Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 29 de dezembro de 2013

Cinco anos depois


Ricardo Lacerda

Em setembro último completaram-se cinco anos da quebra do banco Lehman Brothers, episódio que marcou o início da crise financeira internacional que se desdobra até os dias de hoje. Ainda que o epicentro da crise tenha sido nos países de economias avançadas, canais de transmissão se encarregaram de contaminar o conjunto da economia mundial.

 

Em graus diferentes entre si, as economias dos países ditos emergentes ressentem-se atualmente da desaceleração de suas taxas de crescimento e dos desequilíbrios em suas transações externas e/ou em suas contas públicas.


A economia brasileira que experimentara entre 2003 e 2008 taxa anual média de crescimento do PIB de 4,8%, no mais robusto ciclo expansivo desde os anos oitenta, desacelerou o seu ritmo de expansão no quinquênio seguinte para quase a metade, 2,6% ao ano (entre 2009 e 2013), caso se confirme o crescimento de 2,3% em 2013.

Ao final de 2013, não há ainda perspectivas muito claras de retomada de crescimento no conjunto das economias centrais, mesmo considerando a melhoria continua da situação econômica nos Estados Unidos. É com esse cenário externo que a economia brasileira vai se defrontar em 2014.


Resposta brasileira

O Brasil procurou responder à deterioração das condições externas no pós-2008 por meio da ampliação do mercado doméstico, estimulado pela expansão do emprego e do crédito e pelos incentivos ao consumo, com resultados bastante favoráveis no primeiro momento da crise. Quando o cenário externo voltou a se agravar em meados de 2011, ficou patenteado que a sustentação da retomada do crescimento iria se tornar crescentemente mais difícil. Tratava-se, então, não apenas de assegurar o fluxo de crédito e estimular a demanda interna por consumo, mas de criar as condições para um novo ciclo de investimentos que abrisse nova frente de expansão produtiva.

Em resposta ao acelerado agravamento do cenário externo, o governo brasileiro promoveu uma política monetária fortemente expansiva, enquanto adotava medidas visando estimular a expansão da oferta: buscou estimular o investimento por meio de medidas como a desoneração da folha de pagamento, redução da tarifa da energia elétrica, elevação do grau de proteção no mercado interno, expansão do crédito subsidiado, enquanto promovia uma desvalorização cambial expressiva, de cerca de 30% na paridade em relação ao dólar, entre julho de 2011 e julho de 2012.

As medidas adotadas serviram para evitar que a economia brasileira mergulhasse em recessão aberta, mas não tiveram forças para restabelecer condições mais sustentáveis de retomada do investimento e produziram alguns efeitos colaterais importantes, diante da reação do empresariado ao aprofundamento da intervenção do governo no domínio econômico. A frustração da retomada da atividade econômica em níveis mais acentuados, por sua vez, aliada aos incentivos fiscais e creditícios, resultava em piora na situação das finanças públicas, gerando desconfianças adicionais.
Frente à debilidade da resposta do lado da oferta, o crescimento modesto alcançado depois que a situação externa se tornou adversa em 2008 foi financiado, em grande parte, pelos crescentes déficits no saldo de transações correntes.

Já em meados de 2013, frente à pressão do mercado, o governo recua na política de juros baixos, em algumas das medidas de estímulos discricionárias e nas regras de concessões, como prêmio a ser pago em busca da retomada da confiança.


A indústria

Um ponto crucial nas dificuldades em retomar o crescimento em base sustentável se situa na rápida perda de competitividade da atividade industrial no pós-2008.

No período inicial do ciclo expansivo, entre 2004 e 2006, o PIB da indústria de transformação cresceu, na média, ligeiramente acima do PIB total da economia brasileira (ver linha continua simples no gráfico). A partir de 2007, diante da acentuada valorização do câmbio, combinada com o forte incremento do poder de compra interno, a atividade industrial passa a crescer a taxas menores do que as do PIB, mas ainda mantém taxas de incremento não muito distantes da média da economia.

Depois do espocar da crise financeira internacional ao final de 2008, a atividade da indústria de transformação brasileira andou literalmente de lado, descontando o vale de 2009 e a recuperação em 2010, que se anulam (ver Gráfico). É, assim, fato que os problemas de competitividade da indústria de transformação assumem nova dimensão a partir do final de 2008.

Nova dinâmica

No pós-2008, estabelece-se uma nova dinâmica setorial. As atividades voltadas para o mercado interno, como o setor de serviços e a construção civil, puxaram para cima o ritmo de crescimento do PIB enquanto aquelas que produzem bens comercializáveis, sujeitos à concorrência nos mercados interno e externo, como a atividade industrial e o setor agropecuário, puxam a expansão do PIB para baixo.

É difícil atribuir quanto da perda de competitividade da atividade industrial brasileira no pós-2008 decorre da piora de alguns dos seus principais mercados externos, como a Argentina e a Europa, e quanto pode ser de responsabilidade de fatores internos, como o aumento do custo do trabalho medido em uma cesta de moeda e estrangulamentos na infraestrutura.

É razoável, todavia, concluir que sem um esforço direcionado para aumentar a competitividade do setor, em que a taxa de câmbio é um fator decisivo, não há como pensar em retomada sustentável do crescimento econômico.



Fonte: IBGE. Contas Nacionais Trimestrais. Série encadeada a preços de 1995.

Publicado no Jornal da Cidade, em 29/12/2013

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A economia brasileira em 2013- Parte 2


Ricardo Lacerda

A economia brasileira vai encerrar o ano de 2013 com um pouco mais de um milhão de novos empregos com carteira assinada. A taxa de desocupação nas regiões metropolitanas atingiu 4,6% em novembro, a mais baixa na nova série histórica iniciada em 2002. Os rendimentos reais dos trabalhadores continuam crescendo e a massa de rendimento real habitual dos ocupados cresceu 2,3%, em relação a novembro do ano passado, ainda que o total de pessoas ocupadas, na soma dos mercados formal e informal, tenha parado de crescer.

Alguns indicadores macroeconômicos, todavia, sinalizam dificuldades em retomar o crescimento econômico em um ritmo mais robusto de forma sustentável. O Banco Central publicou na semana passada o Relatório da Inflação de dezembro de 2013. Trata-se de um uma publicação trimestral do Comitê de Política Monetária (Copom) criada em 1999 para acompanhar o desempenho do regime de metas de inflação. O relatório visa explicitar para o mercado e para especialistas o cenário internacional e nacional considerado pelo Copom nas suas decisões referentes à condução da política monetária, mais especificamente, em suas decisões em relação às taxas básicas de juros da economia. O relatório poder ser acessado no link http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2013/12/ri201312P.pdf .

2013

O relatório de dezembro reviu para baixo a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2013 do relatório anterior, de setembro, de 2,5% para 2,3%.  É importante registrar que em 2012 o crescimento do PIB se limitou a 1% e que, portanto, a economia em 2013 deve apresentar uma recuperação moderada e abrangente do nível de atividade, ainda que em patamar abaixo do que se esperava quando o ano começou.

A evolução mais favorável é o do setor agropecuário que reverterá o resultado negativo do ano anterior (-2,1%), com projeção de 7,5% em 2013 que, caso confirmada, será o mais elevado resultado anual da série histórica iniciada em 1996. O crescimento setor industrial para 2013 está projetado para 1,3%, frente à redução de 0,8% em 2012.  

A indústria de transformação vai deixar para trás uma queda de 2,4% em 2012 para crescer 1,4%, em 2014. Ainda assim, deverá terminar o ano com o mesmo nível de produção de 2008, indicando o grau de dificuldade que o setor vem enfrentando desde o início da crise financeira internacional. Para se ter uma ideia de que como a crise internacional impactou a nossa indústria de transformação é suficiente observar que o índice de produção física acumulado em doze meses em setembro de 2008 é ainda ligeiramente superior ao de outubro de 2013.

O setor de serviços deve praticamente repetir em 2013 a taxa de crescimento do ano anterior, 2,0% e 1,9%, respectivamente, com a particularidade de que o comércio e o setor financeiro ganharam algum fôlego e o setor governo deverá crescer menos do que no ano anterior.  

O setor externo, abrangendo as exportações e importações de bens e serviços, teve um desempenho muito desfavorável em 2013, de tal forma que o vazamento adicional de demanda nas relações externas correspondeu à perda de 1% no crescimento do PIB.

Em relação à evolução dos preços, o relatório trimestral projeta o fechamento do ano com o IPCA atingindo 5,8%, mesmo resultado do ano anterior. O aspecto positivo é de que o IPCA acumulado em doze meses vem caindo desde o início do segundo semestre, mas a custa principalmente da compressão dos preços administrados pelo governo. Os preços livres, sejam de produtos comercializáveis (que sofrem competição com os importados) quanto de não comercializáveis, apesar de virem desacelerando, se mantêm em patamar de muito elevado.

A deterioração do setor externo foi acelerada. A balança comercial deverá fechar o ano com superávit de apenas US$ 2 bilhões, frente aos US$ 19 bilhões de 2012, e a conta de transações correntes deverá saltar de um déficit de US$ 54,2 bilhões, em 2012, para um déficit projetado de US$ 79 bilhões em 2013 (ver Quadro). É possível concluir que os indicadores do crescimento, inflação e relações externas apontam que a retomada na taxa do crescimento do PIB em 2013 teve impacto não desprezível na evolução dos preços e custo exacerbado nas relações externas.

2014

Como alguns especialistas têm sublinhado, o desempenho da economia brasileira em 2014 não está dado. As projeções do relatório trimestral do BC são de que o PIB deverá estar crescendo 2,3% ao ano ao final do 3º trimestre de 2014, com a indústria de transformação andando de lado nesse período e a atividade comercial apresentando alguma aceleração do crescimento. Os comportamentos do IPCA e dos indicadores externos manteriam o padrão de 2013.

Os indicadores macroeconômicos mostram que algumas tensões e desequilíbrios vêm se acumulando na economia brasileira, refletindo a dificuldade de o país retomar taxas de crescimento mais altas de forma sustentável, quando o cenário externo se mantem ainda muito desfavorável.


Quadro. Indicadores macroeconômicos
Indicadores
2012
2013*
2014*
Crescimento do PIB
1,0%
2,3%
2,3%**
IPCA
5,8%
5,8
5,6%
Balança Comercial (em US$ bilhões)
19,4
2,0
10,0
Saldo em Transações Correntes (em US$ bilhões)
-54,2
- 79
-78
Investimento Direto Estrangeiro (em US$ bilhões)
65,3
63
63
Fonte: IBGE (PIB e IPCA) e Banco Central (relações externas).
Obs* As projeções para 2013 e 2014 são do Relatório da Inflação de dezembro de 2013 do Banco central.
** A projeção do PIB de 2014 refere-se ao acumulado de quatro trimestres no terceiro trimestre de 2014.


Publicado no Jornal da Cidade, em 22/11/2013

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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A economia brasileira em 2013

Ricardo Lacerda


O Brasil vai encerrar o ano de 2013 com crescimento modesto e alguns desajustes na economia.  O PIB brasileiro deverá crescer a uma taxa próxima de 2,5%. No início de janeiro, a expectativa de mercado era de que a expansão do PIB alcançasse 3,3%, deixando para trás o período de baixo crescimento iniciado em 2011. Em 2012, o PIB cresceu 1%, no resultado revisto recentemente e, em 2011, 2,7%.

É notória a dificuldade do país retomar o ritmo de crescimento econômico. Na semana passada o ministro da fazenda Guido Mantega apontou os dois fatores que para ele explicariam as dificuldade atuais, apesar de todas medidas de estímulo adotadas,"a economia brasileira está crescendo com duas pernas mancas: de um lado, o financiamento ao consumo, que está escasso, e, de outro lado, a crise internacional, que nos rouba uma parte da nossa possibilidade de crescimento".  

O PIB

A trajetória recente do PIB reflete a dificuldade de manter taxas de crescimento robustas em um cenário internacional muito adverso. No Gráfico apresentado, a linha que mostra a evolução da taxa de crescimento do PIB acumulado em quatro trimestres, em relação aos quatro trimestres anteriores, desenha uma desaceleração com declive mais acentuado entre o primeiro e o último trimestre de 2011 e uma progressiva atenuação da desaceleração a partir do inicio de 2012. No último trimestre de 2012, tem início uma recuperação muito suave, que permanece de forma consistente, nessa série, até o terceiro trimestre de 2013 e deverá assim se manter nesse final de ano, talvez com uma retomada ainda um pouco mais suave, se de fato fechar o período com crescimento de 2,5%.

A linha que representa a taxa de crescimento em relação ao mesmo trimestre do ano anterior capta o mau desempenho do terceiro trimestre de 2013, que se refletiu na queda de 0,5% do PIB em relação ao trimestre imediatamente anterior na série livre de efeitos sazonais (não apresentada).


Fonte: IBGE.

Dinâmica setorial

Em termos setoriais, a falta de competitividade do setor industrial é a questão central. Não há como retomar taxas de crescimento mais significativas no PIB enquanto a atividade industrial continuar se arrastando. Do ponto de vista das relações externas do país, não é sustentável um crescimento apoiado apenas nos setores agropecuário e de serviços.

Os problemas de competitividade são de duas ordens: de produtividade, abrangendo os aspectos da oferta, como estrangulamento da infraestrutura, defasagem tecnológica do parque industrial, de fragilidade dos grupos empresariais e de regulação inadequada dos mercados, e aspectos relacionados a preço, decorrentes do patamar câmbio e das mudanças recentes no custo do trabalho.

Em termos dos componentes da demanda, o quadro é de acúmulos de dificuldades: enquanto o consumo das famílias vem desacelerando, as exportações perderam fôlego e as importações de bens e serviços explodiram.

Inversão

O ano de 2013 marca também uma inversão importante na política econômica. No inicio do ano havia a expectativa de que a economia brasileira retomasse um patamar mais elevado de crescimento, impulsionada pela desvalorização do câmbio, pela redução dos juros e pelos estímulos direcionados ao consumo e aos investimentos em setores específicos. Como em episódios anteriores de nossa história econômica, ficou provada a dificuldade de navegar contra maré, ou seja, manter taxas de crescimento robustas em situações de cenários externos muito desfavoráveis. As medidas adotadas não alcançaram os resultados na magnitude desejada e deixaram seqüelas nas contas públicas e no comportamento dos preços e não se mostraram eficazes para reverter a deterioração nas contas externas. 

O governo fez uma aposta quando adotou medidas heterodoxas para se contrapor ao agravamento do cenário externo em meados de 2011 com medidas fiscais e monetárias expansivas e perdeu. O PIB não retomou no ritmo esperado e os impactos positivos sobre finanças públicas que acompanhariam uma recuperação mais vigorosa não aconteceram. Entendeu mais recentemente que não tinha mais fôlego para dobrar a aposta, e recuou.

Em 2014, mesmo sendo ano eleitoral, vai navegar com cautela, na expectativa que os trunfos acumulados nos anos favoráveis, expressos no colchão de reservas externas e no nível de ocupação no mercado de trabalho, produzam um ano aceitável, aguardando melhores ventos no cenário externo e que o êxito no plano de concessão em infraestrutura viária ajude a deslanchar os investimentos e eleve o grau de confiança no meio empresarial.


Publicado no Jornal da Cidade em 15 de dezembro de 2013

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