Ricardo Lacerda
Passou relativamente desapercebido o artigo
do ministro da fazenda Joaquim Levy, veiculado na Folha de São Paulo no dia 03
de agosto. Em estilo sóbrio, em harmonia com seu perfil baixo, o ministro
apresenta de forma sucinta, mas muito bem estruturada, a sua compreensão a
respeito do momento atual da economia brasileira e traça as linhas gerais por
meio das quais pretende reencontrar o caminho do crescimento. O título do
artigo é Uma nova etapa.
Reequilíbrio
O ministro assinala que o ajuste já se
encontra em pleno andamento e que a economia brasileira caminha em direção a um
novo equilíbrio, no sentido de superar as turbulências e inseguranças que
paralisam o país. O reequilíbrio conta com uma dimensão fiscal e uma dimensão externa.
Algumas forças já foram mobilizadas a fim de alcançar esse objetivo.
É peça importante do reequilíbrio a mudança
dos termos de troca do comércio exterior, decorrente da forte elevação do
câmbio, com seus efeitos no médio prazo sobre a sustentabilidade das contas
externas. Outra linha fundamental é o ajuste fiscal e financeiro do setor
público, com o abandono das políticas anticíclicas de estímulo à demanda por
meio de gastos e de créditos públicos, que já não surtiriam efeitos líquidos
positivos.
Incertezas externas e domésticas
As medidas adotadas visam retirar o país da
rota de vulnerabilidade e conferir confiança aos agentes privados domésticos e
externos. O ministro lembra que o caminho do reequilíbrio enfrenta dificuldades
tanto de ordem interna quando de ordem internacional. O fim do ciclo de
commodities derrubou os preços de nossos principais produtos exportados e
elevou as retrições externas da economia brasileira. Além disso, o ambiente
externo é de volatilidade e de fragilidade em algumas das principais economias.
Resume tais dificuldades assinalando que “o quadro externo não é simples”.
Do lado interno, somam-se aos percalços
econômicos o ambiente político instável, afetando a confiança das empresas e
famílias. Não bastassem tais dificuldades, a ocorrência de chuvas muito abaixo
da média pressiona as tarifas de energia, elevando os custos das empresas e
comprimindo o poder de compra das famílias, e dificulta a eliminação dos
subsídios que oneram as contas públicas.
O ministro não deixa dúvida de que o caminho
já foi tomado e que as dificuldades atinentes aos custos da transição não o
afastarão de realizar as mudanças estruturais vistas como inadiáveis, diante da
impossibilidade de continuar contando com os bonus do ciclo de commodities. Encerrada
a fase de preços internacionais favoráveis, o momento é de transição para um
novo caminho que não pode ser sustentado, como anteriormente, pelo estímulo ao
poder de compra das famílias, simplesmente porque as contas não fecham, nem a
da situação fiscal, nem a das relações externas.
O ministro imagina que o caminho da retomada
passa por três pontos fundamentais: passar um pente fino nas despesas do
governo a fim de elevar a qualidade dos gastos públicos, com o que se espera
obter melhores resultados para o mesmo volume de gastos; repartir com o setor
privado a responsabilidade pela ampliação dos investimentos em infraestrutura
e; aquilo que ele chama de compromisso com a excelência, estímulos para elevar
a produtividade do setor público e do setor privado com o propósito de elevar a
competitividade externa de nossa economia. Parece pouco para desarmar a crise e
apontar o caminho do crescimento? Sim, parece pouco, e o caminho será árduo.
As pedras do caminho
São muitas as pedras no caminho do ministro.
Frente ao peso das commodities na pauta de exportação, os efeitos da
depreciação do real são pouco efetivos no que tange às vendas externas. As
melhorias do saldo da balança comercial nos últimos meses decorreram
exclusivamente do recuo das importações, fruto da redução do poder de compra
interno e da elevação nos preços dos importados.
Do lado do ajuste das contas públicas, as
medidas de contenção dos gastos e de restrição do crédito provocaram recuo no
nível de atividade além do projetado, prejudicando as receitas públicas e com
isso tornando o ajuste fiscal menos efetivo.
A mensagem do ministro no artigo é direta. O
poder de compra deve se ajustar às restrições do cenário externo e interno. A
hora chegou, não há mais como adiá-lo, por mais duro que o ajuste esteja sendo
e por mais que a recuperação tarde.
A ideia-força, correta ou equivocada, parece
ser que o ativismo governamental, em razão de sua perda de efetividade e da
inexistência de espaço fiscal, deve se retrair e ceder lugar a ação do setor privado,
mesmo que o custo de transição para o direcionamento pretendido se mostre
elevado socialmente.
Publicado no Jornal da Cidade em 09 de agosto de 2015
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