Ricardo Lacerda
Entre os temas de desenvolvimento econômico, um dos mais
desafiantes é o debate sobre os fatores que levam à concentração das atividades
econômicas e promovem o desenvolvimento de certas regiões em detrimento de
outras.
Algumas questões, especialmente, instigam os investigadores: por
que surgem grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro? E por que
alguns núcleos populacionais que se destacaram no passado entraram em processo
de estagnação ou de esvaziamento econômico e populacional? Estas e outras
questões correlatas ocuparam e ocupam um espaço relevante nas preocupações de
economistas, urbanistas e geógrafos.
Explicar porque as atividades econômicas são
atraídas para alguns locais e regiões é o desafio essencial para entender a
formação das desigualdades espaciais de desenvolvimento,
como é o caso das enormes disparidades regionais vigentes no Brasil.
Há de se reconhecer que aspectos políticos, culturais, religiosos
e climáticos podem desempenhar papéis decisivos nos movimentos populacionais,
mas a nossa abordagem se limitará aos fatores econômicos que influenciam e em
alguns casos determinam a concentração geográfica de populações e de atividades
econômicas.
Ponto de
partida
Em linhas gerais, o aspecto geográfico, dentro de um certo
contexto histórico e tecnológico, é o ponto de partida da concentração das
atividades de econômicas; as atividades se direcionam para uma localidade por possuir
situação privilegiada decorrente de dotação de recursos naturais (disponibilidade
de um fluxo de água, de terras aráveis ou minérios) ou pela existência de um
porto natural que propicia acessibilidade e articulação com outros núcleos
urbanos e regiões.
A partir da localização de um núcleo populacional e de atividade
econômica, o crescimento do local e da região vai resultar em sua maior parte da
operação de alguns fatores econômicos que são fortemente acumulativos, ou seja,
que uma vez iniciada a concentração econômica tendem a ser reforçados
endogenamente, pelas suas próprias forças.
Dois dos principais fatores que geram processos cumulativos são a
capacidade de produzir excedente que possam ser empregados para ampliar e diversificar
as atividades produtivas e a criação de infraestrutura e de outras
externalidades econômicas, a exemplo do tamanho do mercado consumidor, que também
favorecem a expansão das atividades. À medida que essas economias crescem,
acumulam capital e geram infraestrutura e mercado consumidor findam por
reforçar o seu potencial de atração de investimentos e de populações em uma
espiral crescente.
Aracaju, Salvador e Recife são exemplos de cidades portuárias
que surgiram no contexto histórico da economia colonial que induziram não
apenas a formação e crescimento de importantes núcleos urbanos como promoveram
o desenvolvimento do hinterland em seu entorno. Curiosamente, nem Recife nem
Aracaju eram originalmente os núcleos urbanos principais das economias
regionais tributárias (as capitais originárias eram Olinda e São Cristóvão,
respectivamente), o que suscita questões relevantes sobre as causas das bifurcações/encruzilhadas
que surgem no desenvolvimento regional, alterando tendências de concentrações que
vinham ocorrendo até então em certas localidades.
Autorreforço
e bifurcações
Há dois aspectos a serem considerados sobre as vantagens dos
locais e regiões em atrair pessoas e atividades econômicas de forma cumulativa:
o primeiro é que as vantagens são sempre relativas a uma região ou local frente
a outras regiões ou locais de onde os recursos produtivos, capital e trabalho,
podem ser atraídos; o segundo aspecto é que mudanças tecnológicas nas formas de
produzir ou de transportar as riquezas podem alterar tais vantagens relativas,
redistribuindo as atividades no espaço.
Um exemplo recente de como algumas regiões se tornam vantajosas
na atração de investimentos por conta de mudanças tecnológicas na produção ou nas
condições de acesso é a nova fronteira agrícola brasileira, a mesorregião do
MAPITOBA (acrônimo formado pelas iniciais de Maranhão, Piauí, Tocantins e
Bahia), cuja ocupação e expansão somente se consolidaram nos últimos vinte ou
trinta anos.
Myrdal e
Krugman
Nos anos cinquenta Gunnar Myrdal (1898-1987) apresentou o
conceito de causação circular cumulativa, que buscava explicar os processos de
concentração da riqueza em alguns países (e regiões) e o esvaziamento econômico
de outros.
No processo de concentração de riqueza, as regiões e os países
mais desenvolvidos, por possuírem infraestrutura mais adequada e mercados
maiores e com ritmos de crescimento mais intensos, tendiam a receber mais investimentos
nos setores modernos da economia que operam com economias de escala e requerem
um amplo mercado consumidor, se distanciando de forma cumulativa em relação aos
países e regiões subdesenvolvidas, apesar das diferenças do custo do trabalho entre
eles.
Para Myrdal, o crescimento de uma região específica poderia
gerar efeitos propulsores sobre a economia de outras regiões quando gera
demanda por bens nelas produzidos.
Ao lado dos efeitos propulsores, todavia, podem ser gerados efeitos
regressivos sobre as demais regiões, quando o crescimento da região mais
dinâmica atrai recursos produtivos, capital e trabalho, das áreas subdesenvolvidas,
podendo provocar o seu esvaziamento econômico, como teria acontecido com a
região do Nordeste Brasileiro nos anos cinquenta.
A ação do Estado, para Myrdal, seria justificada exatamente pela
necessidade de interromper o processo de concentração regional do
desenvolvimento e, através da indução dos investimentos e da criação de
externalidades, dar partida a processos de causação cumulativa favoráveis às
áreas mais pobres.
Nos anos noventa, Paul Krugman (1953-) sistematizou o estudo das
forças que levam à concentração e aquelas que induzem à desconcentração espacial
das atividades econômicas quando vigoram economias de escala e estruturas de mercado
imperfeitas, em torno do que denominou de a Nova Geografia Econômica.
Para Krugman, a presença de economias de escala em diversos
segmentos da atividade econômica moderna, como nas atividades industriais, pode causar efeitos de autorreforço que explicariam a concentração das atividades de
forma crescente em determinados lugares.
Mais do que Myrdal, Krugman destaca que acontecimentos
históricos podem alterar tendências de concentração, quando ocorreriam as
bifurcações de que falamos acima. De forma semelhante, mudanças tecnológicas ou
institucionais (como a abertura comercial) que impactam as economias de escala
e/ou os custos de transporte e de comunicação podem inverter os mecanismos de
causação cumulativa, que poderiam passar a operar favoravelmente a algumas regiões
até então perdedoras.
Um e outro, Myrdal e Krugman, apontaram que a ação do estado
pode ser decisiva para alterar as tendências de concentração, pois as
intervenções de governo podem operar como um acontecimento histórico (ou
acidente) que impacta essas forças.
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008
Publicado no Jornal da Cidade, 20/12/2015
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