Ricardo Lacerda*
Do ponto de vista do ciclo de negócios, o ano
de 2017 representou o ponto de inflexão da trajetória descendente para uma retomada
do nível de atividade. Depois de recuar 3,5% em 2015 e em 2016, acumulando
retração de 6,9% nos dois anos, a economia deverá crescer um pouco menos de 1%,
em 2017, e pouco mais de 2,5% em 2018 (ver Gráfico).
É uma retomada em ritmo modesto, diante da
intensidade da queda. O PIB per capita
demorará alguns anos para atingir o pico de 2013. Serão nove anos, até 2022, para
retornar ao mesmo patamar. Apesar do ritmo vacilante, a economia voltará a
crescer e o mercado de trabalho deverá apresentar melhorias paulatinamente. Há,
todavia, outras questões mais preocupantes sobre o futuro do Brasil.
O ano de 2017 representou também um outro
tipo de transição, depois do ciclo de crescimento com forte inclusão social de
2004-2014, que foi oportunizado, é verdade, pelo cenário externo favorável, mas
que foi movido pelo projeto de consolidar em patamares mais elevados as
promessas de construção de estado de bem-estar inscritas na constituição cidadã
de 1988. 2017 significou também o início do desmonte progressivo do estado de
bem-estar social.
2008
A atual recessão remete a explosão da bolha
imobiliária norte-americana, em 2008, que se desdobrou na crise europeia de
2011, e alcançou os países ditos de mercados emergentes, em 2013, com a o fim do
longo ciclo de valorização de commodities.
A reversão do cenário na economia
mundial, como não poderia deixar de ser, foi impactante, provocando um vendaval
político que derrubou, um a um, os partidos e coalizões políticas então no
poder, tanto no mundo industrializado, como entre os países periféricos.
Assim como as crises cambiais dos
anos noventa haviam levado de roldão os governos de orientação neoliberal, que
não entregaram à população a melhoria de bem-estar prometida pela integração à nova
ordem mundial, a contaminação pela crise financeira internacional induziu ao
encerramento do ciclo de governos de matizes populares e desenvolvimentistas na
América Latina.
Da crise econômica à crise política
A presidente Dilma se defrontou com o
período de reversão do cenário internacional favorável aos países emergentes.
Depois do levante das ruas em 2013, as forças políticas conservadoras e os
mercadistas, não são a mesma coisa, perceberam a oportunidade de retomar o
poder. E a presidente Dilma cometeu muitos erros quando percebeu o cerco político
se fechando à medida que a economia perdia empuxe.
Repetindo o voluntarismo de outras
épocas, a presidente Dilma forçou muito a mão para estimular o nível de
atividade e a economia não respondeu, o que gerou fortes impactos fiscais. Além
de ter cometido erros incompreensíveis, como ter promovido desonerações
generalizadas para setores de atividade e ter permitido por período
demasiadamente longo a defasagem dos preços dos combustíveis e das tarifas de
energia elétrica. Quando o nível de atividade despencou em 2015 e as receitas
desabaram, a situação fiscal brasileira fugiu de controle.
O ajuste e as reformas
Quando a recessão se instalou, os
mercadistas perceberam a oportunidade que tinham pela frente e se associaram aos
setores conservadores e de extrema direita em uma aliança estratégica, com o
propósito de impingir retrocessos às conquistas sociais pactuadas na
constituição cidadã. Se os setores de extrema direita têm uma pauta
conservadora e mesquinha e algumas vertentes chegam a propagar uma agenda
obscurantista, anticientífica e homofóbica, a ameaça real à ao estado de bem-estar
social não vêm deles e sim dos setores mercadistas.
A coluna vertebral das reformas é o rígido
teto de gastos, que engessa as políticas de ajuste e impõe uma redução de
dimensões inéditas do tamanho do estado como proporção do PIB em um horizonte
de vinte anos.
Para cumprir o congelamento dos
gastos estabelecido em lei estão sendo adotadas “reformas” em série que visam
ao fim e ao cabo promover o encolhimento do estado nacional: estatais estão
sendo vendidas a preço de banana e as riquezas minerais estão sendo entregues a
investidores internacionais, assim como extensas terras agrícolas. Essa
coalizão que atualmente comanda a política nacional, liderada pelos
mercadistas, vai dizimar o que resta de indústria nacional e de projeto
nacional de desenvolvimento. E esses setores foram hábeis em manipular o
discurso contra corrupção em favor dos seus propósitos.
Com a profundidade da crise econômica
que atingiu o país, não se enganem, a agenda do ajuste fiscal se impôs. Não há como
contornar esse tema. Nem nacionalmente, nem localmente. A questão é como fazê-lo
de modo inteligente, para reduzir o sofrimento da população, e como distribuir
o seu ônus, sem comprar o pacote pronto das reformas liberais. Em cenário tão
adverso politicamente, os setores populares têm como desafio apresentar uma
proposta coerente e consistente de ajuste fiscal.
Fonte:
IBGE, CNT 2003 a 2016. BCB. Expectativa de mercado, 15/12/2017
Publicado no Jornal da Cidade, em 24/12/2017