Ricardo Lacerda
No artigo da semana passada, sustentei a posição de que a crise
atual da indústria brasileira decorreu fundamentalmente da manutenção por
longos anos de uma taxa cambial que encareceu a produção interna de
manufaturados vis a vis a produção de outros países de nível de produtividade
semelhante.
Afirmar, todavia, a prevalência da taxa de câmbio entre os determinantes
da crise industrial não equivale a desprezar outros fatores, exatamente aqueles
que influenciam a produtividade e que são decisivos, dentro de certas condições
que precisam ser explicitadas.
Entendo como mistificadoras as análises que não reconhecem o caráter
determinante do câmbio nas dificuldades de nossa atividade industrial,
atribuindo-as a aspectos que limitariam o incremento da produtividade do setor,
como o fechamento da economia do país, excessos de regulamentação ou outros componentes
do chamado custo Brasil. Não porque tais fatores não sejam relevantes e até mesmo
determinantes do crescimento industrial no longo prazo e sim porque não há passe
de mágica que promova em pouco tempo incrementos de produtividade de 20% ou
30%, suficientes para compensar uma forte defasagem cambial.
Tampouco tais análises enunciam as implicações por trás das medidas
de redução do custo Brasil ou de desregulamentação da economia sobre a
distribuição de renda do país ou sobre a qualidade de inserção internacional.
Muitas vezes o caminho proposto para elevar a produtividade da
indústria escamoteia os efeitos de medidas que na verdade ampliam as
desigualdades sociais, pois pressupõem a precarização do mercado de trabalho,
inviabilizam o financiamento de políticas sociais ou, em outros casos, promovem
uma inserção de baixa qualidade nas cadeias produtivas globais. E por tais
motivos devem ser rechaçadas. Vamos tentar explicitar a seguir, dentro das
limitações do espaço que disponho, o que está em jogo.
Câmbio e
produtividade
Desvalorizações cambiais competitivas são práticas adotadas
rotineiramente pelos países que apresentam perda de dinamicidade no crescimento
econômico e que contam com recursos produtivos, capital e trabalho, ociosos.
A manutenção do real apreciado, como sucedeu entre 1994 e 1998 e
entre 2006 e 2011, inviabiliza a produção interna de uma série de bens
manufaturados que sofrem competição com a produção de outros países. É possível
imaginar um gradiente de produtos industriais (ordenados com base no comparativo
internacional de custo unitário do trabalho) que, à medida que a nossa moeda
vai se se apreciando, um a um vai deixando de ser vantajoso produzir
internamente.
Se a apreciação da moeda nacional for acompanhada por
incrementos reais de salários superiores ao aumento da produtividade do
trabalho no setor manufatureiro, como aconteceu a partir de 2006, se torna
crescentemente mais difícil competir tanto no mercado externo como no mercado
doméstico, e avança-se mais celeremente no gradiente de bens que deixam de ter a
produção interna competitiva. O encolhimento do mercado, decorrente de estagnação
da demanda no mercado mundial ou do poder de compra interno adiciona restrições
à expansão do setor.
Se ao lado da apreciação do real, a produtividade de nossa
indústria crescer mais lentamente do que nos principais competidores teremos
problemas duplicados.
Para ser sustentável, os incrementos dos salários reais na
atividade industrial deveriam ter sido acompanhados por uma desvalorização do
poder de compra do real que compensasse o diferencial entre a produtividade
interna do setor industrial e a dos principais competidores do país, e não pela
apreciação do poder de compra da moeda nacional como foi feito, que elevou o
custo unitário do trabalho no país medido em uma cesta de moeda.
Considere-se, ainda, que a apreciação do real exerceu papel
decisivo para retardar o incremento da produtividade do setor industrial brasileiro
porque simplesmente o elevado custo de produzir internamente não habilitou o
país a receber investimentos integrados às cadeias globais de produção e
comercialização. Em sua grande maioria, os investimentos diretos ingressaram no
país, como nos casos das montadoras, com foco no atendimento à demanda interna
que crescia em velocidade incomum.
A agenda
da produtividade
O gráfico a seguir apresenta a evolução da produção da indústria
de transformação brasileira e a taxa de câmbio efetiva e real de nosso comércio
exterior. Ele pode ser interpretado da seguinte maneira: a manutenção do câmbio
depreciado em meio a uma crise mundial que se estende desde setembro de 2008
condenou à estagnação a nossa indústria de transformação.
A valorização recente do câmbio/depreciação do real promovida
pelo Ministro Levy deverá ter efeitos importantes no médio prazo sobre a
competitividade da atividade industrial brasileira mas a recuperação da
indústria somente se efetivará em um segundo momento, quando o período mais
duro do ajuste tiver ficado para trás.
A agenda da produtividade é de máxima importância para o futuro
da indústria no Brasil. Não há como sustentar no longo prazo aumentos reais de
rendimentos e melhorias nas condições de vida da população que não sejam
acompanhados pelo incremento da produtividade do trabalho, o que deve
contemplar a agenda já conhecida de elevação da escolaridade, investimentos em
ciência e tecnologia, melhoria do ambiente de negócios, aprimoramento das
instituições, melhoria na qualidade da regulação, modernização de nossa infraestrutura.
Mas a verdade é que a agenda da produtividade não se sustenta
com taxas de câmbio em patamar irreal, que inviabilizam a produção industrial
em termos competitivos.
Fonte: Banco Central, taxa de câmbio efetiva
real; IBGE, produção Industrial.
Publicado no Jornal da Cidade, em 23/08/2015