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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Produção industrial e desindustrialização

Ricardo Lacerda

A crise financeira internacional vem impondo novos desafios para a indústria brasileira. A estagnação da produção industrial em 2011, com taxa de crescimento de apenas 0,3%, gerou uma onda de pessimismo sobre o futuro da indústria e reabriu a temporada de vaticínios sobre a desindustrialização do país.

O debate, da forma como vem se desenvolvendo, produz mais calor do que luz. É muito difícil captar o quanto das dificuldades recentes da indústria brasileira decorre de fatores conjunturais, como a valorização do real, a queda da demanda nos mercados centrais e o recrudescimento do protecionismo comercial, e quanto se relaciona com transformações mais estruturais, como a ascensão da China no cenário mundial, o deslocamento da indústria manufatureira do ocidente para o extremo-oriente e mesmo de uma mudança de mais longo prazo do patamar do câmbio e dos salários reais no Brasil.

Em outros termos, cabe perguntar quais são as possibilidades de crescimento da indústria brasileira quando as economias centrais retomarem um ritmo de crescimento de 3% ao ano e as medidas de proteção aos mercados internos refluírem. Assim como não está fora do horizonte os Estados Unidos se reinventarem enquanto nação manufatureira, o Brasil poderá retomar a trajetória expansão sustentada e menos errática da produção industrial. O câmbio faz muita diferença.


PIB industrial
O efeito mais conjuntural da crise internacional sobre a indústria de transformação pode ser observado no gráfico a seguir. Considerando-se apenas o ciclo expansivo mais recente, iniciado em 2004, pode-se perceber que a trajetória de crescimento da indústria de transformação descolou da do PIB a partir do 4º trimestre de 2008, quando a crise de confiança se instaurou na economia mundial e que, desde então, mesmo com o crescimento de 10,1% PIB industrial de 2010, o quadro da indústria se tornou problemático.

Igualando a 100 o valor do 4º trimestre de 2003, na série já com ajuste sazonal, o índice do PIB da indústria de transformação alcançava 122,5 no 3º trimestre de 2008 frente aos 127,6 do total do PIB. Apesar da discrepância, a indústria de transformação seguia relativamente de perto o crescimento do PIB e o diferencial de ritmo era até certo ponto natural, tendo em vista o papel do aumento real dos salários e do incremento do crédito às famílias no ciclo expansivo, que impactava diretamente nas atividades comerciais e de serviços.

As trajetórias mudam radicalmente do final de 2008 em diante, com o aumento do hiato entre as trajetórias do PIB e da indústria de transformação. Ao final do 3º trimestre de 2011, último dado disponível, o índice do PIB da indústria de transformação era de 118,8, abaixo do patamar do 3º trimestre de 2008, informando que já contam três anos de estagnação da produção industrial, enquanto o PIB se recuperava e atingia o índice de 137,6 (ver gráfico).

Fonte: IBGE- Contas trimestrais.

Produção física
Os dados de produção física delineiam de forma clara esses dois períodos. Enquanto a produção física da indústria brasileira cresceu à taxa robusta de 5,0% ao ano entre 2003 e 2007, o ritmo de crescimento anual desacelerou para 1,4%, entre 2008 e 2011, na série acumulada de 12 meses sobre igual período anterior. É difícil falar em desindustrialização quando a produção física está crescendo a 5% ao ano, mesmo quando o setor vem perdendo peso no PIB em uma perspectiva de prazo mais longo.

O fato é que tem havido fortes divergências nas taxas de crescimento entre as diferentes atividades da indústria, indicando desestruturação de algumas cadeias produtivas. Em relação à produção física de 2002, a fabricação de veículos automotivos em dezembro de 2011, descontados os efeitos sazonais, mais do que dobrou (109%), a fabricação de bebidas cresceu 50%, papel e celulose, 38%, minerais não metálicos, 29%, enquanto outras atividades mais dependentes do mercado externo e da concorrência com importados apresentaram fortes recuos, como fabricação de calçados e couros (-38%), vestuário (-25%) e têxtil (-17%).

Em termos mais estruturais, além do patamar do câmbio, que implica em aumento de custos na veia, o debate sobre a perda de competitividade da indústria brasileira envolve as notórias deficiências de logística, os custos financeiros elevados e outros elementos do que ficou convencionado chamar de Custo Brasil.

Ainda assim, superados os principais entraves e retomado o crescimento nas economias centrais há muito espaço para a expansão da indústria brasileira, tanto nos segmentos mais tradicionais intensivos em mão-de-obra, com a incorporação ao mercado formal de milhões de trabalhadores brasileiros que se encontram hoje em atividades de baixa produtividade, quanto nos segmentos que dependem da exploração da base de recursos naturais. Mais difícil é fazer a passagem para os segmentos intensivos em conhecimento. E esse é o grande desafio de médio e longo prazos.


Publicado no Jornal da Cidade de 05/12/2012



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