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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Geografia e economia, de Myrdal a Krugman

Ricardo Lacerda

Entre os temas de desenvolvimento econômico, um dos mais desafiantes é o debate sobre os fatores que levam à concentração das atividades econômicas e promovem o desenvolvimento de certas regiões em detrimento de outras.
Algumas questões, especialmente, instigam os investigadores: por que surgem grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro? E por que alguns núcleos populacionais que se destacaram no passado entraram em processo de estagnação ou de esvaziamento econômico e populacional? Estas e outras questões correlatas ocuparam e ocupam um espaço relevante nas preocupações de economistas, urbanistas e geógrafos.
Explicar porque as atividades econômicas são atraídas para alguns locais e regiões é o desafio essencial para entender a formação das desigualdades espaciais de desenvolvimento, como é o caso das enormes disparidades regionais vigentes no Brasil.  
Há de se reconhecer que aspectos políticos, culturais, religiosos e climáticos podem desempenhar papéis decisivos nos movimentos populacionais, mas a nossa abordagem se limitará aos fatores econômicos que influenciam e em alguns casos determinam a concentração geográfica de populações e de atividades econômicas.
Ponto de partida
Em linhas gerais, o aspecto geográfico, dentro de um certo contexto histórico e tecnológico, é o ponto de partida da concentração das atividades de econômicas; as atividades se direcionam para uma localidade por possuir situação privilegiada decorrente de dotação de recursos naturais (disponibilidade de um fluxo de água, de terras aráveis ou minérios) ou pela existência de um porto natural que propicia acessibilidade e articulação com outros núcleos urbanos e regiões.
A partir da localização de um núcleo populacional e de atividade econômica, o crescimento do local e da região vai resultar em sua maior parte da operação de alguns fatores econômicos que são fortemente acumulativos, ou seja, que uma vez iniciada a concentração econômica tendem a ser reforçados endogenamente, pelas suas próprias forças.
Dois dos principais fatores que geram processos cumulativos são a capacidade de produzir excedente que possam ser empregados para ampliar e diversificar as atividades produtivas e a criação de infraestrutura e de outras externalidades econômicas, a exemplo do tamanho do mercado consumidor, que também favorecem a expansão das atividades. À medida que essas economias crescem, acumulam capital e geram infraestrutura e mercado consumidor findam por reforçar o seu potencial de atração de investimentos e de populações em uma espiral crescente.
Aracaju, Salvador e Recife são exemplos de cidades portuárias que surgiram no contexto histórico da economia colonial que induziram não apenas a formação e crescimento de importantes núcleos urbanos como promoveram o desenvolvimento do hinterland em seu entorno. Curiosamente, nem Recife nem Aracaju eram originalmente os núcleos urbanos principais das economias regionais tributárias (as capitais originárias eram Olinda e São Cristóvão, respectivamente), o que suscita questões relevantes sobre as causas das bifurcações/encruzilhadas que surgem no desenvolvimento regional, alterando tendências de concentrações que vinham ocorrendo até então em certas localidades.
Autorreforço e bifurcações
Há dois aspectos a serem considerados sobre as vantagens dos locais e regiões em atrair pessoas e atividades econômicas de forma cumulativa: o primeiro é que as vantagens são sempre relativas a uma região ou local frente a outras regiões ou locais de onde os recursos produtivos, capital e trabalho, podem ser atraídos; o segundo aspecto é que mudanças tecnológicas nas formas de produzir ou de transportar as riquezas podem alterar tais vantagens relativas, redistribuindo as atividades no espaço.
Um exemplo recente de como algumas regiões se tornam vantajosas na atração de investimentos por conta de mudanças tecnológicas na produção ou nas condições de acesso é a nova fronteira agrícola brasileira, a mesorregião do MAPITOBA (acrônimo formado pelas iniciais de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), cuja ocupação e expansão somente se consolidaram nos últimos vinte ou trinta anos.
Myrdal e Krugman
Nos anos cinquenta Gunnar Myrdal (1898-1987) apresentou o conceito de causação circular cumulativa, que buscava explicar os processos de concentração da riqueza em alguns países (e regiões) e o esvaziamento econômico de outros.
No processo de concentração de riqueza, as regiões e os países mais desenvolvidos, por possuírem infraestrutura mais adequada e mercados maiores e com ritmos de crescimento mais intensos, tendiam a receber mais investimentos nos setores modernos da economia que operam com economias de escala e requerem um amplo mercado consumidor, se distanciando de forma cumulativa em relação aos países e regiões subdesenvolvidas, apesar das diferenças do custo do trabalho entre eles.
Para Myrdal, o crescimento de uma região específica poderia gerar efeitos propulsores sobre a economia de outras regiões quando gera demanda por bens nelas produzidos.
Ao lado dos efeitos propulsores, todavia, podem ser gerados efeitos regressivos sobre as demais regiões, quando o crescimento da região mais dinâmica atrai recursos produtivos, capital e trabalho, das áreas subdesenvolvidas, podendo provocar o seu esvaziamento econômico, como teria acontecido com a região do Nordeste Brasileiro nos anos cinquenta.
A ação do Estado, para Myrdal, seria justificada exatamente pela necessidade de interromper o processo de concentração regional do desenvolvimento e, através da indução dos investimentos e da criação de externalidades, dar partida a processos de causação cumulativa favoráveis às áreas mais pobres.
Nos anos noventa, Paul Krugman (1953-) sistematizou o estudo das forças que levam à concentração e aquelas que induzem à desconcentração espacial das atividades econômicas quando vigoram economias de escala e estruturas de mercado imperfeitas, em torno do que denominou de a Nova Geografia Econômica.
Para Krugman, a presença de economias de escala em diversos segmentos da atividade econômica moderna, como nas atividades industriais, pode causar efeitos de autorreforço que explicariam a concentração das atividades de forma crescente em determinados lugares.
Mais do que Myrdal, Krugman destaca que acontecimentos históricos podem alterar tendências de concentração, quando ocorreriam as bifurcações de que falamos acima. De forma semelhante, mudanças tecnológicas ou institucionais (como a abertura comercial) que impactam as economias de escala e/ou os custos de transporte e de comunicação podem inverter os mecanismos de causação cumulativa, que poderiam passar a operar favoravelmente a algumas regiões até então perdedoras.

Um e outro, Myrdal e Krugman, apontaram que a ação do estado pode ser decisiva para alterar as tendências de concentração, pois as intervenções de governo podem operar como um acontecimento histórico (ou acidente) que impacta essas forças.
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008


Publicado no Jornal da Cidade, 20/12/2015


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