Ricardo Lacerda
A conjuntura política e econômica se encontra tão convulsionada
que talvez seja mais produtivo tratar de questões de desenvolvimento no longo
prazo. Um dos temas de maior relevância e que mais divide os especialistas é o
papel que cabe ao estado na promoção do desenvolvimento de uma nação ou região
pobre.
No período que seguiu ao final da segunda guerra mundial, foram
elaboradas as ideias centrais do que ficou conhecido como a Era da Alta Teoria
do Desenvolvimento, que viria embalar as políticas desenvolvimentistas que se
disseminaram por uma parte expressiva do globo terrestre.
Gunnar Myrdal (1898-1987) foi uma das principais lideranças
intelectuais do movimento que se propagou nos anos cinquenta e sessenta em prol
de promover o desenvolvimento entre as nações pobres. Convidado pelas Nações
Unidas para investigar a situação social e econômica em vários continentes,
Myrdal fez um duro diagnóstico sobre
desigualdades entre os países e percebeu a tendência de que elas ampliassem com
o tempo, caso políticas não fossem deliberadamente adotadas com o fim de
alavancar o crescimento econômicos entre as nações mais carentes.
O Grande
Despertar
Intelectual com forte compromisso social, um dos principais
idealizadores do moderno Estado do Bem-Estar na Suécia, Myrdal acreditava que a ação forte e
coordenadora do Estado Nacional era o principal instrumento para superar a
estagnação dos países pobres e se contrapor ao ciclo de causação cumulativa quando
predomina o laissez-faire, que tendia a favorecer os países e as regiões mais
desenvolvidas à custa do esvaziamento econômico das áreas pobres.
Myrdal havia percebido nas missões que fizera a convite das Nações
Unidas no imediato pós-guerra que os povos dos países subdesenvolvidos estavam
cada vez mais conscientes das enormes desigualdades internacionais e do direito
que tinham de reivindicar padrões de renda mais altos e atingir nível elevado
de bem-estar.
A essa consciência que se disseminava pelo mundo ele chamou de o
Grande Despertar, “ a consciência pública perante os fatos das desigualdades
econômicas”.
O
Planejamento
Pragmático, Myrdal não contrapunha o fortalecimento da ação do
Estado ao crescimento do setor privado. Pelo contrário, acreditava que a ação
coordenadora dos governos nacionais poderia ampliar as oportunidades de
crescimento para a iniciativa privada. Afirmava que “se um país subdesenvolvido
consegue iniciar e manter um processo acumulativo de desenvolvimento econômico,
haverá mais e nunca menos espaço para a iniciativa privada já existente ou que
venha a promover- se nele”.
O Planejamento Nacional tinha como principal objetivo ampliar o
montante de investimentos que transformariam e elevariam a capacidade produtiva
dos países pobres, a fim de acelerar o crescimento econômico e aumentar os
níveis de renda da população. Para ele, o Plano Nacional de Desenvolvimento
deveria ser exaustivo, determinando não apenas o investimento global mas fazer
todo um detalhamento setorial dos recursos necessários para ampliar a
infraestrutura de transporte, a oferta de energia, a produção agrícola, entre
outros.
Não menos importantes eram os investimentos em educação e saúde,
com o duplo propósito de melhorar a qualidade de vida da população e aprimorar
os recursos humanos.
A década
neoliberal
Myrdal e demais autores da era da Alta Teoria do Desenvolvimento
começaram a perder a batalha nos anos oitenta mas foi na década seguinte que a
hegemonia das políticas liberais se consolidou.
Os anos noventa, apelidados de “a década neoliberal”, procuraram
enterrar para todo o sempre as experiências desenvolvimentistas que vigoraram
na América Latina na maior parte do período iniciado no pós segunda-guerra
mundial e que se estendeu até os anos oitenta.
A onda neoliberal penetrou profundamente na América Latina a
partir das eleições de Collor e de Fernando Henrique, no Brasil, Carlos Menem,
na Argentina, Fujimori, no Peru, entre outros. Em comum, adotaram com maior ou
menor determinação o receituário conhecido como o Consenso de Washington, uma
especie de cartilha que recomendava equilibrio fiscal, abertura comercial e
financeira, e menor presença do estado no setor produtivo, cedendo espaço para
o investimento privado. Frente à abundância de capital na economia mundial,
dispensava-se o esforço de acumulação liderado pelo Estado, proposto pelos
economistas desenvolvimentistas do pós-guerra.
O consenso formado nos anos noventa foi muito crítico às
experiências de promoção do desenvolvimento industrial na América Latina. Ainda
que muitos países da região tenham logrado avançar em direção à montagem de um
parque industrial importante, deixando para trás o período primário-exportador,
entendiam tais críticos que as políticas adotadas criaram uma estrutura produtiva
ineficiente que desperdiçava recursos escassos e teriam gerado uma classe
empresarial rentista, desacostumada à competição.
Para esses críticos, as falhas de governo teriam se revelado tão
ou mais prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social do que as injustiças
e insuficiências causadas pela operação do “livre mercado” e da mão visível das
grandes empresas. Era o início do triunfo da opção liberal, na virada dos anos
oitenta para os anos noventa.
A crise cambial da segunda metade dos anos noventa, iniciada no
leste asiático e que transbordou para a América Latina, frustou e mostrou os
limites da opção liberal no subcontinente.
O regime neoliberal dos anos noventa não entregou minimamente o
paraíso prometido. Não foi capaz de assegurar a estabilização da economia, em
um sentido amplo, muito menos de realizar a transformação produtiva e social
que acalentou (e acalenta) gerações de planejadores de políticas públicas e de
uma consciência social que se arraigou entre a população.
Um a um os regimes liberais sucumbiram no subcontinente ainda
que as coalizações políticas que emergiram não tivessem promovido o retorno às
economias reguladas do périodo pré-globalização, não mais condizentes com as
novas dinâmicas da economia mundializada.
O papel do Estado no desenvolvimento não é um tema fácil de se enfrentar
em um país como o Brasil e um subcontinente como a América do Sul. O desafio se
encontra em mobilizar o Estado Nacional para superar as debilidades de países
marcados por fortes desigualdades sociais e por bases produtivas
subdesenvolvidas.
Por outro lado, não menos difÍceis de enfrentar são os desafios
colocados pela atuação desinibida
de uma elite patrimonialista que, secundada pelo cerco de
segmentos médios, se apropria, legalmente ou não, de parcelas expressivas dos
recursos que são mobilizados pelo setor público.
Nos dias atuais, frente aos efeitos da crise internacional que
se instalou depois de 2008, uma nova onda liberal deverá se espraiar na região,
com elevados custos sociais. Que as ideias de Gunnar Myrdal nos iluminem.
Gunnar Myrdal, Prêmio Nobel de Economia de 1974
Publicado no Jornal da Cidade, em 13/12/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário