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segunda-feira, 20 de julho de 2015

O ajuste e a conta de bens e serviços


Ricardo Lacerda

As medidas de ajuste adotadas ao longo do primeiro semestre já apresentam os primeiros impactos sobre os gastos dos brasileiros na aquisição de bens e serviços do exterior. Não apenas as importações de bens recuaram nos cinco primeiros meses de 2015, em relação ao mesmo período do ano passado, como a demanda por serviços, especialmente os gastos com viagens, apresentaram quedas muito expressivas.

Tais efeitos eram esperados e mesmo desejados pela equipe econômica, diante da percepção de que o saldo deficitário na conta de transações correntes já alcançava proporção muito elevada do PIB.

Transações correntes

A conta de transações correntes do Balanço de Pagamentos registra as entradas e as saídas de divisas decorrentes da venda de bens e serviços e dos fluxos de remessa de lucros e juros entre os países. Em geral, os países em desenvolvimento apresentam conta de transações correntes deficitárias, sejam porque dependem, em termos líquidos, de aporte de bens e serviços oriundos do exterior, sejam porque recorreram a empréstimos e investimentos do exterior em anos anteriores que redudam na remessa de juros e lucros no período corrente.

Desde 2008 o Brasil voltou a apresentar déficit nas transações correntes. Naquele ano foi interrompida a inédita série de cinco anos (2003-2007) em que o país apresentou saldo corrente positivo. Com a exceção desse período, o país jamais havia registrado mais do que dois anos seguidos de superávit corrente, desde que passou a sistematizar as suas contas externas em 1947.

Bens e serviços

Desconsiderando-se os fluxos de renda (lucros e juros, essencialmente), as transações correntes registram as compras e vendas de bens e serviços de um país com o resto do mundo. Em caso de superávit na conta de bens e serviços, o país gera naquele ano uma poupança externa que pode servir para abater dívidas anteriores, para cobrir as depesas com lucros e juros ou para formar um colchão de reservas externas para tempos ruins. Nessa situação de superávit, a oferta de tudo o que país produz de bens e serviços, a oferta agregada, é superior ao total que ele utiliza para consumir e investir, a demanda agregada.

Em caso de déficit na conta de bens e serviços, o país está absorvendo poupança externa real, não apenas financeira, para custear as suas necessidades de consumo e investimento.

Ainda que o Brasil tenha interrompido a série de cinco anos de superávit na conta de transações correntes em 2008, a conta de bens e serviços (excluindo o fluxo de rendas) permaneceu com saldo positivo até 2009, de US$ 9,4 bilhões (ver Gráfico 1).  

A decisão de manter o crescimento do poder de compra interno em pleno furacão da crise financeira internacional não poderia mesmo ser inócua em relação às contas externas. Em 2010, o ano do Pibão de 7,5%, a conta de bens e serviços apresentou saldo negativo de US$ 7,8 bilhões. Ou seja, em um ano, o saldo da conta inverteu notáveis US$ 17,2 bilhões.

Depois que a crise financeira internacional voltou a se agravar, a partir do segundo semestre de 2011, o saldo da conta de bens e serviços cresceu aos saltos (mesmo tendo recuado naquele ano), até alcançar US$ 51 bilhões em 2014.  



Fonte: BCB. Balanço de pagamentos – BPM5

Os efeitos do ajuste

A depreciação do real e a contração da economia provocaram uma redução expressiva na aquisição de bens e serviços no exterior ao longo de 2015. Se a contração de tais gastos era esperada, diante da medidas adotadas, ela também é desejada pela equipe econômica, em dois sentidos: Em primeiro lugar, porque reduz o desequilíbrio externo que alcançava patamar desconfortável, contraindo o recurso à poupança externa para financiar os gastos de consumo e investimento.

Em segundo lugar, porque a redução no déficit na conta de bens e serviços, na sua parcela atribuída à depreciação de nossa moeda, poderá ter um efeito benigno sobre o crescimento da economia, depois que o período mais duro do ajuste ficar para trás, na medida que significa converter gastos que vazam para o exterior em demanda por bens e serviços produzidos internamente.

O Gráfico 2 apresenta os resultados da conta de bens e serviços, comparando os cinco primeiros meses de 2015 (janeiro-maio) e os últimos três meses (março-maio), com os mesmos períodos de 2014.

Na comparação de cinco meses, o déficit da conta de bens e serviços caiu de US$ 24,8 bilhões, em 2015, para US$ 20,5 bilhões, queda de 17,7%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Encolheram tanto o déficit da balança comercial, quanto o da conta de serviços.

Os efeitos dos ajustes assumiram proporções maiores nos últimos três meses. O déficit da conta de bens e serviços recuou notáveis 33%, de US$ 11,5 bilhões, em março-maio de 2014, para US$ 7,7 bilhões no mesmo período de 2015, novamente com melhorias expressivas tanto na conta de serviços quanto na balança comercial.

É fato que os efeitos do ajuste sobre a conta de serviços são relativamente menos elásticos do que na balança comercial porque alguns contratos em andamento não podem e nem devem ser desfeitos, como alugueis de equipamentos para a indústria do petróleo.

De outra parte, convém destacar que algumas despesas de serviços têm despencado. O déficit na conta de viagens internacionais, por exemplo, caiu 24% entre janeiro e maio de 2015, em relação a mesmo período de 2014, e nos últimos três meses a retração foi ainda mais acentuada, 34%. 

A face externa do ajuste econômico se encontra em pleno andamento, como indica a retração acentuada das despesas líquidas para aquisição de bens e serviços no exterior, que se tem mostrado muito mais intensa do que o recuo da demanda no mercado interno.


Fonte: Banco Central do Brasil. Balanço de pagamentos – BPM6


Publicado no Jornal da Cidade, em 19/07/2015 

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