Ricardo Lacerda
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, em entrevista na Folha de
São Paulo na última segunda-feira, declarou ser preciso flexibilizar direitos
sociais para haver emprego.
Além do inusitado da situação, de um
presidente do TST defender a retirada de direitos da classe trabalhadora, a
posição do ministro é questionável também do ponto de vista do seu fundamento,
ou seja, de que a retirada de direitos tenha efeitos positivos sobre a geração
de emprego, uma relação no mínimo controversa na teoria econômica.
A entrevista do Ministro antecedeu em uma
semana a entrada em vigor da reforma trabalhista que “flexibilizou” direitos da
classe trabalhadora, repassando para o âmbito da negociação contratual diversos
dispositivos que atualmente são estabelecidos em lei.
Não detendo expertise no tema, o Ministro
comprou, pelo preço que quis comprar, teses econômicas que respaldam a ideia
intuitiva de que a redução dos custos da força de trabalho, coeteris paribus
(tudo o mais permanecendo constante), como se diz nas aulas de introdução à
economia, estimularia as empresas a aumentar a contratação de empregados.
Mas essa
relação não é tão óbvia como faz acreditar o Ministro e repetem incansavelmente
a mídia e os economistas alinhados. E,
sobretudo, ela não é neutra em termos dos efeitos sobre a repartição da riqueza
nacional entre os vários segmentos da população.
Experiência europeia
Espanha, Grécia e outros países da Europa
mediterrânea passaram por processos recentes de “flexibilização” das regras
trabalhistas na sequência da eclosão da crise financeira internacional no
continente sob patrocínio da tríade composta pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE). O mundo acompanhou
estarrecido a agonia e as ameaças explícitas para que os países debilitados
economicamente se ajustassem ao preconizado por aqueles organismos
internacionais.
Passados alguns anos do pico da longa e
arrastada crise no continente europeu, os efeitos da flexibilização das
relações de trabalho não podem ser exatamente comemorados, abrindo-se intenso
debate sobre os baixos rendimentos dos novos empregos e sobre as consequências
do alargamento das desigualdades de renda e da redução da coesão social.
Precarização do trabalho
O Fundo Monetário Internacional tem
recomendado firmemente a flexibilização das relações de trabalho nos países ditos
em desenvolvimento que sofreram fortes reveses quando o ciclo de valorização de
commodities chegou ao fim, incluindo o Brasil. Mas não se pode dizer também que
o FMI seja exatamente neutro em termos de repartição dos custos do ajuste na
economia brasileira.
Instituições como a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) têm denunciado que a reforma trabalhista imposta a toque de
caixa no Brasil, aproveitando-se de um momento de perplexidade provocada pela
crise político-institucional, viola convenções internacionais e promovem
rebaixamento de direitos.
A geração de emprego
Além dos aspectos distributivos envolvidos em
uma reforma desenhada para favorecer o lado mais forte da relação contratual,
não é incontroverso que a redução dos “direitos sociais”, como involuntariamente
reconheceu o ministro sob o propósito da reforma trabalhista, impulsione a
geração de emprego.
Sem controvérsia na teoria econômica,
certamente, é a relação direta entre o crescimento da atividade econômica e a
geração de emprego, nessa direção funcional. Sem crescimento econômico é
improvável a geração de mais empregos.
Portanto, a validade da tese enunciada pelo
Ministro dependeria da comprovação de que a redução do custo do trabalho tenha
impacto direto, ou mesmo indireto, sobre o crescimento econômico. Posto que o
Ministro não demonstrou preocupação com fato de a reforma trabalhista ser
socialmente injusta, vamos ao ponto da relação entre o custo do trabalho e a
geração de emprego. A polêmica não é recente.
Nos acirrados debates dos anos trinta do
século passado não faltaram propostas de redução salarial com o fito de animar as
economias dos países ricos imersas na grande depressão mundial. Keynes se opôs
frontalmente a esse enfoque e afirmou que, além de humilhante para a classe trabalhadora,
a redução dos salários seria ineficaz para ativar a atividade econômica, que
dependeria do fortalecimento da demanda que se encontrava anêmica.
Não é certamente por conta dos custos do
trabalho e do “excesso” de direitos sociais que a economia brasileira se encontra
prostrada, rodando em um patamar muito abaixo do produto potencial.
É sempre possível argumentar a favor dos supostos
benefícios que a flexibilização nas relações trabalhistas poderia gerar em um
cenário de transformações tecnológicas e institucionais na economia mundial, ou
ainda que a reforma trabalhista concorreria para reduzir o custo unitário do
trabalho, elevando a competitividade de nossa economia. Mas sabemos que não é
exatamente disso, ou principalmente disso, que se está tratando.
A competitividade da economia brasileira não
pode depender da fragilização no estado de bem estar social ainda muito incompleto.
E a precarização das relações de trabalho é peça basilar de uma alternativa
socialmente muito ruim que se desenha para o Brasil.
Publicado no Jornal da Cidade, em 12/11/2017
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