Ricardo Lacerda
A sociedade brasileira
assiste bestificada nesse início de ano a tramitação acelerada no congresso
nacional de um conjunto de mudanças nas legislações trabalhista e
previdenciária que desconstrói parcela importante do projeto de país consagrado na
constituição de 1988, a chamada constituição cidadã.
De chofre, o governo instituído
há menos de um ano atropela ritos e direitos para entregar aos reais promotores
da ruptura da normalidade democrática os resultados pelos quais o golpe
parlamentar foi executado.
Intencionalmente, os
setores que promovem as reformas antipopulares que corroem os direitos da
cidadania confundem a urgência de enfrentar os desequilíbrios fiscais, o que é
essencial para restabelecer a estabilidade macroeconômica, com medidas voltadas
para que a maior parte do ônus do ajuste fiscal recaia sobre os setores mais
fragilizados da sociedade. O que está em jogo nesse momento é, em parte, quem
paga o pato da crise fiscal. A outra parte, mais grave, é que as reformas
propostas trazem em si as bases para sustentar e ampliar por muito tempo o
apartheid social em um dos países mais desiguais e injustos do mundo.
De maneira
surpreendentemente sincera, o vice que tramou contra a presidente eleita revela em entrevista em rede de televisão o segredo de polichinelo, de que a
presidente Dilma Rousseff foi defenestrada do poder porque não aceitara adotar
o receituário elaborado, sabe-se lá por quais mãos e inspirado por quais
setores de classe, tal como se apresenta no documento Uma Ponte para o Futuro, oficial e ironicamente de responsabilidade
da Fundação Ulysses Guimarães, cujo o nome homenageia o maior artífice da
constituição cidadã.
As reformas empurradas
goela abaixo da população, que estarrecida não sabe de onde elas vêm e quem as
promove, trazem à luz projeto ignominioso de sociedade, feio porque perverso, e
significam uma regressão social inédita. As reformas em tramitação buscam
sepultar o projeto de construção de uma sociedade mais justa e para todos os
cidadãos que unificou as forças que lutaram pela redemocratização do país trinta
anos atrás.
Promessas não
cumpridas
O jornal Folha de São Paulo
trouxe na edição de 26 de abril matéria cobrindo o lançamento do livro O Brasil no Contexto: 1987-2017, que reúne
artigos de 17 autores sobre mudanças que o país passou desde a
redemocratização. O sociólogo José de Souza Martins, um dos autores, se disse
frustrado pelas promessas não cumpridas e revela um desalento profundo sobre as
possibilidades do país "pela primeira vez na vida [estou] sem nenhuma
propensão ao otimismo". Para Martins "tínhamos [no início do período
de redemocratização] alguma certeza de que mudanças seriam viáveis, mas vivemos
uma série de recuos", disse.
Para o economista Antonio de Correa Lacerda, também autor
do livro, alguns desses recuos são as reformas da Previdência e trabalhista. Para Correa, o Brasil vive um momento de desmonte
do projeto de sociedade previsto na Constituição de 1988.
As reformas
As mudanças na regulamentação
das relações de trabalho, já aprovadas pela câmara dos deputados e que seguem
agora para deliberação do senado, são, no nosso entender, mais reveladoras do
ranço antissocial que motiva a reação das elites do país à agenda inclusiva
pactuada no período imediato da redemocratização. A pretexto de que se propõe
modernizar as relações capital-trabalho para adequá-las aos novos tempos, a
reforma trabalhista visou de fato fragilizar o lado já mais fraco da relação,
para deleite pouco disfarçado das partes interessadas em que isso acontecesse.
Os setores que patrocinaram
a reforma trabalhista intencionalmente também confundem a urgência de reduzir o
excesso de burocracia e a insegurança jurídica reinantes, pleitos legítimos,
com a motivação de rebaixar os salários e precarizar os vínculos trabalhistas.
Em um momento de profunda recessão e de desespero da força de trabalho,
sofismam que a redução dos direitos e flexibilização das regras concorreriam
para gerar novos empregos. Da mesma forma, como sofismaram quando afirmaram que
o afastamento da presidente Dilma Rousseff promoveria uma onda de confiança que
teria o condão de deixar para trás o período de recessão.
Com a publicação da PNAD
contínua de março ficamos sabendo que a ocupação continuou despencando no 1º
trimestre de 2017 (ver Gráfico). Na comparação com o mesmo período de 2016, 1,7
milhão de pessoas perdeu a ocupação. Na comparação com o trimestre encerrada em
dezembro, o contingente de pessoas ocupadas encolheu em 1,3 milhão e em dois
anos de recessão (entre janeiro-março de 2017 e mesmo período de 2015), já são
3,1 milhões de ocupações a menos.
Fonte: IBGE.PNADc
Publicado no Jornal da Cidade, em 30/04/2017
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