Ricardo Lacerda
A implementação das medidas de ajuste ainda é muito recente e
parcial para apreender o seu significado em termos de impactos regionais. Quando
a economia nacional entra em estagnação todas as regiões sofrem. No primeiro
momento, as regiões mais industrializadas tendem a sentir mais intensamente os
efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho e sobre o poder de compra da
população, mas ainda não está exatamente claro como serão distribuídos
espacialmente os custos do ajuste atual dado que outras questões estão em jogo
nesse momento, além dos impactos de curto prazo sobre o mercado de trabalho.
As regiões mais pobres deverão ser especialmente impactadas por
dois conjuntos de mudanças que poderão advir do ajuste. De forma mais imediata,
pela contenção dos gastos públicos nas três esferas de governo e pela queda do
consumo na formação da renda. De forma mais estrutural, pela redução do peso do
estado na economia e do seu papel na transformação produtiva e social.
Papel do
Estado
É fato que as regiões de rendas per capita mais baixas são
relativamente mais dependentes dos gastos públicos, sejam aqueles oriundos de
transferência de renda, sejam aqueles voltados para a realização de
investimentos em infraestrutura produtiva, como estradas, canais de irrigação
etc e em infraestrutura social e urbana, escolas, hospitais e obras de
mobilidade urbana.
Dizer que as regiões mais pobres são mais dependentes de tais
gastos não equivale a afirmar que elas não têm perspectivas de impulsionar o
crescimento apoiado na expansão do setor produtivo e sim reconhecer que elas
apresentam desvantagens nas fontes de competitividade e que a realização de
investimentos em infraestrutura e a ampliação de gastos sociais podem reduzir esses
hiatos.
Convergência
regional
Entre 2003 e 2013, os mercados das regiões mais pobres do país
(Nordeste, Norte e Centro-Oeste) se ampliaram em ritmo mais intenso do que nas
regiões mais ricas (Sudeste e Sul), ver Gráfico 1. A massa de todos os
rendimentos no chamado Centro-Sul perdeu cerca de 5 pontos de participação no
total do país, parcela que foi redistribuída para outra três regiões nas
seguintes proporções: o Nordeste ampliou sua participação em 2,1%, o Norte em
1,6% e o Centro-Oeste em 1,3%.
Fonte: IBGE. PNAD
Nesse período o rendimento médio da região Nordeste reduziu sua
defasagem em relação à média do país. O valor do rendimento médio das pessoas
de 10 anos de idade ou mais residentes do Nordeste que em 2003 representava
56,4% da média nacional em 2013 havia aumentado em nove pontos percentuais para
65,3%. Em qualquer parâmetro que se considere, o poder de compra e o mercado de
consumo do Nordeste se ampliaram mais do que a média do país. Nesse sentido, a
elevação do poder de compra do salário mínimo, os programas de transferências
de renda e a ascensão social da população das faixas de renda mais baixa foram,
como não poderiam deixar de ser, mais favoráveis ao Nordeste do que às regiões
mais ricas.
A melhoria do poder de compra foi fundamental para atrair um
grande número de empresas interessadas em vender bens e serviços para o mercado
nordestino, gerando, efetivamente, um efeito de reforço mútuo entre o
crescimento do mercado interno e a atração de investimentos.
Riscos de
reversão
Há riscos de reversão na tendência recente de convergência nos
níveis de renda per capita entre as regiões mais pobres em relação às mais
desenvolvidas. Passado o período mais duro do ajuste, as regiões mais
industrializadas e de maior densidade econômica estarão mais aptas a receber os
impulsos provenientes da mudança nos preços relativos que favorece a
substituição de importações e a expansão do setor exportador, enquanto regiões
como o Nordeste sentirão mais diretamente o impacto da perda de renda sobre o
setor de serviços. É de se prever que o setor industrial deverá aumentar nos
próximos anos o peso na geração da riqueza nacional.
Os resultados da Pnad contínua de junho não são conclusivos
sobre o impacto da crise sobre o poder de compra em termos espaciais. A massa
de rendimento do Nordeste perdeu participação na comparação entre abril-junho
de 2015 e o mesmo período de 2014. Na comparação entre os quatro trimestres
encerrados em abril-junho de 2015 e o mesmo período de 2014, a região aumentou
participação, em ambos os casos, em pequena magnitude.
Há, é verdade, efeitos contrarrestantes que favorecem as regiões
mais pobres que são decorrentes do ciclo recente de transformações, tanto os relativos
ao aumento do tamanho do mercado quanto os efeitos no tempo do aumento de
escolaridade e da expansão da rede de ensino técnico e superior. Há ainda
aspectos relativos à disponibilidade de mão-de-obra.
Talvez não se possa esperar muito nos próximos anos em termos de
expansão de gastos sociais correntes e de investimentos públicos em
infraestrutura econômica e social. As
regiões mais carentes em termos sociais e econômicos deverão ser relativamente
mais atingidas nessas duas dimensões. Já vimos esse filme nos anos noventa, as
regiões mais pobres morrem no fim.
Fonte:IBGE. Pnad contínua
Publicado no Jornal da Cidade, em 01/11/2015
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