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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Uma conquista com gosto de derrota

Ricardo Lacerda

Os preços ao consumidor no mês de junho registraram a primeira deflação em onze anos. A última vez que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) havia apresentado recuo mensal foi em junho de 2006. Alimentação e bebidas e Habitação foram os dois grupos de preço que mais contribuíram para a queda do índice, mas os demais grupos ou se mantiveram estagnados ou apresentaram incrementos próximos a zero. Com o resultado de junho, o IPCA em doze meses subiu 3,0%, o limite inferior da meta de inflação para 2017. A profunda recessão em que se encontra economia brasileira produziu esse resultado, só aparentemente positivo.
A título de reduzir a inflação e de perseguir o ajuste fiscal, as políticas monetária e fiscal quebraram intencionalmente a espinha dorsal do mercado de trabalho. Entre as alternativas disponíveis para recolocar a inflação em patamar mais bem comportado optou-se por produzir desemprego com o propósito principal de conter os preços dos bens não comercializáveis, aqueles que não sofrem diretamente a competição de produtos importados, muito particularmente nos segmentos de serviços em que a remuneração do trabalho é a referência básica dos preços cobrados.
Pelos menos desde 2015 que alguns experts de forma disfarçada e outros declaradamente, como o professor da FGV Samuel Pessôa, têm argumentado em favor de quebrar o poder de barganha dos prestadores de serviço como um elemento central para conter os preços e ajustar a demanda ao produto potencial. Com os últimos resultados do IPCA vai ser difícil sustentar que a política de juros do Banco Central não errou a dose, causando sofrimentos desnecessários e gerando fortes desequilíbrios nas finanças públicas e privadas. A queda da inflação é a típica vitória de Pirro, uma conquista com gosto de derrota.
Diante do impacto da recessão sobre as receitas públicas e o desemprego causado além do estimado, alguns desses experts deverão ajustar o próprio discurso, propondo acelerar a redução dos juros nominais, mas jamais reconhecerão minimamente o desastre que produziram. É sempre possível atribuir a responsabilidade pela eliminação de mais de dois milhões de empregos formais e de deixar catorze milhões de brasileiros sem ocupação ao desequilíbrio fiscal promovido pelo governo anterior ou aos atuais desarranjos do mundo político; mais difícil será reconhecer as consequências do overshooting da política de juros altos.
Preços represados
Ao final de 2013, a inflação apresentava-se aparentemente comportada, com o IPCA alcançando 5,9%, mas havia muita pressão de preços contida. Os chamados preços monitorados, que inclui tarifas de energia elétrica, de gasolina e botijão de gás, entre outros, acumulavam fortes defasagens e naquele ano haviam subido apenas 1,5% (ver Gráfico 1), com custos fiscais muito elevados para o governo central e causando pressão sobre a rentabilidade da Petrobras. De outra parte, a manutenção do real valorizado funcionava como um subsídio aos preços de produtos importados, à custa da rentabilidade dos setores produtores dos bens comercializados, notadamente os bens industrializados, com efeitos potencialmente desestabilizadores sobre o balanço de pagamentos.
Ao assumir o comando da economia em novembro 2014, o futuro ministro Joaquim Levy implementou um programa de correção dos preços artificialmente contidos, promovendo um choque nos preços monitorados e intensa de desvalorização da moeda nacional. O impacto sobre os preços e sobre o poder de compara da população foi imediato e revelou-se muito maior do que o dimensionado pelo governo, jogando o país na recessão. Ao final de 2015, os preços monitorados que haviam aumentado 5,3% em 2014, se elevaram em 18,1% e os preços dos produtos comercializáveis saltaram de 6% para 8,3%.
Apesar da recessão já muito intensa em 2015, a elevação dos preços dos bens e serviços comercializáveis manteve-se em aceleração, diante de um mercado de trabalho que até então resistia à retração da demanda, e atingiu 8,7% no ano (Gráfico 2). Com a correção dos preços reprimidos e a mudança do patamar do câmbio, o IPCA de 2015 subiu 10,7%, causando apreensão nos mercados.
Desemprego e queda da inflação
Depois do choque de preços intencional, havia o risco dos mecanismos de propagação elevar o patamar do IPCA em relação ao padrão anterior, mas, mesmo na pior hipótese, o resultado de 2015 não seria repetido nos anos seguintes, posto que parte dos aumentos se dissiparia, não sendo incorporado pelos mecanismos de indexação, em um mercado fortemente recessivo e marcado pela contenção do poder de compra da população.
Dissipados progressivamente os efeitos dos choques de preço e frente à intensa deterioração do mercado de trabalho, todos os grupos de preços passaram a apresentar desaceleração no segundo semestre de 2016. Ao final do ano, o incremento do IPCA caiu para 6,3 e chegamos em junho de 2017 com índice de doze meses em 3,0%.  A queda da inflação para o limite inferior da meta de inflação reflete a intensidade da recessão no mercado de trabalho. Não é um resultado a ser comemorado. Cabe agora correr contra o prejuízo.

Fonte: IBGE e BCB



Fonte: IBGE e BCB

Publicado no Jornal da 

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