Ricardo Lacerda
Os preços ao consumidor no mês de junho
registraram a primeira deflação em onze anos. A última vez que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) havia apresentado recuo mensal foi em junho de 2006. Alimentação e
bebidas e Habitação foram os dois grupos de preço que mais contribuíram para a
queda do índice, mas os demais grupos ou se mantiveram estagnados ou
apresentaram incrementos próximos a zero. Com o resultado de junho, o IPCA em
doze meses subiu 3,0%, o limite inferior da meta de inflação para 2017. A
profunda recessão em que se encontra economia brasileira produziu esse
resultado, só aparentemente positivo.
A título de reduzir
a inflação e de perseguir o ajuste fiscal, as políticas monetária e fiscal
quebraram intencionalmente a espinha dorsal do mercado de trabalho. Entre as
alternativas disponíveis para recolocar a inflação em patamar mais bem
comportado optou-se por produzir desemprego com o propósito principal de conter
os preços dos bens não comercializáveis, aqueles que não sofrem diretamente a
competição de produtos importados, muito particularmente nos segmentos de serviços
em que a remuneração do trabalho é a referência básica dos preços cobrados.
Pelos menos desde
2015 que alguns experts de forma disfarçada e outros declaradamente, como o
professor da FGV Samuel Pessôa, têm argumentado em favor de quebrar o poder de
barganha dos prestadores de serviço como um elemento central para conter os
preços e ajustar a demanda ao produto potencial. Com os últimos resultados do
IPCA vai ser difícil sustentar que a política de juros do Banco Central não
errou a dose, causando sofrimentos desnecessários e gerando fortes desequilíbrios
nas finanças públicas e privadas. A queda da inflação é a típica vitória de
Pirro, uma conquista com gosto de derrota.
Diante do impacto
da recessão sobre as receitas públicas e o desemprego causado além do estimado,
alguns desses experts deverão ajustar o próprio discurso, propondo acelerar a
redução dos juros nominais, mas jamais reconhecerão minimamente o desastre que
produziram. É sempre possível atribuir a responsabilidade pela eliminação de
mais de dois milhões de empregos formais e de deixar catorze milhões de brasileiros
sem ocupação ao desequilíbrio fiscal promovido pelo governo anterior ou aos atuais
desarranjos do mundo político; mais difícil será reconhecer as consequências do
overshooting da política de juros altos.
Preços represados
Ao final de 2013, a
inflação apresentava-se aparentemente comportada, com o IPCA alcançando 5,9%,
mas havia muita pressão de preços contida. Os chamados preços monitorados, que
inclui tarifas de energia elétrica, de gasolina e botijão de gás, entre outros,
acumulavam fortes defasagens e naquele ano haviam subido apenas 1,5% (ver
Gráfico 1), com custos fiscais muito elevados para o governo central e causando
pressão sobre a rentabilidade da Petrobras. De outra parte, a manutenção do
real valorizado funcionava como um subsídio aos preços de produtos importados, à
custa da rentabilidade dos setores produtores dos bens comercializados,
notadamente os bens industrializados, com efeitos potencialmente
desestabilizadores sobre o balanço de pagamentos.
Ao assumir o
comando da economia em novembro 2014, o futuro ministro Joaquim Levy
implementou um programa de correção dos preços artificialmente contidos,
promovendo um choque nos preços monitorados e intensa de desvalorização da
moeda nacional. O impacto sobre os preços e sobre o poder de compara da população
foi imediato e revelou-se muito maior do que o dimensionado pelo governo,
jogando o país na recessão. Ao final de 2015, os preços monitorados que haviam
aumentado 5,3% em 2014, se elevaram em 18,1% e os preços dos produtos
comercializáveis saltaram de 6% para 8,3%.
Apesar da recessão
já muito intensa em 2015, a elevação dos preços dos bens e serviços
comercializáveis manteve-se em aceleração, diante de um mercado de trabalho que
até então resistia à retração da demanda, e atingiu 8,7% no ano (Gráfico 2). Com
a correção dos preços reprimidos e a mudança do patamar do câmbio, o IPCA de
2015 subiu 10,7%, causando apreensão nos mercados.
Desemprego e queda da inflação
Depois do choque de
preços intencional, havia o risco dos mecanismos de propagação elevar o patamar
do IPCA em relação ao padrão anterior, mas, mesmo na pior hipótese, o resultado
de 2015 não seria repetido nos anos seguintes, posto que parte dos aumentos se
dissiparia, não sendo incorporado pelos mecanismos de indexação, em um mercado fortemente
recessivo e marcado pela contenção do poder de compra da população.
Dissipados
progressivamente os efeitos dos choques de preço e frente à intensa
deterioração do mercado de trabalho, todos os grupos de preços passaram a
apresentar desaceleração no segundo semestre de 2016. Ao final do ano, o
incremento do IPCA caiu para 6,3 e chegamos em junho de 2017 com índice de doze
meses em 3,0%. A queda da inflação para
o limite inferior da meta de inflação reflete a intensidade da recessão no
mercado de trabalho. Não é um resultado a ser comemorado. Cabe agora correr
contra o prejuízo.
Fonte: IBGE e BCB
Fonte: IBGE e BCB
Publicado no Jornal da
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