Ricardo Lacerda
As medidas de ajuste adotadas ao longo do primeiro semestre já apresentam
os primeiros impactos sobre os gastos dos brasileiros na aquisição de bens e
serviços do exterior. Não apenas as importações de bens recuaram nos cinco
primeiros meses de 2015, em relação ao mesmo período do ano passado, como a
demanda por serviços, especialmente os gastos com viagens, apresentaram quedas muito
expressivas.
Tais efeitos eram esperados e mesmo desejados pela equipe
econômica, diante da percepção de que o saldo deficitário na conta de
transações correntes já alcançava proporção muito elevada do PIB.
Transações
correntes
A conta de transações correntes do Balanço de Pagamentos registra
as entradas e as saídas de divisas decorrentes da venda de bens e serviços e
dos fluxos de remessa de lucros e juros entre os países. Em geral, os países em
desenvolvimento apresentam conta de transações correntes deficitárias, sejam
porque dependem, em termos líquidos, de aporte de bens e serviços oriundos do
exterior, sejam porque recorreram a empréstimos e investimentos do exterior em
anos anteriores que redudam na remessa de juros e lucros no período corrente.
Desde 2008 o Brasil voltou a apresentar déficit nas transações
correntes. Naquele ano foi interrompida a inédita série de cinco anos
(2003-2007) em que o país apresentou saldo corrente positivo. Com a exceção
desse período, o país jamais havia registrado mais do que dois anos seguidos de
superávit corrente, desde que passou a sistematizar as suas contas externas em
1947.
Bens
e serviços
Desconsiderando-se os fluxos de renda (lucros e juros,
essencialmente), as transações correntes registram as compras e vendas de bens
e serviços de um país com o resto do mundo. Em caso de superávit na conta de
bens e serviços, o país gera naquele ano uma poupança externa que pode servir
para abater dívidas anteriores, para cobrir as depesas com lucros e juros ou
para formar um colchão de reservas externas para tempos ruins. Nessa situação
de superávit, a oferta de tudo o que país produz de bens e serviços, a oferta
agregada, é superior ao total que ele utiliza para consumir e investir, a
demanda agregada.
Em caso de déficit na conta de bens e serviços, o país está
absorvendo poupança externa real, não apenas financeira, para custear as suas
necessidades de consumo e investimento.
Ainda que o Brasil tenha interrompido a série de cinco anos de
superávit na conta de transações correntes em 2008, a conta de bens e serviços (excluindo
o fluxo de rendas) permaneceu com saldo positivo até 2009, de US$ 9,4 bilhões
(ver Gráfico 1).
A decisão de manter o crescimento do poder de compra interno em
pleno furacão da crise financeira internacional não poderia mesmo ser inócua em
relação às contas externas. Em 2010, o ano do Pibão de 7,5%, a conta de bens e
serviços apresentou saldo negativo de US$ 7,8 bilhões. Ou seja, em um ano, o
saldo da conta inverteu notáveis US$ 17,2 bilhões.
Depois que a crise financeira internacional voltou a se agravar,
a partir do segundo semestre de 2011, o saldo da conta de bens e serviços
cresceu aos saltos (mesmo tendo recuado naquele ano), até alcançar US$ 51
bilhões em 2014.
Fonte: BCB. Balanço de pagamentos – BPM5
Os
efeitos do ajuste
A depreciação do real e a contração da economia provocaram uma
redução expressiva na aquisição de bens e serviços no exterior ao longo de
2015. Se a contração de tais gastos era esperada, diante da medidas adotadas,
ela também é desejada pela equipe econômica, em dois sentidos: Em primeiro
lugar, porque reduz o desequilíbrio externo que alcançava patamar desconfortável,
contraindo o recurso à poupança externa para financiar os gastos de consumo e
investimento.
Em segundo lugar, porque a redução no déficit na conta de bens e
serviços, na sua parcela atribuída à depreciação de nossa moeda, poderá ter um
efeito benigno sobre o crescimento da economia, depois que o período mais duro
do ajuste ficar para trás, na medida que significa converter gastos que vazam para
o exterior em demanda por bens e serviços produzidos internamente.
O Gráfico 2 apresenta os resultados da conta de bens e serviços,
comparando os cinco primeiros meses de 2015 (janeiro-maio) e os últimos três
meses (março-maio), com os mesmos períodos de 2014.
Na comparação de cinco meses, o déficit da conta de bens e
serviços caiu de US$ 24,8 bilhões, em 2015, para US$ 20,5 bilhões, queda de
17,7%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Encolheram tanto o déficit da
balança comercial, quanto o da conta de serviços.
Os efeitos dos ajustes assumiram proporções maiores nos últimos
três meses. O déficit da conta de bens e serviços recuou notáveis 33%, de US$
11,5 bilhões, em março-maio de 2014, para US$ 7,7 bilhões no mesmo período de
2015, novamente com melhorias expressivas tanto na conta de serviços quanto na
balança comercial.
É fato que os efeitos do ajuste sobre a conta de serviços são
relativamente menos elásticos do que na balança comercial porque alguns
contratos em andamento não podem e nem devem ser desfeitos, como alugueis de
equipamentos para a indústria do petróleo.
De outra parte, convém destacar que algumas despesas de serviços
têm despencado. O déficit na conta de viagens internacionais, por exemplo, caiu
24% entre janeiro e maio de 2015, em relação a mesmo período de 2014, e nos
últimos três meses a retração foi ainda mais acentuada, 34%.
A face externa do ajuste econômico se encontra em pleno
andamento, como indica a retração acentuada das despesas líquidas para aquisição
de bens e serviços no exterior, que se tem mostrado muito mais intensa do que o
recuo da demanda no mercado interno.
Fonte: Banco Central do Brasil. Balanço de pagamentos – BPM6
Publicado no Jornal da Cidade, em 19/07/2015
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