Ricardo Lacerda
https://osdivergentes.com.br/outras-palavras/estamos-sentados-em-um-barril-de-polvora/
Sim e não. Há sim
uma insatisfação generalizada entre a população pobre e uma grande frustração
da classe média que apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas a
probabilidade que o atual cenário de desalento conforme um quadro de convulsão
social de grandes proporções ou que ocorram manifestações gigantes de rua, como
em 2013 e em 2016 (tipicamente mobilizações de classe média) ainda é
relativamente baixa.
A greve dos
caminheiros, com o suporte de locaute das transportadoras, paralisou, em um pouco
mais de 24 horas, o país de Norte a Sul. O impacto sobre o suprimento de
combustíveis, de alimentos e de componentes para as linhas de produção de
atividades industriais foi quase que imediato. Direta e indiretamente todos os
principais modais de transporte foram afetados; seja por conta da falta de
combustíveis, seja por dificuldade de acesso, a operação de portos, aeroportos
e rodovias foi prejudicada. Nos centros urbanos, as redes de postos de
combustíveis, supermercados e centrais de abastecimentos não tardaram a ser
afetadas por problemas de suprimento.
A possibilidade de
desabastecimento, mais do que o desabastecimento em si, não chegou a provocar
pânico, mas gerou um frenesi que se alastrou feito pólvora, em uma velocidade
espantosa, mobilizando a atenção de toda a população. Apesar dos
constrangimentos e desconfortos causados, a maioria da população,
aparentemente, foi simpática à paralisação, como se os protestos dos
caminhoneiros em relação às seguidas elevações nos preços do diesel traduzissem
a insatisfação generalizada da população, que foi amplificada nas últimas
semanas em razão dos aumentos quase diários nos preços da gasolina. Pairou um
sentimento de catarse coletiva, como que cristalizando a insatisfação
generalizada com os rumos do país.
Onda de insatisfação
Sob certo sentido,
havia uma percepção de que uma onda de insatisfação com a crise econômica, com
tudo que ela vem representando de desemprego e perdas de rendimento, com
milhões de famílias sem alternativas de renda, poderia estourar a qualquer
momento, para além da espiral de violência urbana que presenciamos. Nem o mais
desavisado dos cidadãos deixou de perceber que as ruas das cidades médias e
grandes se encheram nos últimos dois anos de biscateiros, de vendedores de
balas, frutas e legumes e de malabaristas e flanelinhas nos semáforos.
Ainda que
improvável, a onda de insatisfações poderia ter surgido como convulsão social,
brotada por meio de saques a supermercados e feiras livres, invasões em massa
de prédios abandonados ou imolações públicas, a exemplo do que aconteceu na
Tunísia em 2011, ainda que essa última não seja uma modalidade de protesto
encontrada no hemisfério ocidental. Ou por meio de ações de setores mais
estruturados, como greves gerais de trabalhadores ou, como se deu, a partir de
paralisação dos caminhoneiros e transportadoras. Ou ainda, por meio de nova
rodada de manifestações de rua.
Não dá nem mesmo
para afirmar que a mobilização dos caminhoneiros antecipe ou vá se desdobrar em
outros movimentos de reinvindicação ou de protesto, mas a alma dos brasileiros
está plena de insatisfações, ainda que não pareça que esteja pronta para
explodir como um barril de pólvora.
Juros, câmbio, óleo e eleições
Em um cenário de
penúria e desalento da população pobre e de frustração e de queda do poder de
compra de amplas parcelas da classe média, por um período que já se estende por
mais de três anos, novos fatores negativos estão se sobrepondo e podem ser
sintetizados em quatro elementos básicos: juros, câmbio, preço do barril de
petróleo e instabilidade política interna.
A expectativa de
elevação da taxa de juros básicas dos EUA provocou desvalorização generalizada
das moedas dos países periféricos e pôs em perspectiva dificuldades crescentes
para as economias desses países se financiarem externamente. Desvalorização
cambial e elevação dos juros externos impactam diretamente o endividamento em
dólar de empresas brasileiras e podem gerar algum impacto sobre os preços
internos, ainda que a recessão venha cuidando de manter os preços bem
comportados.
Brent
A cotação do barril
de petróleo vem em uma espiral ascendente desde maio do ano passado por conta
de acordo entre alguns dos principais países fornecedores para limitar a oferta
mundial. Mais recentemente, a ameaça de que os EUA rompa unilateralmente o acordo
internacional de controle do programa nuclear do Irã, o que pode alijar a
oferta desse país do mercado, trouxe novo impulso aos preços, de forma que a
cotação do barril do brent esteja se aproximando celeremente de US$ 80.
Diante da política
de preços adotada pela Petrobras de repassar imediatamente para os preços as
variações da cotação do produto no mercado internacional corrigidas em reais
pelas oscilações diárias do câmbio, o preço médio da gasolina ao consumidor
subiu algo em torno de 18% desde julho de 2017. Quando, recentemente, o preço
do litro de gasolina na bomba ultrapassou cinco reais em algumas cidades o
sinal de alerta acendeu, patenteando que algo não ia bem com uma politica de
preço que implica remarcações para cima quase diárias.
A nova política da
Petrobras para os preços dos derivados de petróleo talvez não se sustente por
muito tempo. Assim como o controle político do preço trouxe diversos prejuízos
à empresa e consequências duras para o país, a modalidade de liberação adotada,
acoplando os preços internos de forma imediata aos preços
internacionais corrigidos pelo câmbio causa forte instabilidade e
imprevisibilidade. Ficou patenteado que o sistema adotado pela Petrobras não se
adequa à realidade de um país sujeito a fortes oscilações no câmbio. É de fato uma insensatez repassar para o
consumidor, sem mediações, toda a volatilidade dos preços internacional do
petróleo, amplificada pela instabilidade
cambial.
Finalmente a forte
e prolongada crise política interna, que a permanência do ex-presidente Lula na
prisão somente agrava, é o ultimo e talvez o mais importante, ingrediente do
cenário de instabilidade que toma conta do país.
Extraído de
https://br.investing.com/commodities/brent-oil-historical-data
Atualizado às 8:21 de 28/05/2018https://osdivergentes.com.br/outras-palavras/estamos-sentados-em-um-barril-de-polvora/
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