Ricardo Lacerda
O debate sobre a crise atual da indústria e sobre o movimento de
mais longo prazo de perda de sua participação na riqueza nacional - o chamado
processo de desindustrialização, é ruim, por ser pouco esclarecedor e ser permeado
por posições ideologizadas.
Há uma dimensão do desenvolvimento industrial que diz respeito a
atuação dos grandes oligopólios e as suas cadeias de fornecimento
espalhadas pelo mundo. A qualidade da inserção de um país nessa rede mundial
depende da existência de grupos econômicos robustos e com capacidade de
inovação.
É uma agenda necessária mas não é fácil de ser enfrentada.
Poucos países logram sucesso em entrar no clube fechado de produtores de
tecnologias inovadoras. E, nesse quesito, o Brasil não vai bem. Em geral, as
empresas do país têm uma presença forte no mercado mundial apenas nos segmentos
intensivos em recursos naturais, como minérios e agroindústrias e, até
recentemente, em alguns segmentos intensivos em trabalho, como calçados.
Um outro segmento competitivo é o da indústria da construção, em
função do tamanho alcançado pelas empresas e do aprendizado acumulado
internamente em obras públicas que habilitaram algumas delas a competir em
diversos mercados. Tais empresas, como vemos, estão indo para o ralo, enredadas
em contratos públicos suspeitos, situação similar às empresas da cadeia de
petróleo e gás.
É sempre possível citar a Embraer e uma ou outra empresa de maior
aprendizado tecnológico, mas são exceções e não a regra.
Custos e
preços
Além dessa dimensão mais estrutural, que define a qualidade de
inserção de empresas nacionais nas cadeias produtivas globais, há uma outra que
diz respeito ao custo de produzir vis a vis outros países de nível de
produtividade semelhante, habilitando empresas instaladas internamente a
participarem do mercado global ou mesmo de se manterem no mercado doméstico.
Nessa dimensão, preços chaves como salários e juros são
decisivos, mas o câmbio é que faz toda a diferença. É a paridade do câmbio que
define o poder de compra externo de nossa moeda e informa se o país “está caro”
ou não. E o Brasil vem se revelando um país caro para produzir bens
industrializados desde os anos noventa.
Câmbio e
transações correntes
O Gráfico a seguir apresenta duas curvas. A linha continua mostra
a evolução de uma cesta de moedas frente ao real, já descontadas as inflações
interna e externa. Quanto menor o valor de um ponto na curva, a cesta de moeda externa
é mais barata e portanto mais o poder de compra do real está elevado.
A linha pontilhada mostra o saldo da conta de transações
correntes com o exterior enquanto proporção do PIB (%). A ideia é que a uma
taxa de câmbio equilibrada, nem cara nem barata, corresponde uma conta de
transação corrente também equilibrada. Portanto, quanto maior o déficit nas
transações correntes, em percentual do PIB, maior o desequilíbrio externo,
indicando que a nossa moeda ou está ou esteve cara até recentemente, com uma
defasagem temporal que pode ser mais ou menos extensa.
Entre julho de 1994 e janeiro de 1999, a
supervalorização do real (o barateamento da cesta de moeda) produziu crescentes
déficits na conta de transações, com danos intensos sobre a estrutura
industrial. Na sequência, o real teve dois episódios de intensa depreciação, em
fevereiro de 1999 e ao longo de 2002, que propiciaram inicialmente estagnar o
déficit na conta de transações correntes e depois uma melhoria muito acentuada
desse indicador. Em relativamente pouco
tempo, entre setembro de 2001 e junho de 2003, o país passou de um déficit de
transações correntes de 4,5% do PIB, para uma situação de superávit.
O cenário externo favorável foi determinante para
a rápida melhoria de nossas contas externas nesse período. O ciclo de
commodities puxado pela demanda da China impulsionou o valor das nossas
exportações e permitiu a manutenção do superávit em transações correntes mesmo
quando o real iniciou uma apreciação acelerada a partir do segundo semestre de
2004.
Durante sete longos anos o real elevou seu poder de compra
frente a uma cesta de moedas, entre meados de 2004 e de 2011. Não havia como a estrutura industrial não ser atingida.
Fonte: Banco Central do Brasil
Três
fases
Desde 2004, a evolução do setor industrial pode ser demarcada em
três fases bem distintas, no que tange a relação entre taxa de câmbio e o
crescimento da produção.
Na primeira fase, entre meados de 2004 e setembro de 2008, enquanto
a elevação do poder de compra externo de nossa moeda conviveu com o mercado
externo favorável e com o crescimento do mercado interno, a indústria brasileira
encontrou espaço para continuar crescendo. Na segunda fase, entre o último
trimestre de 2008 e meados de 2011, quando o poder de compra apreciado foi
acompanhado, nos primeiros anos da crise financeira internacional, pela
expansão do mercado interno a indústria de transformação entrou em estagnação
da qual não mais se recuperou. Mas quando a falta de competitividade no mercado
externo se somou ao mercado interno estagnado, já na terceira fase, o resultado
é o nosso quadro atual: queda da produção industrial de 4,6%, em 2014, nova queda
de 6,8% no primeiro semestre de 2015. Tendo em vista que o mercado externo se
encontra especialmente ruim, os efeitos da desvalorização recente do real
talvez ainda demorem a estimular a recuperação do setor.
Publicado no Jornal da Cidade, em 16/08/2015
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