Ricardo Lacerda
É irrelevante tratar de economia hoje no Brasil. Os aspectos
econômicos foram decisivos lá atrás, quando a deterioração do cenário
macroeconômico, por fatores primordialmente externos, aos quais se somaram em
um segundo momento os desarranjos internos, abriram espaço para que a crise
política se manifestasse com a intensidade que estamos vivenciando. Depois de
um interregno entre dezembro e fevereiro, em março se reinicia o cerco ao
governo.
Na condução da economia, alguém já afirmou, a questão com que o
país se defronta não é propriamente dominância da pauta fiscal ou monetária, a
dominância é política. A instabilidade política minou a confiança na capacidade
de gestão macroeconômica.
Crise
política
Já são quase três anos, desde as intensas mobilizações de rua em
junho de 2013, em que as dificuldades políticas se acumulam, até atingir a
situação atual de conflagração aberta como há muito tempo não se via no país. De
lá para cá, parcela expressiva da classe média se ergueu em fúria a partir de
São Paulo e contagiou outros segmentos sociais, espalhando-se insatisfação para
as várias regiões do país.
Depois das eleições presidenciais, em outubro de 2014, a
instabilidade política se agravou e a ameaça de impedimento da presidente paralisou
o governo e o país. Deixo para os especialistas a análise do papel da mídia e o
exame do funcionamento das instituições no que tange aos escândalos de
corrupção e como a atuação delas contribuiu para a formação da tempestade
política e econômica que tomou conta do país.
Em cenário tão conturbado, as dificuldades para aprovar as
medidas de ajuste fiscal são apenas um componente no quadro geral da crise de
confiança.
A
deterioração da renda
A correção dos preços administrados, notadamente das tarifas de
energia elétrica e dos combustíveis, e a depreciação cambial aceleraram a
inflação promovendo um impacto tremendo sobre a renda disponível das famílias.
Em conjunto, a depreciação cambial, na magnitude ocorrida em 2015, e a
aceleração inflacionária equivaleram a um choque de oferta adverso, que foi um
dos fatores decisivos no resultado desastroso do PIB.
Em uma situação que combina crise política arraigada e intensa
queda do poder de compra da população produziu-se em 2015 uma das mais mais
profundas retrações do nível da atividade econômica da história recente do
país.
Consumo e
investimento
Os fatores acima referidos, e certamente outros não
considerados, produziram a retração de 3,8% no PIB de 2015 (ver Gráfico 1). O
consumo da família caiu notáveis 4%. Na série iniciada em 1996, somente em 1998
e em 2003 o consumo das famílias tinha apresentado resultados negativos, mas
eles foram pouco expressivos se comparados com a queda em 2015. Em 1998, o
consumo das famílias recuou 0,7% e em 2003 a retração foi de 0,5%.
A formação bruta de capital fixo (FBCF) despencou 14,1%, em 2015.
Na série iniciada em 1996, a maior queda até então havia sido em 1999, de 8,9%,
após a instabilidade causada pela mudança do regime cambial no início daquele
ano, em quadro econômico, sob diversos sentidos, muito mais grave do que o
atual, mas de situação política incomparavelmente mais controlada.
Entre os componentes do dispêndio, somente a redução para cerca
da metade do ano anterior do déficit comercial de bens e serviços exerceu
impacto favorável sobre o PIB de 2015, mas em dimensão relativamente reduzida
frente aos comportamentos das demais variáveis.
Fonte: IBGE-CNT. Observação: Para fins de melhor visualização os
valores dos eixos se encontram na ordem inversa.
Setores
A compressão do poder de compra da população e a crise de
confiança que se instalou provocaram queda de 6,2% na produção industrial, mas
a retração da indústria de transformação foi ainda mais acentuada, 9,7% (ver
Gráfico 2). O total do setor de serviços caiu 2,7% e as atividades comerciais
apresentaram a inédita retração de 8,9%.
A disputa política no país atingiu um grau de conflagração como
há muito não vista. Os desdobramentos da crise política que se instalou são imprevisíveis.
Não dá para afirmar que a economia está em compasso de espera, porque na
verdade ela despenca. Mesmo quando aparentemente já se estava chegando ao fundo
do poço.
IBGE-CNT. Observação: Para fins de melhor visualização os
valores dos eixos se encontram na ordem inversa.
Publicado no Jornal da Cidade, em 06/03/2016
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