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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O elogio ao desequilíbrio e a crítica à fracassomania, as lições de Hirschman

Ricardo Lacerda

O economista alemão naturalizado norte-americano Albert Hirschman (1915-2012)  foi provavelmente o mais inventivo e heterodoxo entre os pioneiros da economia do desenvolvimento, grupo de autores que se dedicaram a ampliar a compreensão sobre a natureza do sudesenvolvimento no pós segunda-guerra.
Quando hoje se fala em adensar as cadeias produtivas ou implantar atividades que gerem efeitos de ligação para frente e para trás nas cadeias de produção, estimulando o crescimento de outras atividades, está se corroborando, muitas vezes sem saber, as ideias elaboradas por Hirschman em sua abordagem de crescimento desequilibrado (ou desbalanceado).
Hirschman se dizia um eterno dissidente. Não seguia as ideias consagradas sem questioná-las criteriosamente e, sobretudo, duvidava da aderência à realidade das noções disseminadas pela teoria convencional.
De sua experiência como economista do Federal Reserve que lidava com as questões de reconstrução de países da Europa Ocidental no pós-guerra, no âmbito do Plano Marshall, concluiu que “as prescrições ortodoxas de política econômica para as estranguladas economias da Europa Ocidental- controle da inflação, correção da taxa de câmbio- eram, a longo prazo, frequentemente ingênuas do ponto de vista político, socialmente explosivas e contraproducentes economicamente”.
Como assessor econômico e financeiro do recém-instalado Conselho Nacional de Planejamento da Colômbia, entre 1952 e 1956, indicado pelo Banco Mundial, reagiu a adotar o cardápio padrão da instituição para elaborar o Plano de Desenvolvimento Econômico mesmo sem conhecer a realidade local, à semelhança do que seria a praxe, nos anos oitenta, dos desastrosos planos de estabilização do Fundo Monetário Internacional em relação aos países endividados da América Latina.
Racionalidades ocultas
Ao invés de adaptar o receituário padrão, que desconfiava que não era adequado às situações específicas de países subdesenvolvidos, Hirschman se propôs descobrir o que ele chamou de racionalidades ocultas, a partir dos processos que de fato funcionavam na realidade colombiana.
Não se propunha a começar tudo do zero, como se o país subdesenvolvido fosse uma folha em branco sobre a qual o visitante ilustrado desenharia o projeto de desenvolvimento. Foi assim, em busca das racionalidades não aparentes que estavam presentes nos processos reais, que Hirschman fez descobertas que se confrontavam com o senso comum, mas que eram imensamente férteis.
Dentre as racionalidades ocultas a de maior alcance era noção de que o desenvolvimento consistia na verdade de uma sequência de desequilíbrios e não a passagem de uma situação de equilíbrio a outra de patamar mais elevado, como era usualmente considerado pelos autores do crescimento equilibrado. Tais autores proponham um planejamento integrado em que se projetava o crescimento simultâneo e balanceado das várias atividades econômicas.
Cadeia de desequilíbrios
Hirschman desconfiava também da eficácia das propostas de planejamento do tipo globalizante, que previa todas ações em detalhes, como as elaboradas pelos autores do crescimento equilibrado. Apesar de bem-intencionadas, julgava que essas ideias eram prepotentes, arrogantes e mesmo perigosas, além de pouco factíveis. Ele fazia severas críticas ao que chamou de “o mito do planejamento do investimento integrado”.
Hirschman entendia que se verificavam desproporções entre os setores que lideravam o crescimento e os demais, produzindo gargalos, escassez e estrangulamentos, provocando sequências de desequilíbrios no próprio curso do desenvolvimento.
Aqui no Brasil, atualmente, fala-se muito no custo produzido pela precariedade da nossa infraestrutura que ficou patenteada com a inserção de milhões de pessoas ao mercado do consumo. Para Hirschman, tais desproporções seriam da natureza do processo de desenvolvimento e cabe ao planejamento minimizá-las mas é insensato acreditar que elas não surgiriam.
Tais desequilíbrios eram inevitáveis e mantidos dentro de certos limites geravam mesmo oportunidades de expansão da economia. Assim, a expansão do setor industrial pressionava o crescimento do setor agrícola ou exigia a ampliação da infraestrutura de transportes e de energia.
O crescimento desbalanceado de Hirschman contemplava também a noção de que não se tratava de buscar promover a combinação ótima de recursos nos países subdesenvolvidos, em uma camisa de força teórica. É como se afirmasse que o ótimo é inimigo do bom, porque é impraticável e, por isso, paralisante.
Não é que Hirschman julgasse positivos os desequilíbrios do processo de desenvolvimento e sim que ele entendia que o desenvolvimento em si gerava uma sequência de desequilíbrios que se cristalizavam em desproporções entre os vários setores da economia, gerando inclusive problemas inflacionários e nos balanços de pagamentos.
Fracassomania
Para Hirschman, ao impor fórmulas prontas para alcançar o desenvolvimento, os organismos internacionais estimulavam um sentimento de inferioridade nos países latino-americanos. Para os técnicos nativos encarregados de executar o planejamento nesses países, os constantes desequilíbrios no balanço de pagamento e os recorrentes descontrole de preços eram vistos como prova renovada de suas inaptidões, gerando desânimo e comportamentos autodepreciativos, aquilo que Nelson Rodrigues jocosamente denominou de complexo de vira-lata.
Hirschman afirmava que a baixa estima causada pela forte condenação de suas realidades impedia os latino-americanos de aprenderem com suas próprias experiências. Cunhou esse desânimo e falta de confiança de fracassomania, termo que décadas depois seria reiteradamente utilizado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
A obsessão em compreender as racionalidades ocultas nos processos de decisão nos países subdesenvolvidos não significava que Hirschman legitimava as irresponsabilidades dos governantes.
Quando nos anos oitenta indagou a si próprio se realmente defendia o crescimento desequilibrado, a desproporção entre os setores, o investimento intensivo em capital, a inflação etc a resposta que se deu foi “sim, mas naturalmente dentro de limites bem determinados”.
Se ele tinha horror às ortodoxias abstratas, descasadas da realidade e que penalizavam as populações desnecessariamente, tampouco legitimava o uso indevido de suas ideias. Mesmo o desequilíbrio no crescimento entre os setores não poderia extrapolar certos limites, sob risco de ser contraproducente e insustentável politicamente.
Na figura apresentada, sobreposição de duas imagens do seu artigo de 1983, sintetizam-se as diferenças entre o crescimento equilibrado (em que os setores A e B cresciam quase na mesma proporção) e o crescimento desequilibrado, em que se verifica desequilíbrios sequenciais no crescimento entre o setor A e o setor B. Mais grave é o crescimento antagônico, quando a expansão de um setor implica na retração do outro.
Ele nunca minimizou as implicações políticas decorrentes das desproporções de ganhos entre beneficiários do crescimento econômico. Bem sabemos como elas são importantes, como mostra a experiência recente no Brasil.



 Fonte: Sobreposição de duas figuras constantes no artigo Confissões de um dissidente: 
a estratégia de desenvolvimento reconsiderada (1983). IPEA.PPE. Vol 13.Nº 1.





Albert Hirschman
(1915-2012)



Publicado no Jornal da Cidade, 03/01/2016 

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