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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A questão do emprego e a reforma trabalhista

Ricardo Lacerda
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, em entrevista na Folha de São Paulo na última segunda-feira, declarou ser preciso flexibilizar direitos sociais para haver emprego.
Além do inusitado da situação, de um presidente do TST defender a retirada de direitos da classe trabalhadora, a posição do ministro é questionável também do ponto de vista do seu fundamento, ou seja, de que a retirada de direitos tenha efeitos positivos sobre a geração de emprego, uma relação no mínimo controversa na teoria econômica.
A entrevista do Ministro antecedeu em uma semana a entrada em vigor da reforma trabalhista que “flexibilizou” direitos da classe trabalhadora, repassando para o âmbito da negociação contratual diversos dispositivos que atualmente são estabelecidos em lei.
Não detendo expertise no tema, o Ministro comprou, pelo preço que quis comprar, teses econômicas que respaldam a ideia intuitiva de que a redução dos custos da força de trabalho, coeteris paribus (tudo o mais permanecendo constante), como se diz nas aulas de introdução à economia, estimularia as empresas a aumentar a contratação de empregados.
Mas essa relação não é tão óbvia como faz acreditar o Ministro e repetem incansavelmente a mídia e os economistas alinhados.  E, sobretudo, ela não é neutra em termos dos efeitos sobre a repartição da riqueza nacional entre os vários segmentos da população.
Experiência europeia
Espanha, Grécia e outros países da Europa mediterrânea passaram por processos recentes de “flexibilização” das regras trabalhistas na sequência da eclosão da crise financeira internacional no continente sob patrocínio da tríade composta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE). O mundo acompanhou estarrecido a agonia e as ameaças explícitas para que os países debilitados economicamente se ajustassem ao preconizado por aqueles organismos internacionais.
Passados alguns anos do pico da longa e arrastada crise no continente europeu, os efeitos da flexibilização das relações de trabalho não podem ser exatamente comemorados, abrindo-se intenso debate sobre os baixos rendimentos dos novos empregos e sobre as consequências do alargamento das desigualdades de renda e da redução da coesão social.
Precarização do trabalho
O Fundo Monetário Internacional tem recomendado firmemente a flexibilização das relações de trabalho nos países ditos em desenvolvimento que sofreram fortes reveses quando o ciclo de valorização de commodities chegou ao fim, incluindo o Brasil. Mas não se pode dizer também que o FMI seja exatamente neutro em termos de repartição dos custos do ajuste na economia brasileira.
Instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm denunciado que a reforma trabalhista imposta a toque de caixa no Brasil, aproveitando-se de um momento de perplexidade provocada pela crise político-institucional, viola convenções internacionais e promovem rebaixamento de direitos.
A geração de emprego
Além dos aspectos distributivos envolvidos em uma reforma desenhada para favorecer o lado mais forte da relação contratual, não é incontroverso que a redução dos “direitos sociais”, como involuntariamente reconheceu o ministro sob o propósito da reforma trabalhista, impulsione a geração de emprego.
Sem controvérsia na teoria econômica, certamente, é a relação direta entre o crescimento da atividade econômica e a geração de emprego, nessa direção funcional. Sem crescimento econômico é improvável a geração de mais empregos.
Portanto, a validade da tese enunciada pelo Ministro dependeria da comprovação de que a redução do custo do trabalho tenha impacto direto, ou mesmo indireto, sobre o crescimento econômico. Posto que o Ministro não demonstrou preocupação com fato de a reforma trabalhista ser socialmente injusta, vamos ao ponto da relação entre o custo do trabalho e a geração de emprego. A polêmica não é recente.
Nos acirrados debates dos anos trinta do século passado não faltaram propostas de redução salarial com o fito de animar as economias dos países ricos imersas na grande depressão mundial. Keynes se opôs frontalmente a esse enfoque e afirmou que, além de humilhante para a classe trabalhadora, a redução dos salários seria ineficaz para ativar a atividade econômica, que dependeria do fortalecimento da demanda que se encontrava anêmica.
Não é certamente por conta dos custos do trabalho e do “excesso” de direitos sociais que a economia brasileira se encontra prostrada, rodando em um patamar muito abaixo do produto potencial.
É sempre possível argumentar a favor dos supostos benefícios que a flexibilização nas relações trabalhistas poderia gerar em um cenário de transformações tecnológicas e institucionais na economia mundial, ou ainda que a reforma trabalhista concorreria para reduzir o custo unitário do trabalho, elevando a competitividade de nossa economia. Mas sabemos que não é exatamente disso, ou principalmente disso, que se está tratando.

A competitividade da economia brasileira não pode depender da fragilização no estado de bem estar social ainda muito incompleto. E a precarização das relações de trabalho é peça basilar de uma alternativa socialmente muito ruim que se desenha para o Brasil. 

Publicado no Jornal da Cidade, em 12/11/2017

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