Ricardo Lacerda
Durante muitas décadas ao longo do século XX
o Brasil acalentou o projeto de estabelecer internamente uma estrutura
industrial moderna e diversificada, a mais parecida possível com as existentes
nos países de economia avançada.
O projeto industrialista, ainda que não fosse
uma unanimidade entre economistas e outros especialistas de áreas afins, pois em
geral confrontava as ideias consagradas nas teorias das vantagens comparativas
do comércio internacional, ganhou forte adesão em parte expressiva dos países
em desenvolvimento em todos os quadrantes, mas foi especialmente acalentado na
América Latina.
O projeto industrialista definitivamente não
era uma jabuticaba, mais uma excentricidade tropical. Grandes nomes do
pensamento econômico mundial do pós-guerra, muitos deles associados a
iniciativas do Banco Mundial e demais agências multilaterais, propunham a
industrialização como a estratégia mais eficaz para elevar a produtividade
média da economia e para incorporar à economia de mercado um imenso contingente
de força de trabalho que ainda se mantinha às margens dos benefícios do mundo
moderno, auferindo parcos rendimentos em atividades de subsistências de
baixíssima produtividade.
A própria ideia de construção da nação estava
associada à formação de uma economia moderna que tivesse por base uma estrutura
industrial diversificada e dinâmica. A expansão industrial não apenas
propiciaria o crescimento do PIB como alavancaria a condição de vida da
população e, em uma segunda etapa, caminharia em direção a internalização do
progresso tecnológico.
Sustentava o projeto industrialista a
priorização da acumulação de recursos para financiar a indústria moderna e a
infraestrutura produtiva e urbana, geralmente a custa, no curto prazo, do
acesso da população ao consumo e do desenvolvimento da atividade rural.
Priorizava-se, pois, a acumulação comandada pela atividade urbano-industrial
frente ao consumo imediato, com impactos importantes na concentração da renda interna.
Os limites do projeto industrialista
A implementação da estratégia de
industrialização no Brasil nunca foi fácil. Além de confrontada pelas forças
liberais, a estratégia industrialista muitas vezes foi atropelada pelo excesso
de voluntarismo que recorrentemente redundava em crise no balanço de pagamentos
e no descontrole de contas públicas.
Mesmo com todos os percalços, e foram muitos,
a estratégia desenvolvimentista apoiada na industrialização logrou promover um
crescimento médio de cerca de 7% ao ano nos três decênios que se seguiram à
segunda guerra mundial e mudou radicalmente a estrutura produtiva do país.
Os limites do projeto desenvolvimentista de
cunho industrialista tornaram-se patentes nos anos oitenta quando a crise do
endividamento externo acompanhada pelo descontrole inflacionário retirou a
autonomia dos países para conduzir suas próprias políticas de
desenvolvimento. Nos anos noventa, as mudanças
na economia mundial, nos marcos do processo da abertura comercial e da
globalização financeira, puseram de ponta a cabeça os projetos de
desenvolvimento acalentados até então.
As mudanças na economia mundial coincidiram
no tempo com um novo ciclo de redemocratização da América Latina. A priorização
da formação de poupança para implementar o projeto industrialista, em geral
focado na ampliação do mercado interno, foi substituída pela nova orientação de
buscar a integração das economias nacionais às cadeias produtivas globais. Mas
isso foi feito com um novo tipo de viés, que privilegiou o consumo e o capital
financeiro frente à produção.
A desregulamentação financeira e os fluxos
globais de capital, nas novas perspectivas, tonariam obsoletas as preocupações
com a formação interna de capital, diante da ampla disponibilidade de recursos
na economia mundial. Os projetos nacionais de desenvolvimento foram então
rotulados de ultrapassados e geradores de rendas extraordinárias para grupos
internos privilegiados, que auferiam os benefícios dos governos.
A busca da integração com a economia mundial
veio acompanhada pela premência dos vários governos de plantão de utilizar a
política cambial como instrumento de combate a inflação por meio do
barateamento dos bens importados. O resultado sobre a estrutura industrial foi
desastroso. Mesmo porque substituiu-se, daí por diante, a centralidade da
atividade industrial para o desenvolvimento econômico pelo acesso ao capital
financeiro internacional.
Recessão e aguçamento da crise industrial
A indústria manufatureira que chegou a
representar 33% do PIB brasileiro em meados dos anos oitenta encolheu para
16,8% da riqueza nacional em 1995.
Nos últimos vinte anos a questão industrial
foi deixada de lado pelos governos liberais e nos governos ditos
desenvolvimentistas ficou em segundo plano frente à premência de enfrentar as
pressões inflacionárias adotando políticas cambiais desfavoráveis à atividade
industrial. Liberais e desenvolvimentistas sacrificaram a atividade industrial
e a acumulação em prol do consumo por meio de políticas cambiais populistas.
Nesse quadro geral, as políticas de conteúdo nacional não eram mesmo sustentáveis,
independentemente dos usos e abusos.
Com a crise recessiva dos últimos dois anos,
que atingiu mais fortemente a atividade industrial, a participação da indústria
de transformação no PIB caiu para meros 11,6% em 2016. A trajetória recente da
indústria de transformação é a mostrada na linha pontilhada do gráfico. Mesmo
que a atividade industrial venha a se estabilizar em 2017 e apresentar algum
crescimento nos anos seguintes, a questão industrial no Brasil, sem trocadilho,
vai continuar sendo encarada como preocupação secundária, sem perspectivas.
Fonte: IBGE. CNT
Publicado no Jornal da Cidade, em 09/04/2017
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