Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 30 de abril de 2017

As reformas do Governo Temer promovem regressão social inédita


Ricardo Lacerda
A sociedade brasileira assiste bestificada nesse início de ano a tramitação acelerada no congresso nacional de um conjunto de mudanças nas legislações trabalhista e previdenciária que desconstrói parcela importante do projeto de país consagrado na constituição de 1988, a chamada constituição cidadã.
De chofre, o governo instituído há menos de um ano atropela ritos e direitos para entregar aos reais promotores da ruptura da normalidade democrática os resultados pelos quais o golpe parlamentar foi executado.
Intencionalmente, os setores que promovem as reformas antipopulares que corroem os direitos da cidadania confundem a urgência de enfrentar os desequilíbrios fiscais, o que é essencial para restabelecer a estabilidade macroeconômica, com medidas voltadas para que a maior parte do ônus do ajuste fiscal recaia sobre os setores mais fragilizados da sociedade. O que está em jogo nesse momento é, em parte, quem paga o pato da crise fiscal. A outra parte, mais grave, é que as reformas propostas trazem em si as bases para sustentar e ampliar por muito tempo o apartheid social em um dos países mais desiguais e injustos do mundo.
De maneira surpreendentemente sincera, o vice que tramou contra a presidente eleita revela em entrevista em rede de televisão o segredo de polichinelo, de que a presidente Dilma Rousseff foi defenestrada do poder porque não aceitara adotar o receituário elaborado, sabe-se lá por quais mãos e inspirado por quais setores de classe, tal como se apresenta no documento Uma Ponte para o Futuro, oficial e ironicamente de responsabilidade da Fundação Ulysses Guimarães, cujo o nome homenageia o maior artífice da constituição cidadã.
As reformas empurradas goela abaixo da população, que estarrecida não sabe de onde elas vêm e quem as promove, trazem à luz projeto ignominioso de sociedade, feio porque perverso, e significam uma regressão social inédita. As reformas em tramitação buscam sepultar o projeto de construção de uma sociedade mais justa e para todos os cidadãos que unificou as forças que lutaram pela redemocratização do país trinta anos atrás.
 Promessas não cumpridas
O jornal Folha de São Paulo trouxe na edição de 26 de abril matéria cobrindo o lançamento do livro O Brasil no Contexto: 1987-2017, que reúne artigos de 17 autores sobre mudanças que o país passou desde a redemocratização. O sociólogo José de Souza Martins, um dos autores, se disse frustrado pelas promessas não cumpridas e revela um desalento profundo sobre as possibilidades do país "pela primeira vez na vida [estou] sem nenhuma propensão ao otimismo". Para Martins "tínhamos [no início do período de redemocratização] alguma certeza de que mudanças seriam viáveis, mas vivemos uma série de recuos", disse.
Para o economista Antonio de Correa Lacerda, também autor do livro, alguns desses recuos são as  reformas da Previdência e trabalhista. Para Correa, o Brasil vive um momento de desmonte do projeto de sociedade previsto na Constituição de 1988.
As reformas
As mudanças na regulamentação das relações de trabalho, já aprovadas pela câmara dos deputados e que seguem agora para deliberação do senado, são, no nosso entender, mais reveladoras do ranço antissocial que motiva a reação das elites do país à agenda inclusiva pactuada no período imediato da redemocratização. A pretexto de que se propõe modernizar as relações capital-trabalho para adequá-las aos novos tempos, a reforma trabalhista visou de fato fragilizar o lado já mais fraco da relação, para deleite pouco disfarçado das partes interessadas em que isso acontecesse.
Os setores que patrocinaram a reforma trabalhista intencionalmente também confundem a urgência de reduzir o excesso de burocracia e a insegurança jurídica reinantes, pleitos legítimos, com a motivação de rebaixar os salários e precarizar os vínculos trabalhistas. Em um momento de profunda recessão e de desespero da força de trabalho, sofismam que a redução dos direitos e flexibilização das regras concorreriam para gerar novos empregos. Da mesma forma, como sofismaram quando afirmaram que o afastamento da presidente Dilma Rousseff promoveria uma onda de confiança que teria o condão de deixar para trás o período de recessão.
Com a publicação da PNAD contínua de março ficamos sabendo que a ocupação continuou despencando no 1º trimestre de 2017 (ver Gráfico). Na comparação com o mesmo período de 2016, 1,7 milhão de pessoas perdeu a ocupação. Na comparação com o trimestre encerrada em dezembro, o contingente de pessoas ocupadas encolheu em 1,3 milhão e em dois anos de recessão (entre janeiro-março de 2017 e mesmo período de 2015), já são 3,1 milhões de ocupações a menos.




Fonte: IBGE.PNADc

Publicado no Jornal da Cidade, em 30/04/2017

domingo, 9 de abril de 2017

A questão social e industrial

Ricardo Lacerda
Durante muitas décadas ao longo do século XX o Brasil acalentou o projeto de estabelecer internamente uma estrutura industrial moderna e diversificada, a mais parecida possível com as existentes nos países de economia avançada.
O projeto industrialista, ainda que não fosse uma unanimidade entre economistas e outros especialistas de áreas afins, pois em geral confrontava as ideias consagradas nas teorias das vantagens comparativas do comércio internacional, ganhou forte adesão em parte expressiva dos países em desenvolvimento em todos os quadrantes, mas foi especialmente acalentado na América Latina.  
O projeto industrialista definitivamente não era uma jabuticaba, mais uma excentricidade tropical. Grandes nomes do pensamento econômico mundial do pós-guerra, muitos deles associados a iniciativas do Banco Mundial e demais agências multilaterais, propunham a industrialização como a estratégia mais eficaz para elevar a produtividade média da economia e para incorporar à economia de mercado um imenso contingente de força de trabalho que ainda se mantinha às margens dos benefícios do mundo moderno, auferindo parcos rendimentos em atividades de subsistências de baixíssima produtividade.
A própria ideia de construção da nação estava associada à formação de uma economia moderna que tivesse por base uma estrutura industrial diversificada e dinâmica. A expansão industrial não apenas propiciaria o crescimento do PIB como alavancaria a condição de vida da população e, em uma segunda etapa, caminharia em direção a internalização do progresso tecnológico.
Sustentava o projeto industrialista a priorização da acumulação de recursos para financiar a indústria moderna e a infraestrutura produtiva e urbana, geralmente a custa, no curto prazo, do acesso da população ao consumo e do desenvolvimento da atividade rural. Priorizava-se, pois, a acumulação comandada pela atividade urbano-industrial frente ao consumo imediato, com impactos importantes na concentração da renda interna.
Os limites do projeto industrialista
A implementação da estratégia de industrialização no Brasil nunca foi fácil. Além de confrontada pelas forças liberais, a estratégia industrialista muitas vezes foi atropelada pelo excesso de voluntarismo que recorrentemente redundava em crise no balanço de pagamentos e no descontrole de contas públicas.
Mesmo com todos os percalços, e foram muitos, a estratégia desenvolvimentista apoiada na industrialização logrou promover um crescimento médio de cerca de 7% ao ano nos três decênios que se seguiram à segunda guerra mundial e mudou radicalmente a estrutura produtiva do país.
Os limites do projeto desenvolvimentista de cunho industrialista tornaram-se patentes nos anos oitenta quando a crise do endividamento externo acompanhada pelo descontrole inflacionário retirou a autonomia dos países para conduzir suas próprias políticas de desenvolvimento.  Nos anos noventa, as mudanças na economia mundial, nos marcos do processo da abertura comercial e da globalização financeira, puseram de ponta a cabeça os projetos de desenvolvimento acalentados até então.
As mudanças na economia mundial coincidiram no tempo com um novo ciclo de redemocratização da América Latina. A priorização da formação de poupança para implementar o projeto industrialista, em geral focado na ampliação do mercado interno, foi substituída pela nova orientação de buscar a integração das economias nacionais às cadeias produtivas globais. Mas isso foi feito com um novo tipo de viés, que privilegiou o consumo e o capital financeiro frente à produção.
A desregulamentação financeira e os fluxos globais de capital, nas novas perspectivas, tonariam obsoletas as preocupações com a formação interna de capital, diante da ampla disponibilidade de recursos na economia mundial. Os projetos nacionais de desenvolvimento foram então rotulados de ultrapassados e geradores de rendas extraordinárias para grupos internos privilegiados, que auferiam os benefícios dos governos.
A busca da integração com a economia mundial veio acompanhada pela premência dos vários governos de plantão de utilizar a política cambial como instrumento de combate a inflação por meio do barateamento dos bens importados. O resultado sobre a estrutura industrial foi desastroso. Mesmo porque substituiu-se, daí por diante, a centralidade da atividade industrial para o desenvolvimento econômico pelo acesso ao capital financeiro internacional.
Recessão e aguçamento da crise industrial  
A indústria manufatureira que chegou a representar 33% do PIB brasileiro em meados dos anos oitenta encolheu para 16,8% da riqueza nacional em 1995.
Nos últimos vinte anos a questão industrial foi deixada de lado pelos governos liberais e nos governos ditos desenvolvimentistas ficou em segundo plano frente à premência de enfrentar as pressões inflacionárias adotando políticas cambiais desfavoráveis à atividade industrial. Liberais e desenvolvimentistas sacrificaram a atividade industrial e a acumulação em prol do consumo por meio de políticas cambiais populistas. Nesse quadro geral, as políticas de conteúdo nacional não eram mesmo sustentáveis, independentemente dos usos e abusos.
Com a crise recessiva dos últimos dois anos, que atingiu mais fortemente a atividade industrial, a participação da indústria de transformação no PIB caiu para meros 11,6% em 2016. A trajetória recente da indústria de transformação é a mostrada na linha pontilhada do gráfico. Mesmo que a atividade industrial venha a se estabilizar em 2017 e apresentar algum crescimento nos anos seguintes, a questão industrial no Brasil, sem trocadilho, vai continuar sendo encarada como preocupação secundária, sem perspectivas.


Fonte: IBGE. CNT

Publicado no Jornal da Cidade, em 09/04/2017

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A economia brasileira ainda não atingiu o fundo do poço

Ricardo Lacerda

Com um atraso pouco usual, o IBGE publicou na semana passada os resultados de janeiro do nível de atividade do varejo e do setor de serviços, o que permitiu que o Banco Central calculasse o seu índice de atividade econômica referente àquele mês.  O resultado mensal continuou muito ruim. Na comparação com dezembro, o Índice de Atividade do Banco Central (IBC-BR) recuou 0,26% em janeiro.
Se a atividade industrial dá indícios que já chegou ao fundo do poço, um buraco bem profundo convém lembrar, os níveis de atividade do varejo e das atividades de serviço continuam a declinar em ritmo acelerado.  Em janeiro, o volume de vendas no varejo registrou retração de 0,7% e o volume de serviços, de 2,2%. 
É possível inferir dos resultados dos últimos meses que os ganhos de confiança e a iniciativa concertada de disseminar otimismo após aprovação do teto do gasto federal e do início da tramitação no congresso das reformas trabalhista e previdenciária não se traduziram até o momento em impulso no nível de atividade econômica, nem mesmo lograram estabilizá-lo.
É como se a continuidade da queda do emprego e de outras formas de ocupação, a contração da massa de rendimentos e a restrição do acesso ao crédito, não somente o seu custo elevado, estabelecessem limites físicos por parte da demanda que restringem a retomada do crescimento.  Com a deterioração do mercado de trabalho ainda se dando em ritmo muito acentuado, crédito restrito e política fiscal pró-cíclica, ganhos de confiança e redução de juros podem ter eficácia limitada. A outra fonte potencial de impulso do nível de atividade, o retorno das concessões de infraestrutura, tampouco ganhou a velocidade esperada.
Isso não significa, todavia, que o nível de atividade nos próximos meses não deverá se estabilizar e passar a apresentar crescimento modesto, mas os resultados recentes revelam o quanto tem sido penosa a estabilização da economia.

Indicadores
A projeção de mercado mais recente (24 de março) é de que no 1º trimestre de 2017 o PIB estaria rodando 1% abaixo do mesmo período de 2016, depois de cair 2,5% no último trimestre, portanto um ritmo de queda inferior à metade do resultado anterior. Somente no terceiro trimestre de 2017 seria constatado crescimento nessa série que compara com igual período do ano anterior.
A evolução do ritmo queda do nível de atividade pode ser examinada também com base evolução do IBC-BR na série livre de efeitos sazonais, comparando com os trimestres imediatamente anteriores e com o trimestre móvel anterior, como apresentado no gráfico elaborado. A vantagem dessas séries é de mostrar a evolução do comportamento do indicador do nível de atividade na margem, em relação a um período anterior bem próximo, sem as desvantagens dos resultados mensais que são sujeitos a fortes flutuações. 
Nessa série livre de efeitos sazonais, o IBC-BR trimestral, depois de acentuar o ritmo de queda entre agosto em setembro do ano passado, passou a apresentar desaceleração muito suave nos resultados trimestrais seguintes (ver linha contínua). No trimestre encerrado em janeiro, o IBC-BR caiu 0,51% em relação ao trimestre anterior (agosto-outubro), mas trata-se ainda de uma intensidade de queda muito forte, acima de 2% em termos anualizados.
Na linha tracejada, que compara cada trimestre com o trimestre móvel imediatamente anterior, confirma-se o quanto está sendo penosa, com idas e voltas, a trajetória de estabilização da economia nos últimos meses. O IBC-BR do trimestre novembro de 2016 – janeiro de 2017 caiu 0,21% em relação ao trimestre outubro de 2016-dezembro de 2016, praticamente a mesma taxa de retração anterior nessa série, que já não melhora desde o trimestre encerrado e novembro.  

O setor de serviços tem apresentado uma evolução especialmente problemática, recuando em ritmo superior a 2% a cada trimestre.  De sua parte, a deterioração do mercado de trabalho também não mostra ainda sinais consistentes de arrefecimento. 

Fonte: Banco Central do Brasil


Publicado no Jornal da Cidade, em 02/04/2017