A temática do setor externo da economia brasileira não tem recebido muita atenção por parte dos analistas e do público em geral. Afinal, a posição de nossas reservas internacionais que, no conceito de liquidez, atingiram o montante de US$ 352 bilhões ao final de 2011, propicia uma sensação de conforto nas relações externas, deixando para trás, espera-se que definitivamente, os tempos mais duros de intensa instabilidade, de forma que assistimos com relativo distanciamento, como em um filme que mostra uma paisagem exótica, os abalos financeiros dos países da periferia européia.
Todavia, acompanhar com acuidade as relações econômicas externas é importante não apenas nos momentos de crise aguda, seja porque elas afetam a dinâmica econômica interna do momento atual, seja porque antecipam os possíveis desdobramentos nos anos seguintes. Em geral, o público presta mais atenção ao saldo da balança comercial, que compara exportações e importações, e a variação das reservas internacionais, não se detendo na conta de serviço e na conta das transações de capital.
No final de janeiro, o Banco Central publicou a Nota do Setor Externo referente ao ano de 2011. O balanço de pagamentos registrou superávit de US$ 58,6 bilhões, impactando positivamente no volume de nossas reservas internacionais. A balança comercial, em 2011, apresentou uma importante melhoria, alcançando o saldo de US$ 29,8 bilhões, frente aos US$ 20,1 bilhões do ano anterior, por conta do excelente desempenho das exportações que bateram recorde, alcançando o montante de US$ 256 bilhões, um incremento de 26,%. As importações também tiveram crescimento robusto em 2011, de 24,5%.
Déficit corrente
Os resultados muito favoráveis na balança comercial e no saldo final do balanço de pagamento deixaram em segundo plano o fato de que a conta de transações correntes atingiu o maior déficit já registrado, U$ 52,6 bilhões. Como a conta de transações correntes é a soma da balança comercial e da balança de serviços e rendas, e como o saldo comercial foi muito favorável, isso implica que o saldo de serviços e rendas foi desfavorável e de dimensão muito grande (US$ 85,3 bilhões). Desse total, US$ 39,9 bilhões correspondem ao déficit que tivemos nos chamados serviços produtivos, incluindo turismo, seguro, aluguel de máquinas e equipamentos, frete, consultoria, entre outros, e o déficit US$ 47,3 bilhões de rendas, incluindo pagamento de juros e remessas de lucro. Não são valores desprezíveis.
Ainda assim, tais resultados não são motivo de preocupação, nem mesmo de atenção, porque estão sendo amplamente financiados pela entrada de capitais externos, seja por meio de empréstimo, seja através de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), em volume tal que permite ampliar o volume de nossas reservas.
Períodos
O gráfico, a seguir, apresenta os valores do saldo de transações correntes, do saldo comercial e dos investimentos estrangeiros diretos (IED), entre 1995 e 2011. É possível observar algumas relações interessantes. Entre 1995 e 2002, a conta de transações correntes manteve-se deficitária, com a balança comercial também negativa, pelo menos até o ano 2000. Na verdade, o déficit comercial começou a encolher rapidamente após a mudança do regime cambial no inicio de 1999.
Entre 2003 e 2007, o Brasil obteve sucessivos saldos positivos na conta de transações correntes. O saldo da balança comercial inverteu, apresentando crescentes superávits, até 2006, para o que contou a extraordinária elevação dos preços das commodities brasileiras no mercado internacional, impulsionada pelo aquecimento da demanda da China.
Desde 2008, os desempenhos dessas contas entraram em outra etapa: os saldos comerciais oscilam em torno de um patamar elevado, mas inferior aos do período 2005-2007; a conta de transações correntes passa a apresentar uma trajetória acelerada de crescimento nos seus déficits, causados pela piora da conta de serviços e rendas, cujo resultado negativo mais do que dobrou desde 2007. Parte expressiva do aumento do déficit decorre de viagens internacionais e de alugueis de equipamentos, esses últimos, talvez, associados aos investimentos na exploração de petróleo.
O déficit nos serviços de juros e no pagamento de lucros cresceu 64%, nesse período. Os déficits na conta de transações correntes vêm sendo, como assinalamos, facilmente financiados pelos Investimentos Estrangeiros Diretos, que somaram US$ 66,7 bilhões apenas em 2011 (ver no Gráfico), não constituindo ameaça no curto prazo. Podem ser mesmo entendidos, parcialmente, como necessários para acelerar o crescimento econômico, mas uma trajetória com aumentos tão acentuados no déficit das contas correntes não é, definitivamente, confortável a longo prazo.
Ao fim e ao cabo, resulta de uma combinação de câmbio e de diferenciais internacionais de taxa de juros e de ritmo de crescimento que não são sustentáveis.
Publicado no Jornal da Cidade, 12/02/2012
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