Ricardo Lacerda
https://osdivergentes.com.br/outras-palavras/superar-a-crise-institucional-e-mais-importante-que-resultado-das-eleicoes/
Virou lugar comum afirmar que o ano de 2018 já estaria perdido. Restaria esperar que o bloco político ungido nas eleições de outubro próximo
venha a ter capacidade de reorganizar o país e prepará-lo para deixar para trás
o período de instabilidade política e institucional que nos imobiliza nos
últimos anos. Do ponto de vista do crescimento econômico, o governo eleito
teria a legitimidade para propor as mudanças necessárias para superar a crise
de confiança que estaria na raiz da debilidade da recuperação do nível de
atividade.
Essa narrativa pode fazer sentido, mas é preciso matizar melhor o que se
encontra em jogo para, mais uma vez, não vender ilusões. Não vai ser fácil
conferir um mínimo de estabilidade institucional e coesão interna para retirar
o país da atual situação de entropia.
A ponte que ruiu
Não esqueçamos de que o governo atual, com o respaldo estridente da
banda de música da imprensa e do mercado financeiro, dava como certo que o
programa de reformas e de ajuste fiscal sintetizado no documento Uma Ponte para
o Futuro conduziria à redenção do país.
Dois anos depois, vimos que não foi bem assim. Pelo contrário,
continuamos nos afundando mais e mais na crise política e institucional, com
evidentes implicações na vida econômica. Há quem defenda, em simplismo
exacerbado, que a transição conduzida pela dupla Michel Temer- Henrique Meirelles não foi bem sucedida
porque a gravação da JBS comprometendo pessoalmente o presidente da república
em denúncias de corrupção jogou por terra as condições de promover as reformas
propostas.
O que em outras palavras essa linha de argumentação está afirmando é que
a implantação das reformas previstas no documento citado imporia a distribuição
de perdas que o ajuste fiscal exigiria, superando a situação de impasse, como também
definiria as condições de sustentabilidade fiscal no médio e longo prazos e
estabeleceria regras de regulação econômica mais amigáveis ao mercado. Depois
de um período delimitado de purgação, mais dolorosa para uns do que para
outros, o paraíso estaria logo ali na frente: a economia retomaria e o emprego
voltaria a se expandir, conferindo legitimidade e apoio ao plano de transição.
O padrão raso dessa perspectiva indica não apenas o quanto os economistas podem
ser prepotentes, como reflete os equívocos a respeito da gravidade da crise
institucional em que estamos enredados.
Crise institucional
O fracasso do plano Michel Temer- Henrique Meirelles não foi em vão. Afastada a abordagem
mais simplista, que procura reduzir a dinâmica social, política e institucional
à dimensão de mercado, vão assentando posições mais refletidas sobre a natureza
da nossa crise e, por conseguinte, dos caminhos de sua superação.
Foram ganhando maior presença na grande imprensa manifestações de
articulistas revelando preocupações com os embaraços institucionais em que
fomos nos enredando e que criaram disfuncionalidades não apenas na operação da
economia, como também no sistema judicial e nos mecanismos de controle de
despesa pública.
Tais disfuncionalidades decorreram, em sua essência, da proposição de
soluções ad hoc para problemas que ganhavam visibilidade, como os desvios nos
gastos públicos e a disseminação de conluios entre políticos e agrupamentos
empresariais. Na busca de enfrentar tais desvios, atropelou-se a constituição
federal, judicializou-se a política, desequilibrou-se a relação entre os
poderes e fez-se pouco caso dos direitos individuais, conferindo inclusive mais
instabilidade nas relações contratuais e não mais segurança institucional como
o funcionamento dos mercados demanda.
As eleições são sim uma oportunidade para o país buscar retomar o rumo
do desenvolvimento econômico e social, o que pressupõe equacionar a
distribuição dos custos dos ajustes econômicos. Mas isso não é automático. É
uma construção política. Apostar no retrocesso institucional em nome do
reequilíbrio fiscal e do combate à corrupção é uma opção equivocada e uma conta
que em parte cabe aos economistas.
Carmen
Lúcia- Presidente do Supremo Tribunal Federal
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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