Ricardo Lacerda
É difícil encontrar argumentos consistentes
de que a reforma trabalhista possa ajudar a reverter a deterioração em curso do
mercado de trabalho brasileiro. As empresas costumam contratar quando a demanda
por seus bens e serviços está em elevação, como ficou cabalmente demonstrado no
ciclo de expansão anterior à atual recessão. O espaço legítimo socialmente para
modificações na legislação trabalhista é delimitado pela necessidade de reduzir
a insegurança jurídica e, eventualmente, eliminar as rigidezes para situações
muito específicas e bem delimitadas, mas jamais deveria enveredar pela precarização
das garantias nas relações de contratação.
Não vai ser ampliando o fosso entre as classes sociais que serão
edificadas as bases para a retomada do desenvolvimento. O que o Brasil precisa
com urgência é estabelecer um novo pacto social, amplo o suficiente, que
viabilize a retomada da formação de uma sociedade aberta e democrática e certamente
muito menos injusta do que é.
O IBGE publicou no último dia 18 os
resultados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua- Trimestral referente
a janeiro-março de 2017. A pesquisa não deixa dúvidas de que a crise do mercado
de trabalho está longe de ter se dissipado; pelo contrário, os indicadores
mostram deterioração adicional da situação.
Ocupação
Os indicadores de ocupação não evoluíram
favoravelmente no 1º trimestre de 2017.
Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a população ocupada
encolheu 1,9%, enquanto o emprego com carteira de trabalho no setor privado se
retraiu em notáveis 3,5%. Quase 1,7 milhão de pessoas perdeu ocupação nesse
período e 1,26 milhão deixou de contar com emprego com carteira assinada no
setor privado. O mais grave é que o ritmo de queda da ocupação não dá mostra de
arrefecimento mais significativo, nessa série que compara com o mesmo trimestre
do ano anterior (ver Gráfico 1).
Fonte: IBGE. PNADc Trimestral.
Enquanto o emprego formal se retrai em ritmo
acentuado, as pessoas procuram alternativas, aceitando relações contratuais sem
proteção adequada: o número
de trabalhadores no setor privado com carteira assinada diminui e o
daqueles sem carteira registrou incremento.O contingente de trabalhadores por conta própria, que
apresentou aumento significativo nas etapas iniciais da recessão, vem decaindo
aceleradamente desde o segundo semestre de 2016, revelando desalento em relação
a esse caminho de inserção no mercado de trabalho.
A situação do mercado de trabalho do Nordeste é particularmente mais
grave. Das 1.692 mil ocupações perdidas na comparação entre o 1º trimestre de
2017 e o mesmo período de 2016, simplesmente 1.073 mil, ou 63,4% do total do
país, se concentraram na região (ver Gráfico 2).
Fonte: IBGE. PNADc Trimestral.
São atividades como o cultivo da cana-de-açúcar, fabricação de produtos
têxteis e construção civil que estão eliminando milhares de ocupação na região,
contaminando os demais setores econômicos, sem que uma resposta apropriada
tenha sido dada pelo governo federal. A eliminação de empregos na cadeia da
construção civil na região assumiu dimensões catastróficas.
Desocupação
A taxa de desocupação e de subutilização da
força de trabalho continuou em elevação, tanto na comparação com o trimestre
setembro-dezembro de 2016, quanto em relação ao mesmo período janeiro–março de
2016.
A taxa de desocupação da força de trabalho
subiu em todas as regiões. Na média do país ela alcançou 13,7%, sendo mais
elevada do que a média no Nordeste (16,3%), Norte e Sudeste (14,2%) e abaixo da
média nas regiões de maior peso do setor agropecuário na ocupação, Sul (9,3%) e
Centro-Oeste (12,0%). A taxa de desocupação subiu em todas as 27 unidades
federadas. Entre os dez estados com taxas de desocupação mais elevadas, seis
integram a região Nordeste, três a região Norte e um (Rio de Janeiro), a região
Sudeste. A Bahia lidera, com taxa de desocupação de 18,6%,
A chamada taxa composta da subutilização da força de trabalho (que agrega as
pessoas desocupadas, aqueles que trabalham menos horas do que desejariam e os
que fazem parte da força de trabalho potencial) continuou em elevação e
alcançou 24,1%, na média do país e 25,6% no caso da região. Assim cerca de um
em cada quatro brasileiros que fazem parte da PEA ou está desocupado ou
trabalha menos do que desejaria ou está temporariamente fora do mercado de
trabalho. Em alguns estados do Nordeste, como Alagoas e Bahia, esse percentual
se situa em torno de 30%.
O grau de ociosidade da força de trabalho
retrata não apenas uma das dimensões mais duras da recessão como também
sinaliza o espaço de crescimento desperdiçado e que estaria imediatamente
disponível.
Infelizmente, com o país dividido
politicamente, ainda não se avista de onde virão as iniciativas para construção
de um novo pacto social, amplo o suficiente para abranger a questões mais
urgentes e essenciais. Não serão medidas que ampliam o apartheid que auxiliarão
na saída da crise política e institucional.
Publicado no Jornal da Cidade, em 28/05/2017
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