Ricardo Lacerda
Desde o início, crise política e recessão econômica se
entrelaçaram em um processo de mútuo reforço. Quando o crescimento da economia
perdeu o fôlego ainda em 2013, as manifestações sociais gigantes que tomaram as
ruas forneceram a senha para a formação de uma ampla e crescente coligação envolvendo
estamentos de classe e forças políticas de parcas convicções democráticas que
findou por derrubar em 2016 o governo que havia sido reconduzido pelo voto
popular. A instabilidade política agravou a situação econômica, gerando fortes
impactos sobre as já deterioradas contas públicas, e findou por inviabilizar a
continuidade do governo Dilma Rousseff.
Durante o período mais agudo da crise política que
antecedeu o afastamento da governante eleita, iniciado exatamente há um ano
atrás, a coligação de força insurgente vendeu à opinião pública a ideia de que a
prostração em que se encontrava a economia seria rapidamente dissipada posto que
o novo governo adotaria as medidas que teriam o condão de restaurar confiança dos
agentes privados na sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. Depois
de alguns poucos trimestres de acomodação, o nível de atividade econômica pararia
de retroceder, atingiria o fundo do poço, e, na sequência, retomaria
paulatinamente sua trajetória de crescimento. Os índices de confiança apurados
por diversas instituições, que haviam desabado no auge da crise política, já
começavam a apresentar retomada parcial diante da certeza que ia se
consolidando sobre a proximidade do seu desfecho.
Todavia, a trajetória da economia desde então não seguiu
a esse roteiro projetado e entramos em 2017 sem que as promessas de
estabilização e início da retomada da economia tenham sido confirmadas pelos
indicadores de nível de atividade já publicados. Os indicadores referentes a
2017 de mercado de trabalho, volume de crédito e receitas públicas não autorizam
falar em recuperação do nível de atividade.
Até o momento, a equipe econômica acena apenas com
expectativas, índices de confiança e projeções sobre o futuro. Ainda assim,
eles nada têm de espetacular. O economista-chefe do Bradesco revelou em
entrevista ao jornal Valor Econômico publicada no dia 03 de março que o banco
trabalha com projeção de crescimento de 0,1% no 1º trimestre de 2017.
Ao longo do ano, a economia deverá, segundo as diversas
projeções, apresentar certa aceleração, a partir de uma base de comparação
muito rebaixada. Ainda assim, os analistas não deixam de assinalar que essa trajetória
está sujeita a fortes incertezas, tanto as oriundas do cenário externo, quanto
às relativas à situação política interna.
Pior não fica
A cantilena repetida pelos analistas é de que as forças
de retomada, mesmo sendo esta muito modesta, estão relacionadas aos efeitos da
redução dos juros nominais sobre as decisões de gastos de empresas e famílias,
de algum ganho de rendimentos real nos salários associado à queda da inflação e,
principalmente, dos efeitos sobre a confiança dos agentes econômicos em
decorrência da aprovação do teto dos gastos públicos e do encaminhamento das
reformas trabalhista e previdenciária.
Entre outros motivos é razoável esperar que algum
crescimento na margem venha se confirmar no próximos trimestres por conta da
base de comparação muito rebaixada, notadamente nas atividades agrícolas e no
setor exportador. A melhoria relativa dos preços dos minérios e a recuperação
da safra agrícola depois da queda provocada pela estiagem no Centro-Oeste
deverão contribuir para algum crescimento do PIB. De forma similar, a queda na
formação bruta de capital fixo tem sido tão abrupta nos últimos períodos que
algum crescimento poderá advir diante da base de comparação muito rebaixada.
Esses fatores em conjunto, poderão se traduzir em algum crescimento, mas esse
resultaria mais de um repique do que propriamente venha significar a retomada
do crescimento econômico em bases sustentáveis.
Mercado de trabalho
A retomada do crescimento econômico não virá enquanto o emprego
e o poder de compra das famílias permanecerem em declínio ou estagnados. E os
indicadores do mercado de trabalho continuam piorando. Os resultados do CAGED
de janeiro, não se sabe por quais razões, somente serão publicados após às
16:30 dessa sexta-feira, mas a PNAD contínua referente a janeiro de 2017
apresentou dados nada alvissareiros (Ver Tabelas). Mesmo diante de uma base de
comparação muito rebaixada, a população ocupada no trimestre outubro de 2016-
janeiro de 2017 continuou declinando em relação ao mesmo período do ano
anterior e a taxa de retração não apresentou desaceleração muito relevante em
relação aos resultados anteriores.
Tampouco o jogo da confiança terminou. Os riscos de novos
períodos de forte instabilidade associada ao comprometimento de autoridades nas
denúncias de corrupção da operação Lava Jato mostram que a caixa de pandora
ainda não revelou todos os seus demônios.
Tabela. Variação da População Ocupada nos em
relação ao mesmo período do ano anterior (em mil pessoas e em %)
OCUPAÇÃO
|
Nov-dez-jan 2016
|
Fev-mar-abr 2016
|
Mai-jun-jul 2016
|
Ago-set-out 2016
|
Out-nov-dez 2016
|
Nov-dez-jan 2017
|
Total (em mil pessoas)
|
-1.089
|
-1.546
|
-1.698
|
-2.402
|
-1.983
|
-1.747
|
Total (%)
|
-1,2
|
-1,7
|
-1,8
|
-2,6
|
-2,1
|
-1,9
|
Empregado no setor privado, com
carteira* (%)
|
-3,7
|
-4,3
|
-3,9
|
-3,7
|
-3,9
|
-3,7
|
Empregado no setor privado*, sem carteira* (%)
|
-5,9
|
-0,6
|
0,9
|
1,6
|
4,8
|
6,4
|
Trabalhador doméstico (%)
|
3,9
|
4,0
|
2,1
|
-0,2
|
-2,7
|
-2,8
|
Empregado no setor público (%)
|
-2,2
|
-3,3
|
-2,1
|
-1,0
|
-0,7
|
-1,8
|
Empregador (%)
|
-2,4
|
-7,7
|
-4,6
|
2,1
|
4,8
|
8,6
|
Conta própria (%)
|
6,1
|
4,9
|
2,4
|
-3,2
|
-3,4
|
-3,9
|
Trabalhador familiar auxiliar (%)
|
-13,5
|
-20,3
|
-22,8
|
-18,7
|
-9,8
|
-5,5
|
Fonte: IBGE. PNADc. Obs: * excluindo trabalhadores
domésticos.
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