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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Recessão e ajuste fiscal


Ricardo Lacerda

Desde 2014 as receitas públicas pararam de crescer. Entre 2004 e 2013, a receita tributaria do governo central cresceu a uma média anual de 5,7% acima da inflação. A partir de 2014 essa receita vem apresentando retração média anual de 3,3%.  A receita total do governo central cresceu notáveis 6,8% ao ano acima da inflação no primeiro período e recuou 4% na média anual desde 2014. As transferências do governo federal para estados e municípios, que haviam crescido 6,4% ao ano até 2013, estagnaram nos anos seguintes. O comportamento das receitas próprias dos estados e municípios não fugiu desse padrão.
No período de bonança, as três esferas de governo assumiram compromissos que se mostraram insustentáveis quando o vento começou a bater de proa. Os gastos não discricionários (de execução obrigatória) foram absorvendo maiores participações nas despesas primárias, comprimindo a disponibilidade de recursos para os gastos não obrigatórios, que envolvem principalmente os investimentos e as despesas para manutenção dos serviços públicos. A escalada dos juros reais somente vem agravando o quadro fiscal. Ainda que esse tema seja tabu para os analistas de mercado, não podemos deixar de destacar o peso decisivo dos juros no crescimento em espiral da dívida pública brasileira nos últimos anos.
Rigidez das despesas
Com a aprovação da lei do teto do gasto público em 2016, em um cenário de receitas rebaixadas e estagnadas, o crescimento dos gastos obrigatórios, na prática já contratado, deverá progressivamente exaurir a disponibilidade de recursos para despesas discricionárias.  
Não é problema trivial, como gostam de dizer os economistas, fazer o ajuste das contas públicas em uma situação de retração tão intensa na arrecadação. Em relação ao pico de 2013, a receita arrecadada pela Receita Federal do Brasil (RFB) apresentou perdas acumuladas de notáveis 184 bilhões de reais nos três anos seguintes, sem contar as perdas na arrecadação previdenciária causadas pelo desemprego em massa.
O sacrifício exigido à população para ajustar as contas públicas com a arrecadação rebaixada e estagnada é muito grande e pode se revelar inexequível na prática. Sem a economia, e com ela a arrecadação, voltar a crescer a taxas pelo menos moderadas o ajuste fiscal exigirá cortes de gastos de tal magnitude que é difícil imaginar capacidade política para serem executados. A situação aparenta mais surreal quando um governo central sem legitimidade e sob acusações de desvios de recursos e desmandos generalizados se arroga o direito de impor de forma arbitrária e sem pactuação social os custos elevados que o ajuste fiscal vai exigir.
A tarefa de perseguir o ajuste, como se sabe, será longa e penosa, se estendendo por muitos anos; nem mesmo os mais arraigados defensores da austeridade fiscal têm coragem de propor um choque fiscal capaz de produzir resultados imediatos, e o ajuste fiscal será impraticável politicamente sem o crescimento da arrecadação.
Dívida pública
 O efeito da recessão sobre a dívida do setor público consolidado pode ser avaliado na figura apresentada. Depois de registrar uma trajetória de forte declínio entre 2002 e 2013, período em que se retraiu de 59,93% para 30,5% do valor do PIB, essa relação cresceu em 2014 e passou a assumir uma trajetória explosiva a partir de 2015. Na comparação entre dezembro de 2013 e abril de 2017, a dívida do setor público consolidado saltou 17,17 pontos percentuais do PIB de doze meses, passando de 30,5% para 47,67% e deverá continuar a crescer nos próximos anos, ainda que em ritmo menos intenso.
É certo que a trajetória das contas públicas já dava sinais de não ser sustentável no longo prazo antes mesmo dos efeitos da recessão se manifestarem sobre a arrecadação, mas não é razoável minimizar o significado da queda das receitas sobre a nossa atual penúria fiscal.
Frente à deterioração acelerada nas contas públicas nos últimos anos, afetando as três esferas de governo, tornou-se premente encaminhar medidas voltadas para o ajuste, o que envolve tanto as despesas previdenciárias quanto outras despesas obrigatórias que asfixiam a situação fiscal dos governos. O caminho adotado pela administração federal tem sido acidentado, desleal e no mínimo pouco criterioso. Difícil imaginar que um governo atolado em denúncias e com legitimidade questionada possa levar adiante tal tarefa.


 Fonte: BCB


Publicado no jornal da Cidade, em 25/06/2017 

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