Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 26 de março de 2018

Os mecanismos de auto reforço voltam a operar contra o Nordeste

Ricardo Lacerda


A crise tem sido extremamente penosa para a região Nordeste. O impacto mais forte da crise econômica sobre o mercado de trabalho da região desdobra-se em várias implicações sociais e econômicas; entre as últimas cabe destacar a reversão de ganhos de participação que a região acumulou no mercado de consumo nacional durante o ciclo de crescimento e de inclusão social, entre 2004 e 2014.   
Considerando-se apenas as rendas de trabalho, sem contabilizar, portanto, as rendas de importantes transferências como as previdenciárias e as de assistência social, o Nordeste respondeu por mais de 70% das perdas nacionais da massa de rendimentos entre 2015 e 2017. Mesmo quando nesse último ano a massa de rendimentos voltou a crescer no Brasil, o aumento na região Nordeste foi mais lento do que em todas as demais regiões.
Nunca é demais lembrar que os mecanismos de auto reforço entre a variação na participação do tamanho de mercado e o ritmo comparativo de crescimento econômico das regiões operam nos dois sentidos, favorecendo a atração de investimentos para aquelas regiões em que o poder de compra cresce mais rápido, e com isso voltando a ampliar a participação no tamanho de mercado, e, inversamente, acentuando a retração absoluta ou relativa do tamanho de mercado naquelas regiões em que o poder de compra encolhe mais ou cresce mais lentamente; aparentemente, é isso que vem acontecendo nos últimos três anos nas regiões mais pobres do país.
A crise relativamente mais acentuada na construção civil regional, a paralisia dos investimentos em infraestrutura produtiva e social e os desinvestimentos das empresas estatais na região, a exemplo do que vem acontecendo no setor de petróleo e gás, leia-se Petrobras, são importantes fatores de declínio relativo e absoluto da região Nordeste nos últimos três anos.
Retardando a retomada
Em linhas gerais, em termos da evolução de massa de rendimentos do trabalho quatro são as características distintivas da região Nordeste: apresentou crescimento mais acelerado no período anterior à crise, pelo menos na média entre 2012 e 2014; demorou mais a inverter a trajetória de positiva para negativa do que a maioria das demais regiões; mas, quando a massa de rendimentos começou a cair a partir do final de 2015, o ritmo de queda foi muito mais acentuado no Nordeste do que em todas as demais regiões; e, finalmente, o Nordeste foi uma das regiões em que mais se retardou a retomada do incremento de renda e, quando o fez, se deu em um ritmo inferior ao das demais regiões. O Gráfico 1, que apresenta o índice de evolução da massa de rendimento na média móvel de quatro trimestres, retrata essas características distintivas.



Fonte: IBGE. PNADCT

Participações regionais

O Gráfico 2 apresenta as participações na massa de rendimentos do trabalho na média de quatro trimestres entre 2012 e 2017, com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua (PNADCT), do IBGE. Acompanhando o que se verificou a evolução relativa das ocupações nas regiões, a participação da massa de rendimento do Nordeste se ampliou entro 2012 e 2014, quando a economia, o emprego e os rendimentos cresciam no país. Na comparação entre as médias de quatro trimestres, a participação da região Nordeste na massa de rendimento real de todos os trabalhos habitualmente recebidos aumentou de 16,1%, em 2012, para 16,5%, em 2014. Ainda que a variação de participação possa parecer ter sido limitada no período, cabe assinalar que a região absorveu 23,2% do incremento real da massa de rendimento do país, participação substancialmente superior ao peso da região nessa variável.
Mais ampla, porém, foi a perda de participação da região nos anos de 2015 a 2017, quando retroagiu até atingir os 15,8%. A penúltima coluna do Gráfico 2 mostra que 73,9% da perda de massa de rendimentos nesse período se concentrou no Nordeste, enquanto as regiões Sudeste e Sul não apresentaram redução de massa de rendimentos de trabalho, nessa série que compara a média de quatro trimestres.

A última coluna mostra, por sua vez, que os incrementos da massa de rendimentos do trabalho que se verificaram em 2017 foram menos do que proporcional na região Nordeste e na região Sudeste, e mais acentuados nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul.
Ainda que o período de recuperação seja muito curto para confirmar uma nova tendência, a evolução recente do mercado de trabalho, muito especificamente os dados de ocupação e de massa de rendimento, sinaliza perspectiva problemática da retomada do crescimento no Brasil do ponto de vista regional.




Fonte: IBGE. PNADCT

segunda-feira, 19 de março de 2018

Ascensão e queda do Nordeste


Ricardo Lacerda
As regiões mais pobres do país, Nordeste e Norte, foram relativamente favorecidas no ciclo de crescimento e de inclusão social do período 2004-2014. Ainda que essas regiões tenham permanecido com os piores indicadores em praticamente todas as dimensões do desenvolvimento econômico e social, elas avançaram mais rapidamente do que as regiões mais ricas, Sudeste e Sul, estreitando mesmo que não muito o fosso entre elas. A isso a literatura do desenvolvimento chama de processo de convergência.
As principais forças motrizes das regiões mais pobres no período de crescimento estiveram associadas a ganhos de renda e, portanto, de poder de compra, que geraram efeitos cumulativos na medida em que atraíram investimentos de empresas de outras regiões para participar nos mercados que se expandiam mais rapidamente, no bojo daquilo que ficou conhecido como a ascensão da Classe C. O aumento real do salário mínimo no período potencializou os efeitos do incremento do emprego sobre a expansão do mercado regional. As políticas de transferências de renda foram um capítulo adicional, mais importantes para a inclusão social do que propriamente para a expansão da massa de rendimentos. 
Se o incremento das rendas das famílias foi o principal impulso do crescimento nas regiões mais pobres, não estiveram ausentes investimentos em infraestrutura produtiva, urbana e social, como os investimentos em complexos portuários, em recursos hídricos, nas redes federais de escolas técnicas, entre outros.
Como se sabe, o ciclo de crescimento econômico se exauriu em 2014, após a reversão do cenário internacional. A aterrisagem brasileira na recessão mundial, como se sabe, foi uma das mais devastadoras do mundo, em meio a um turbilhão político do qual ainda não conseguimos emergir.
Depois do crescimento pífio de 0,5%, em 2014, a economia brasileira amargou uma das piores recessões de sua história, com o PIB recuando 3,5% em 2015 e 2016, e apresentou um muito modesto crescimento em 2017, de 1%. A dinâmica do emprego seguiu a evolução do nível de atividade, mas com uma estendida defasagem temporal, registrando-se geração de emprego formal no setor privado de mais de um milhão de pessoas (na média de quatro trimestres), em 2014, quando a economia começava a submergir, e redução de 950 mil empregos formais no setor privado na comparação nos 4 trimestres de 2017 em relação a 2016, mesmo com o nível de atividade econômica em crescimento.
Impactos regionais da crise
Não há ainda avaliações conclusivas sobre os impactos regionais da crise econômica que se seguiu o ciclo expansivo, mas, sobretudo, os indicadores de ocupação, emprego e renda sinalizam que as regiões mais pobres foram afetadas mais do que proporcionalmente.
Desempenhos setoriais têm importante poder explicativo, com setores como agricultura (pela estiagem e pela crise do setor sucroalcooleiro) e construção civil, principalmente, apresentando comportamentos bastante distintos conforme as regiões, mas parece haver um padrão regional comum aos vários setores, tema ao qual voltaremos a tratar em artigo subsequente. Apenas para ilustrar, o emprego formal no comércio e no segmento de outros serviços apresentou retrações de maior intensidade no Nordeste do que na média do país e da maioria das regiões.
Emprego no setor privado
O gráfico a seguir mostra as participações das regiões no total de pessoal ocupado com carteira de trabalho no setor privado na média de quatro trimestres, com base nos dados da Pesquisa Anual de Amostra Domiciliar Contínua (PNADC), entre 2012 e 2017.  Até 2015, na média dos quatro trimestres, a região Nordeste aumentou ano a ano sua participação, passando de  16,1%, em 2012, para 17%, em 2015. A região ganhou peso no total nacional tanto nos anos em que o emprego no setor privado cresceu, até 2014, como em 2015, por conta de a retração do emprego regional ter sido inferior à média nacional.  Os desempenhos do Nordeste em 2016 e 2017, todavia, foram piores do que a média nacional, fazendo com que a participação no emprego formal no setor privado retornasse à porcentagem de 2012, ou seja, de 16,1%.
Ainda que as variações de participação do Nordeste no emprego formal privado não pareçam tão expressivas ao primeiro olhar, elas caracterizam sim um desempenho muito superior do emprego regional no 1º período e muito inferior, no segundo período, como veremos a seguir.
As duas colunas mais à direita no gráfico mostram o peso das regiões na variação do emprego formal privado entre 2012 e 2015 e entre esse último ano e 2017, com a observação que no primeiro período o pessoal ocupado com carteira de trabalho no  privado no Brasil aumentou em 1,4 milhão, e no segundo período verificou-se uma retração de 2,4 milhões, sempre na média de quatro trimestres. Pois bem, entre 2012 e 2015, a região Nordeste, que apresentava pouco mais de 16% do emprego formal privado, participou  com mais do que o dobro dos novos empregos, 37,1%, a maior participação entre todas as regiões brasileiras.
Inversamente, entre 2015 e 2017, a região Nordeste participou com 29,2% dos empregos formais privados que foram eliminados, muito mais do que o peso da região nesse tipo de ocupação. Note-se que apenas as regiões Nordeste e Norte apresentaram perdas de emprego formal privado superiores aos seus pesos nesse tipo de ocupação. Caso se considere que a comparação mais pertinente seria entre as médias de 2017 e 2014, por serem anos de retração, as conclusões não seria diferentes, mesmo considerando que nesse caso as desvantagens do Nordeste seriam um pouco menos pronunciadas. Há também sinais de que a economia do Nordeste (e do Sudeste também) está demorando mais a se recuperar do que a média nacional, enquanto as regiões Centro-Oeste e Sul apresentam desempenhos relativamente mais robustos.




Fonte: IBGE. PNADCT

segunda-feira, 12 de março de 2018

O emprego está demorando muito a retornar



Ricardo Lacerda
A retomada da economia brasileira tem sido lenta e atribulada. Além da instabilidade política interna, inclusive com impactos persistentes de setores atingidos pela operação Lava Jato, algumas turbulências no cenário internacional se apresentam como ameaças a um crescimento já bastante conturbado que, apesar de mostrar sinais de que está começando a engrenar, demora a atingir velocidade de cruzeiro.
Mais angustiante é que, mesmo com a economia em aceleração nos últimos meses, o emprego formal demora a retomar.
Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Empregados (CAGED), do Ministério do Trabalho, informaram a geração de 77.822 empregos celetistas em janeiro de 2018. O último saldo positivo de criação de emprego em janeiro havia sido em 2014. Se o resultado não chega a ser espetacular é um bom número para o mês. A marcha recente de geração de emprego tem sido lenta, insuficiente mesmo para absorver os jovens que ingressam no mercado de trabalho, sem considerar o amplo estoque de empregos perdidos nos três últimos anos.
Nos últimos doze meses foram acrescentados apenas 83.539 novos empregos formais, um incremento modesto para um país que perdeu 2,8 milhões de vínculos com carteira de trabalho desde janeiro de 2015. Na média dos setores, o estoque de empregados com vínculos celetistas registrou nos últimos doze meses o modesto incremento de 0,22%, frente a incremento do PIB superior a 1%. A demora do mercado de trabalho retomar o crescimento restringe a recuperação da economia brasileira. 
Em doze meses, as atividades de serviço e comércio geraram os maiores contingentes de novos empregos, seguidas pelo setor agropecuário e pela indústria de transformação. Mas a atividade da construção continuou desempregando (foram menos 90,6 mil empregos), ainda que o saldo da contratação de janeiro tenha sido positivo em cerca de 15 mil empregos.

Perdas acumuladas
O Gráfico a seguir mostra, segundo setor de atividade, o quanto ainda teremos o que caminhar para recuperar os empregos perdidos nos últimos três anos. Na comparação com janeiro de 2015, o estoque de emprego formal em janeiro de 2018 se situava 6,8% abaixo. Se as maiores retrações se verificavam nos 24 meses entre janeiro de 2015 e janeiro de 2017, quando o estoque de emprego recuou 7 pontos percentuais, a reposição de emprego nos últimos doze meses se limitou a 0,2%.
Coincidência ou não, a retrações mais abruptas no estoque de emprego formal se verificaram nos setores mais diretamente atingidos pela ação da operação Lava Jato, o setor extrativo mineral (que inclui a exploração de petróleo e gás) e o segmento da construção civil, esse último atropelado também pelos impactos do estouro da bolha imobiliária e pela crise fiscal que fez paralisar as obras públicas.
O estoque de emprego com carteira assinada na construção civil em janeiro de 2018 se situou 29,9% abaixo do existente em janeiro de 2015. O emprego na atividade extrativa mineral também sofreu forte retração e continua em forte retração nos últimos doze meses. No setor secundário, apenas o emprego na indústria de transformação parou de cair e sinaliza recuperação nos últimos meses.
A geração de emprego formal no setor terciário apresentou comportamento um pouco mais favorável, particularmente nas atividades de comércio e em alguns segmentos de serviços, especificamente nos subsetores de serviços técnicos e administrativos e no de saúde, mas o único setor de atividade em que o emprego formal em janeiro de 2018 era superior ao do mesmo mês de 2018 era a agropecuária.
Especialistas têm se mostrado relativamente otimistas em relação às perspectivas de geração de empregos formais ao longo de 2018, com as projeções variando entre 700 mil e um milhão de novas vagas, Já seria um bom começo, mas há ainda uma longa estrada para compensar as perdas acumuladas.

Gráfico: Índice de emprego formal nos meses de janeiro entre 2016 e 2018. (Janeiro de 2015=100)


Fonte. MTE. CAGED
Publicado no Jornal da Cidade, em 11 de março de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

Consumo e investimentos crescem e gastos do governo recuam

Ricardo Lacerda
A saída da economia brasileira do fundo do poço ao longo de 2017, depois de dois anos de retração no nível de atividade, tem sido arrastada e desbalanceada setorialmente. Do ponto de vista setorial, a supersafra agrícola resultou em incremento de 13% na produção do setor, recuperando com folga as perdas de 4,3% do ano anterior, causadas pelos efeitos da estiagem.
O setor industrial apresentou o mesmo volume de produto do ano anterior, ou seja, crescimento zero, resultante do saldo do incremento da indústria de transformação, da extrativa mineral e dos serviços industriais de utilidade pública e da queda acentuada da construção civil (5%). O setor de serviços apresentou crescimento residual, de 0,3%. O PIB fechou o ano de 2017 com expansão de 1%.
O incremento do PIB do 4º trimestre, na comparação com o 3º trimestre, ficou aquém do esperado, mas, quando são observadas em conjunto as evoluções dos componentes das despesas e dos produtos setoriais, há sinais robustos de que a economia deverá apresentar taxa de crescimento moderadamente elevada em 2018. Angustiante é a demora na recuperação do mercado de trabalho e o fato de que a retomada da construção civil ainda não surgiu no horizonte.
O Gráfico 1 mostra as taxas de crescimento do PIB trimestral dos setores e subsetores econômicos em relação aos mesmos trimestres do ano anterior, em que fica explícita a aceleração do crescimento na ampla maioria das atividades econômicas.
Com a exceção do setor agrícola, que teve um desempenho excepcional concentrado no 1º trimestre, os setores e subsetores de atividade econômica encerraram o 4º trimestre do ano com as taxas de crescimento em aceleração ou atenuando o ritmo de queda, como é o caso da atividade da construção civil.

Fonte: IBGE. CNT

Dispêndio
Do ponto de vista do dispêndio, ainda que as exportações tenham sido importantes no crescimento econômico, a demanda doméstica apresentou maior relevância, particularmente os gastos das famílias com consumo.
Como apresentado no Gráfico 2, a taxa de crescimento do consumo das famílias, na série que compara com os mesmos trimestres do ano anterior, manteve-se em aceleração ao longo do ano, ainda que os ganhos de aceleração tenham se atenuado na passagem do 3º para o 4º trimestre, o que gerou alguma apreensão no sentido de que o estímulo do consumo poderia ter se exaurido.  Ao finalizar 2017, o consumo trimestral das famílias estava rodando em um patamar 2,6% superior ao mesmo período do ano anterior.
Ainda que bem menos importante no resultado do PIB do que o incremento do consumo, o desempenho dos investimentos foi mais impressivo. Depois de apresentar catorze taxas negativas na comparação com os mesmos trimestre do ano anterior, a Formação Bruta de capital Fixo (FBCF) voltou a apresentar incremento no 4º trimestre de 2017, nessa série.
Mesmo com a FBCF se situando em patamar extremamente baixo e ainda registrando queda no resultado anual, há sinais de que os investimentos na aquisição de máquinas, equipamentos e veículos estão sendo retomados a fim de atender necessidades setoriais, como respostas ao incremento do consumo.  Com isso, a Formação Bruta de Capital Fixo deverá apresentar crescimento em 2018, depois de quatro anos de retração. A outra perna da FBCF, os investimentos imobiliários e em obras públicas permaneceram em retração em 2017.
Finalmente, cabe examinar o comportamento do consumo do governo. Como mostrado no Gráfico 2, esse componente manteve-se deprimido ao longo de todo o ano. Diante das regras estabelecidas pela Lei do Teto de Gastos,  os dispêndios do governo central deverão ficar congelados por um longo período, o que significa que esse componente do dispêndio deverá continuar puxando para baixo a taxa de crescimento do PIB.
Do ponto de vista dos componentes da demanda agregada, a retomada FBCF é fundamental para acelerar crescimento do PIB em 2018, somando-se ao componente de consumo das famílias, dado que o saldo das vendas de bens e serviços com o exterior e os gastos do governo não deverão apresentar contribuição positiva no período. 



Fonte: IBGE. CNT