Ricardo
Lacerda
Em
entrevista publicada na Folha de São Paulo no último dia 26 de agosto, o
presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, em um episódio pouco
comum de ataque de sinceridade, declarou que o “choque de confiança” não teve o
efeito esperado sobre os níveis de investimento e que a recuperação da economia
deverá ser lenta e puxada pelo consumo.
Em
outros termos, o alentado choque de confiança que adviria da adoção de uma política
fiscal responsável falhou e o recente incremento, em ritmo arrastado, do nível
de atividade tem sido impulsionado pelo aumento do consumo, causado em parte pela queda da inflação, em
parte por conta da redução dos juros nominais, em parte pela injeção de renda
decorrente dos saques do FGTS, em parte pelo incremento da ocupação no mercado
de trabalho.
Como
costuma dizer meu colega da UFAL professor Reynaldo Ferreira, não há choque de
confiança capaz de produzir uma contração fiscal expansionista. A via crucis
enfrentada pelos países do sul da Europa na esteira da crise financeira internacional
foi suficientemente pedagógica nesse sentido. A muito modesta elevação do nível
de atividade da economia brasileira nos dois últimos trimestres decorreu
basicamente dos efeitos do incremento da renda disponível sobre o consumo das
famílias, porquanto os investimentos continuaram declinando.
O PIB do 1º semestre de 2017
Em
relação ao último trimestre de 2016, o PIB brasileiro registrou crescimento de
1,27%, sendo 1,02% no 1º trimestre e 0,25% no 2º trimestre. Desaceleração tão
intensa na comparação entre os dois períodos decorreu basicamente do desempenho
extraordinário do setor agrícola, contabilizado no 1º trimestre. Em outra
palavras, não é que o crescimento do 2º trimestre tenha sido surpreendentemente
baixo, é que o crescimento do 1º trimestre foi excepcionalmente bom (ver
Gráfico).
O
incremento do PIB da primeira metade do ano foi suficiente apenas para repor o
que havia sido perdido no segundo semestre de 2016. Assim, o PIB do 1º semestre
de 2017 foi exatamente do mesmo montante do verificado no 1º semestre de 2016,
auferindo crescimento zero nessa comparação.
Componentes da despesa
O
consumo das famílias cresceu 1,4% no 2º trimestre do ano depois de oito
retrações trimestrais sucessivas em 2015 e 2016 e estagnação no 1º trimestre de
2017. Os gastos correntes do governo aceleraram seus declínios nos dois
trimestre do ano; no 2º trimestre o consumo do governo recuou 0,9%. Os
investimentos não reagiram e mantiveram a trajetória de declinio iniciada no já
longínquo 4º trimestre de 2013 (registrou-se uma oscilação para cima de 0,4% no
2º trimestre de 2016). Em outras palavras, os gastos privados e públicos realizados
na aquisição de máquinas, equipamentos, construção e caminhões e implementos agrícolas
(que formam a parcela principal da Formação Bruta de Capital Fixo-FBCF)
mantiveram-se em queda em ritmo ainda muito acentuado.
Ao
longo do 1º semestre de 2017 o consumo das famílias cresceu 1,34%, o consumo do
governo recuou 1,64% e a FBCF caiu 1,66%. Além do consumo das famílias, o
incremento das exportações de bens e serviços e a queda nas importações
contribuíram para o resultado positivo do PIB na primeiro semestre do ano.
Fonte.
IBGE. CNT. Série descontada os efeitos sazonais.
Ciclo de negócios
Há poucas
dúvidas de que a economia brasileira está deixando para trás o fundo do poço e
que iniciou uma trajetória de incremento do nível de atividade, que deverá se
dar em ritmo muito lento e por enquanto se mostra com potencial muito limitado.
Não nos iludamos, todavia, sobre a natureza da recuperação em curso. Trata-se
basicamente de uma retomada decorrente do próprio movimento do ciclo de
negócios, em que paulatinamente foram sendo registradas quedas mais suaves
seguidas pelos incrementos dos dois últimos trimestres.
A
expansão do PIB nos próximos trimestres deverá seguir essa trajetória,
impulsionada pelo incremento da renda que a recuperação paulatina do mercado de
trabalho deverá engendrar, empurrando lentamente para cima o nível de
utilização da capacidade produtiva instalada. Em outras palavras, o conhecido
mecanismo do multiplicador da renda, seguido pelo acelerador do investimento,
enxovalhado noite e dia pelo pensamento convencional de mercado como
correspondendo a adoção de uma concepção hidráulica do keynesianismo, vai
cumprindo seu papel. O choque de confiança vai demorar mais um pouco para gerar
seus efeitos. Foi o presidente do Banco Central quem reconheceu.
Publicado no Jornal da Cidade, em 03/09/2017
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