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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 23 de agosto de 2015

O câmbio e o futuro da indústria (2)

Ricardo Lacerda

No artigo da semana passada, sustentei a posição de que a crise atual da indústria brasileira decorreu fundamentalmente da manutenção por longos anos de uma taxa cambial que encareceu a produção interna de manufaturados vis a vis a produção de outros países de nível de produtividade semelhante.
Afirmar, todavia, a prevalência da taxa de câmbio entre os determinantes da crise industrial não equivale a desprezar outros fatores, exatamente aqueles que influenciam a produtividade e que são decisivos, dentro de certas condições que precisam ser explicitadas.
Entendo como mistificadoras as análises que não reconhecem o caráter determinante do câmbio nas dificuldades de nossa atividade industrial, atribuindo-as a aspectos que limitariam o incremento da produtividade do setor, como o fechamento da economia do país, excessos de regulamentação ou outros componentes do chamado custo Brasil. Não porque tais fatores não sejam relevantes e até mesmo determinantes do crescimento industrial no longo prazo e sim porque não há passe de mágica que promova em pouco tempo incrementos de produtividade de 20% ou 30%, suficientes para compensar uma forte defasagem cambial.
Tampouco tais análises enunciam as implicações por trás das medidas de redução do custo Brasil ou de desregulamentação da economia sobre a distribuição de renda do país ou sobre a qualidade de inserção internacional.
Muitas vezes o caminho proposto para elevar a produtividade da indústria escamoteia os efeitos de medidas que na verdade ampliam as desigualdades sociais, pois pressupõem a precarização do mercado de trabalho, inviabilizam o financiamento de políticas sociais ou, em outros casos, promovem uma inserção de baixa qualidade nas cadeias produtivas globais. E por tais motivos devem ser rechaçadas. Vamos tentar explicitar a seguir, dentro das limitações do espaço que disponho, o que está em jogo.
Câmbio e produtividade
Desvalorizações cambiais competitivas são práticas adotadas rotineiramente pelos países que apresentam perda de dinamicidade no crescimento econômico e que contam com recursos produtivos, capital e trabalho, ociosos.
A manutenção do real apreciado, como sucedeu entre 1994 e 1998 e entre 2006 e 2011, inviabiliza a produção interna de uma série de bens manufaturados que sofrem competição com a produção de outros países. É possível imaginar um gradiente de produtos industriais (ordenados com base no comparativo internacional de custo unitário do trabalho) que, à medida que a nossa moeda vai se se apreciando, um a um vai deixando de ser vantajoso produzir internamente.
Se a apreciação da moeda nacional for acompanhada por incrementos reais de salários superiores ao aumento da produtividade do trabalho no setor manufatureiro, como aconteceu a partir de 2006, se torna crescentemente mais difícil competir tanto no mercado externo como no mercado doméstico, e avança-se mais celeremente no gradiente de bens que deixam de ter a produção interna competitiva. O encolhimento do mercado, decorrente de estagnação da demanda no mercado mundial ou do poder de compra interno adiciona restrições à expansão do setor.
Se ao lado da apreciação do real, a produtividade de nossa indústria crescer mais lentamente do que nos principais competidores teremos problemas duplicados.
Para ser sustentável, os incrementos dos salários reais na atividade industrial deveriam ter sido acompanhados por uma desvalorização do poder de compra do real que compensasse o diferencial entre a produtividade interna do setor industrial e a dos principais competidores do país, e não pela apreciação do poder de compra da moeda nacional como foi feito, que elevou o custo unitário do trabalho no país medido em uma cesta de moeda.
Considere-se, ainda, que a apreciação do real exerceu papel decisivo para retardar o incremento da produtividade do setor industrial brasileiro porque simplesmente o elevado custo de produzir internamente não habilitou o país a receber investimentos integrados às cadeias globais de produção e comercialização. Em sua grande maioria, os investimentos diretos ingressaram no país, como nos casos das montadoras, com foco no atendimento à demanda interna que crescia em velocidade incomum.
A agenda da produtividade
O gráfico a seguir apresenta a evolução da produção da indústria de transformação brasileira e a taxa de câmbio efetiva e real de nosso comércio exterior. Ele pode ser interpretado da seguinte maneira: a manutenção do câmbio depreciado em meio a uma crise mundial que se estende desde setembro de 2008 condenou à estagnação a nossa indústria de transformação.
A valorização recente do câmbio/depreciação do real promovida pelo Ministro Levy deverá ter efeitos importantes no médio prazo sobre a competitividade da atividade industrial brasileira mas a recuperação da indústria somente se efetivará em um segundo momento, quando o período mais duro do ajuste tiver ficado para trás.
A agenda da produtividade é de máxima importância para o futuro da indústria no Brasil. Não há como sustentar no longo prazo aumentos reais de rendimentos e melhorias nas condições de vida da população que não sejam acompanhados pelo incremento da produtividade do trabalho, o que deve contemplar a agenda já conhecida de elevação da escolaridade, investimentos em ciência e tecnologia, melhoria do ambiente de negócios, aprimoramento das instituições, melhoria na qualidade da regulação, modernização de nossa infraestrutura.
Mas a verdade é que a agenda da produtividade não se sustenta com taxas de câmbio em patamar irreal, que inviabilizam a produção industrial em termos competitivos.


Fonte: Banco Central, taxa de câmbio efetiva real; IBGE, produção Industrial.

Publicado no Jornal da Cidade, em 23/08/2015

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