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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 5 de março de 2017

O jogo da confiança

Ricardo Lacerda

Desde o início, crise política e recessão econômica se entrelaçaram em um processo de mútuo reforço. Quando o crescimento da economia perdeu o fôlego ainda em 2013, as manifestações sociais gigantes que tomaram as ruas forneceram a senha para a formação de uma ampla e crescente coligação envolvendo estamentos de classe e forças políticas de parcas convicções democráticas que findou por derrubar em 2016 o governo que havia sido reconduzido pelo voto popular. A instabilidade política agravou a situação econômica, gerando fortes impactos sobre as já deterioradas contas públicas, e findou por inviabilizar a continuidade do governo Dilma Rousseff.

Durante o período mais agudo da crise política que antecedeu o afastamento da governante eleita, iniciado exatamente há um ano atrás, a coligação de força insurgente vendeu à opinião pública a ideia de que a prostração em que se encontrava a economia seria rapidamente dissipada posto que o novo governo adotaria as medidas que teriam o condão de restaurar confiança dos agentes privados na sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. Depois de alguns poucos trimestres de acomodação, o nível de atividade econômica pararia de retroceder, atingiria o fundo do poço, e, na sequência, retomaria paulatinamente sua trajetória de crescimento. Os índices de confiança apurados por diversas instituições, que haviam desabado no auge da crise política, já começavam a apresentar retomada parcial diante da certeza que ia se consolidando sobre a proximidade do seu desfecho.

Todavia, a trajetória da economia desde então não seguiu a esse roteiro projetado e entramos em 2017 sem que as promessas de estabilização e início da retomada da economia tenham sido confirmadas pelos indicadores de nível de atividade já publicados. Os indicadores referentes a 2017 de mercado de trabalho, volume de crédito e receitas públicas não autorizam falar em recuperação do nível de atividade.

Até o momento, a equipe econômica acena apenas com expectativas, índices de confiança e projeções sobre o futuro. Ainda assim, eles nada têm de espetacular. O economista-chefe do Bradesco revelou em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada no dia 03 de março que o banco trabalha com projeção de crescimento de 0,1% no 1º trimestre de 2017.

Ao longo do ano, a economia deverá, segundo as diversas projeções, apresentar certa aceleração, a partir de uma base de comparação muito rebaixada. Ainda assim, os analistas não deixam de assinalar que essa trajetória está sujeita a fortes incertezas, tanto as oriundas do cenário externo, quanto às relativas à situação política interna.

Pior não fica

A cantilena repetida pelos analistas é de que as forças de retomada, mesmo sendo esta muito modesta, estão relacionadas aos efeitos da redução dos juros nominais sobre as decisões de gastos de empresas e famílias, de algum ganho de rendimentos real nos salários associado à queda da inflação e, principalmente, dos efeitos sobre a confiança dos agentes econômicos em decorrência da aprovação do teto dos gastos públicos e do encaminhamento das reformas trabalhista e previdenciária.

Entre outros motivos é razoável esperar que algum crescimento na margem venha se confirmar no próximos trimestres por conta da base de comparação muito rebaixada, notadamente nas atividades agrícolas e no setor exportador. A melhoria relativa dos preços dos minérios e a recuperação da safra agrícola depois da queda provocada pela estiagem no Centro-Oeste deverão contribuir para algum crescimento do PIB. De forma similar, a queda na formação bruta de capital fixo tem sido tão abrupta nos últimos períodos que algum crescimento poderá advir diante da base de comparação muito rebaixada. Esses fatores em conjunto, poderão se traduzir em algum crescimento, mas esse resultaria mais de um repique do que propriamente venha significar a retomada do crescimento econômico em bases sustentáveis.

 Mercado de trabalho

A retomada do crescimento econômico não virá enquanto o emprego e o poder de compra das famílias permanecerem em declínio ou estagnados. E os indicadores do mercado de trabalho continuam piorando. Os resultados do CAGED de janeiro, não se sabe por quais razões, somente serão publicados após às 16:30 dessa sexta-feira, mas a PNAD contínua referente a janeiro de 2017 apresentou dados nada alvissareiros (Ver Tabelas). Mesmo diante de uma base de comparação muito rebaixada, a população ocupada no trimestre outubro de 2016- janeiro de 2017 continuou declinando em relação ao mesmo período do ano anterior e a taxa de retração não apresentou desaceleração muito relevante em relação aos resultados anteriores.

Tampouco o jogo da confiança terminou. Os riscos de novos períodos de forte instabilidade associada ao comprometimento de autoridades nas denúncias de corrupção da operação Lava Jato mostram que a caixa de pandora ainda não revelou todos os seus demônios.

Tabela. Variação da População Ocupada nos em relação ao mesmo período do ano anterior (em mil pessoas e em %)
OCUPAÇÃO
Nov-dez-jan 2016
Fev-mar-abr 2016
Mai-jun-jul 2016
Ago-set-out 2016
Out-nov-dez 2016
Nov-dez-jan 2017
Total (em mil pessoas)
-1.089
-1.546
-1.698
-2.402
-1.983
-1.747
Total (%)
-1,2
-1,7
-1,8
-2,6
-2,1
-1,9
Empregado no setor privado, com carteira* (%)
-3,7
-4,3
-3,9
-3,7
-3,9
-3,7
Empregado no setor privado*,  sem carteira* (%)
-5,9
-0,6
0,9
1,6
4,8
6,4
Trabalhador doméstico (%)
3,9
4,0
2,1
-0,2
-2,7
-2,8
Empregado no setor público (%)
-2,2
-3,3
-2,1
-1,0
-0,7
-1,8
Empregador (%)
-2,4
-7,7
-4,6
2,1
4,8
8,6
Conta própria (%)
6,1
4,9
2,4
-3,2
-3,4
-3,9
Trabalhador familiar auxiliar (%)
-13,5
-20,3
-22,8
-18,7
-9,8
-5,5
Fonte: IBGE. PNADc. Obs: * excluindo trabalhadores domésticos.


Publicado no Jornal da Cidade, em 05/03/2017

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