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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A recuperação pelo consumo

Ricardo Lacerda
Em entrevista publicada na Folha de São Paulo no último dia 26 de agosto, o presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, em um episódio pouco comum de ataque de sinceridade, declarou que o “choque de confiança” não teve o efeito esperado sobre os níveis de investimento e que a recuperação da economia deverá ser lenta e puxada pelo consumo.
Em outros termos, o alentado choque de confiança que adviria da adoção de uma política fiscal responsável falhou e o recente incremento, em ritmo arrastado, do nível de atividade tem sido impulsionado pelo aumento do consumo,  causado em parte pela queda da inflação, em parte por conta da redução dos juros nominais, em parte pela injeção de renda decorrente dos saques do FGTS, em parte pelo incremento da ocupação no mercado de trabalho.
Como costuma dizer meu colega da UFAL professor Reynaldo Ferreira, não há choque de confiança capaz de produzir uma contração fiscal expansionista. A via crucis enfrentada pelos países do sul da Europa na esteira da crise financeira internacional foi suficientemente pedagógica nesse sentido. A muito modesta elevação do nível de atividade da economia brasileira nos dois últimos trimestres decorreu basicamente dos efeitos do incremento da renda disponível sobre o consumo das famílias, porquanto os investimentos continuaram declinando.
O PIB do 1º semestre de 2017
Em relação ao último trimestre de 2016, o PIB brasileiro registrou crescimento de 1,27%, sendo 1,02% no 1º trimestre e 0,25% no 2º trimestre. Desaceleração tão intensa na comparação entre os dois períodos decorreu basicamente do desempenho extraordinário do setor agrícola, contabilizado no 1º trimestre. Em outra palavras, não é que o crescimento do 2º trimestre tenha sido surpreendentemente baixo, é que o crescimento do 1º trimestre foi excepcionalmente bom (ver Gráfico). 
O incremento do PIB da primeira metade do ano foi suficiente apenas para repor o que havia sido perdido no segundo semestre de 2016. Assim, o PIB do 1º semestre de 2017 foi exatamente do mesmo montante do verificado no 1º semestre de 2016, auferindo crescimento zero nessa comparação.
Componentes da despesa
O consumo das famílias cresceu 1,4% no 2º trimestre do ano depois de oito retrações trimestrais sucessivas em 2015 e 2016 e estagnação no 1º trimestre de 2017. Os gastos correntes do governo aceleraram seus declínios nos dois trimestre do ano; no 2º trimestre o consumo do governo recuou 0,9%. Os investimentos não reagiram e mantiveram a trajetória de declinio iniciada no já longínquo 4º trimestre de 2013 (registrou-se uma oscilação para cima de 0,4% no 2º trimestre de 2016). Em outras palavras, os gastos privados e públicos realizados na aquisição de máquinas, equipamentos, construção e caminhões e implementos agrícolas (que formam a parcela principal da Formação Bruta de Capital Fixo-FBCF) mantiveram-se em queda em ritmo ainda muito acentuado.
Ao longo do 1º semestre de 2017 o consumo das famílias cresceu 1,34%, o consumo do governo recuou 1,64% e a FBCF caiu 1,66%. Além do consumo das famílias, o incremento das exportações de bens e serviços e a queda nas importações contribuíram para o resultado positivo do PIB na primeiro semestre do ano.


Fonte. IBGE. CNT. Série descontada os efeitos sazonais.
Ciclo de negócios
Há poucas dúvidas de que a economia brasileira está deixando para trás o fundo do poço e que iniciou uma trajetória de incremento do nível de atividade, que deverá se dar em ritmo muito lento e por enquanto se mostra com potencial muito limitado. Não nos iludamos, todavia, sobre a natureza da recuperação em curso. Trata-se basicamente de uma retomada decorrente do próprio movimento do ciclo de negócios, em que paulatinamente foram sendo registradas quedas mais suaves seguidas pelos incrementos dos dois últimos trimestres.

A expansão do PIB nos próximos trimestres deverá seguir essa trajetória, impulsionada pelo incremento da renda que a recuperação paulatina do mercado de trabalho deverá engendrar, empurrando lentamente para cima o nível de utilização da capacidade produtiva instalada. Em outras palavras, o conhecido mecanismo do multiplicador da renda, seguido pelo acelerador do investimento, enxovalhado noite e dia pelo pensamento convencional de mercado como correspondendo a adoção de uma concepção hidráulica do keynesianismo, vai cumprindo seu papel. O choque de confiança vai demorar mais um pouco para gerar seus efeitos. Foi o presidente do Banco Central quem reconheceu.

Publicado no Jornal da Cidade, em 03/09/2017

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