do 1ºsemestre de 2017, repôs na verdade o valor da produção que havia perdido em 2016, posto que na comparação com o 1º semestre de 2015 o valor da produção do segmento registrou crescimento de apenas 0,1%.
Reversão para cima
Em outras atividades, os incrementos do valor da produção em 2017 aparentemente indicam que o ciclo de negócio começou a reverter a trajetória até então descendente em direção à retomada. A indústria de transformação cresceu 1,2% no 1º semestre do ano, ainda que se situe 1% abaixo do mesmo período de 2016 e 8,5% inferior a 2015. A atividade de construção, por enquanto, manteve-se em queda.
No segmento de Serviços, as atividades que mais contribuíram para o crescimento em 2017, até o 1º semestre, como o Comércio, Transporte e armazenagem e Outros serviços, repuseram parcialmente, mesmo que em ritmos dignos de destaque, as quedas acentuadas que tiveram em períodos anteriores. 
Setor público
É importante assinalar que o consumo do governo no 2º trimestre de 2017 registrou a quarta queda consecutiva. Ao longo do 1º semestre de 2017, o agrupamento de atividades que abrange a Administração, saúde e educação públicas recuou 0,6%, se situando 1% abaixo do patamar do 1º semestre de 2016. Como se sabe, diante da aprovação teto dos gastos públicos, as atividades desse agrupamento não deverão puxar o crescimento do PIB nos próximos anos.
Para o bem ou para o mal, o crescimento do PIB nos próximos trimestre, que deverá ser ainda modesto, será impulsionado pelos gastos privados, notadamente das famílias, à medida em que paulatinamente o mercado de trabalho for retomando, posto que não há grandes expectativas no curto prazo em relação ao retorno dos investimentos.
A recuperação da economia, até o momento, nada tem tem espetacular e tampouco reflete um suposto acerto das políticas adotadas pela equipe comandada por Meireles e Ilan Goldfajn. Ela responde basicamente à correção parcial, pelos mecanismos do ciclo de negócios, da queda excessiva que se seguiu ao ajuste promovido pelo ministro Joaquim Levy entre o final de 2014 e primeira metade de 2015 e que foram potencializados pela crise política-policial.


Tabela. Taxa de crescimento do PIB no 1º e 2º trimestres de 2017 (%)
Atividades
Crescimento em 2017
Comparação com 1ºs semestres de 2016 e 2015
2017.I
%
2017.II
%
Acumulado 1º semestre
%
1º semestre de 2017/ 1º semestre de 2016
%
1º semestre de 2017/ 1º semestre de 2015
%
PIB
1,0
0,2
1,3
0,0
-4,5
Agropecuária
11,5
0,0
11,5
15,0
6,7
Total Industria
0,7
-0,5
0,2
-1,6
-6,5
Ext. Mineral
1,8
0,4
2,1
7,8
0,1
Transformação
1,1
0,1
1,2
-1,0
-8,5
SIUP
3,1
-1,3
1,7
1,9
8,3
Construção
-0,5
-2,0
-2,5
-6,6
-10,4
Total Serv
0,2
0,6
0,8
-1,0
-4,1
Comércio
-0,2
1,9
1,8
-0,8
-9,3
Transporte e armaz.
3,1
0,6
3,7
-1,4
-7,9
Serv. de informação
1,9
-2,0
-0,1
-1,4
-5,2
Interm. Financeira
-0,6
-0,2
-0,8
-3,1
-5,1
Ativ. Imobiliárias
0,2
0,8
1,1
0,1
0,4
Outros Serv.
0,9
0,8
1,7
-0,7
-4,3
APU, educ e saúde públicas
-0,3
-0,3
-0,6
-1,0
-0,8

Fonte: IBGE.CNT

Publicado no Jornal da Cidade, em 10/09/2017

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A recuperação pelo consumo

Ricardo Lacerda
Em entrevista publicada na Folha de São Paulo no último dia 26 de agosto, o presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, em um episódio pouco comum de ataque de sinceridade, declarou que o “choque de confiança” não teve o efeito esperado sobre os níveis de investimento e que a recuperação da economia deverá ser lenta e puxada pelo consumo.
Em outros termos, o alentado choque de confiança que adviria da adoção de uma política fiscal responsável falhou e o recente incremento, em ritmo arrastado, do nível de atividade tem sido impulsionado pelo aumento do consumo,  causado em parte pela queda da inflação, em parte por conta da redução dos juros nominais, em parte pela injeção de renda decorrente dos saques do FGTS, em parte pelo incremento da ocupação no mercado de trabalho.
Como costuma dizer meu colega da UFAL professor Reynaldo Ferreira, não há choque de confiança capaz de produzir uma contração fiscal expansionista. A via crucis enfrentada pelos países do sul da Europa na esteira da crise financeira internacional foi suficientemente pedagógica nesse sentido. A muito modesta elevação do nível de atividade da economia brasileira nos dois últimos trimestres decorreu basicamente dos efeitos do incremento da renda disponível sobre o consumo das famílias, porquanto os investimentos continuaram declinando.
O PIB do 1º semestre de 2017
Em relação ao último trimestre de 2016, o PIB brasileiro registrou crescimento de 1,27%, sendo 1,02% no 1º trimestre e 0,25% no 2º trimestre. Desaceleração tão intensa na comparação entre os dois períodos decorreu basicamente do desempenho extraordinário do setor agrícola, contabilizado no 1º trimestre. Em outra palavras, não é que o crescimento do 2º trimestre tenha sido surpreendentemente baixo, é que o crescimento do 1º trimestre foi excepcionalmente bom (ver Gráfico). 
O incremento do PIB da primeira metade do ano foi suficiente apenas para repor o que havia sido perdido no segundo semestre de 2016. Assim, o PIB do 1º semestre de 2017 foi exatamente do mesmo montante do verificado no 1º semestre de 2016, auferindo crescimento zero nessa comparação.
Componentes da despesa
O consumo das famílias cresceu 1,4% no 2º trimestre do ano depois de oito retrações trimestrais sucessivas em 2015 e 2016 e estagnação no 1º trimestre de 2017. Os gastos correntes do governo aceleraram seus declínios nos dois trimestre do ano; no 2º trimestre o consumo do governo recuou 0,9%. Os investimentos não reagiram e mantiveram a trajetória de declinio iniciada no já longínquo 4º trimestre de 2013 (registrou-se uma oscilação para cima de 0,4% no 2º trimestre de 2016). Em outras palavras, os gastos privados e públicos realizados na aquisição de máquinas, equipamentos, construção e caminhões e implementos agrícolas (que formam a parcela principal da Formação Bruta de Capital Fixo-FBCF) mantiveram-se em queda em ritmo ainda muito acentuado.
Ao longo do 1º semestre de 2017 o consumo das famílias cresceu 1,34%, o consumo do governo recuou 1,64% e a FBCF caiu 1,66%. Além do consumo das famílias, o incremento das exportações de bens e serviços e a queda nas importações contribuíram para o resultado positivo do PIB na primeiro semestre do ano.


Fonte. IBGE. CNT. Série descontada os efeitos sazonais.
Ciclo de negócios
Há poucas dúvidas de que a economia brasileira está deixando para trás o fundo do poço e que iniciou uma trajetória de incremento do nível de atividade, que deverá se dar em ritmo muito lento e por enquanto se mostra com potencial muito limitado. Não nos iludamos, todavia, sobre a natureza da recuperação em curso. Trata-se basicamente de uma retomada decorrente do próprio movimento do ciclo de negócios, em que paulatinamente foram sendo registradas quedas mais suaves seguidas pelos incrementos dos dois últimos trimestres.

A expansão do PIB nos próximos trimestres deverá seguir essa trajetória, impulsionada pelo incremento da renda que a recuperação paulatina do mercado de trabalho deverá engendrar, empurrando lentamente para cima o nível de utilização da capacidade produtiva instalada. Em outras palavras, o conhecido mecanismo do multiplicador da renda, seguido pelo acelerador do investimento, enxovalhado noite e dia pelo pensamento convencional de mercado como correspondendo a adoção de uma concepção hidráulica do keynesianismo, vai cumprindo seu papel. O choque de confiança vai demorar mais um pouco para gerar seus efeitos. Foi o presidente do Banco Central quem reconheceu.

Publicado no Jornal da Cidade, em 03/09/2017