Ricardo Lacerda
O Banco Central publicou na semana passada a edição de junho do
Relatório de Inflação, de periodicidade trimestral, que avalia a evolução dos
preços e explicita os cenários externo e interno que orientaram as decisões do
Comitê de Política Monetária (Copom).
A leitura do relatório pode ser útil para buscar entender qual é
o plano de vôo das autoridades monetárias para a economia brasileira entre o
atual momento de ajuste, que empurra para baixo o nivel de atividade, o emprego,
os rendimentos e o consumo, em direção a um novo período de crescimento
econômico.
Em relação à edição anterior do relatório, de março de 2015, não
há grandes mudanças no que tange ao cenário internacional. O relatório entende
que a normalização progressiva da política monetária nos países centrais,
recorrentemente postergada, provocará em algum momento nos próximos dois anos um
deslocamento para cima na trajetória dos juros, aumentando a volatilidade, os riscos
e o custo de acesso ao financiamento externo para as economias emergentes.
Aponta também uma maior convergência nas taxas de crescimento
entre as economias maduras (EUA, zona do euro e Japão), mas não se ilude em
relação à aceleração do ritmo da retomada, assinalando que as taxas de
crescimento do PIB das economias centrais se mostraram baixas e abaixo do
crescimento potencial no passado recente.
Recessão
O relatório não deixa margens a dúvidas que o período de ajuste na
economia brasileira está apenas começando. A taxa de expansão do PIB em quatro
trimestres foi negativa em 0,9% no 1º trimestre de 2015 e deverá finalizar o
ano com uma retração de 1,1%.
Em algum momento entre o último trimestre de 2015 e o primeiro
trimestre de 2016 o ritmo de queda do PIB deverá ser amortecido pela combinação
de alguns fatores que conduziriam até um resultado trimestral positivo a partir
do segundo trimestre de 2016, na projeção de mercado, fechando o próximo ano
com crescimento inferior a 1%. Em 2017, finalmente, a economia estaria pronta
para alcançar taxas de crescimento superiores à expansão da população, voltando
a apresentar crescimento do PIB per capita. Trata-se, portanto, de uma
trajetória dura, de muitas dificuldades e incertezas ainda pela frente.
O fundo do poço do nível de atividade econômico se situaria na
virada para 2016, de forma que uma muito suave retomada seria iniciada entre o
segundo e o terceiro trimestre daquele ano. O resultado no acumulado em quatro
trimestres deverá ser ainda negativo em março de 2016 (ver Gráfico) mas o PIB trimestral
deverá parar de se retrair e nos trimestres seguintes voltar a crescer a taxas
relativamente baixas, ainda que moderadamente crescentes.
Componentes
da demanda
No segundo semestre de 2015, os componentes do dispêndio interno
(consumo das famílias, consumo do governo e investimento) deverão acentuar a retração.
A elevação da taxa de desemprego e as perdas nos rendimentos do
trabalho impelirão quedas acentuadas no consumo das famílias, com forte impacto
sobre o nivel de atividade dos setores de comércio e serviços, enquanto o
ajuste fiscal combinado com a queda na arrecadação tributária realizarão a
tarefa de comprimir o consumo do governo em suas três esferas.
O relatório não guarda ilusões de que o ajuste fiscal per si vá
proporcionar de imediato aumento dos gastos de investimentos motivado por
supostos ganhos de confiança na economia. A Formação Bruta do Capital Fixo
deverá continuar despencando até o início de 2016 (ver Gráfico).
Impulso
externo
O impulso externo deverá se constituir no principal fator para que
a queda do nível de atividade seja amortecida, em um primeiro momento, e
depois, já mais avançado em 2016, a economia volte a crescer. Aparentemente, o
impulso dado pelo setor externo se originaria menos da retomada da economia
mundial, embora isso possa se tornar importante com o tempo, e mais em
decorrencia de dois outros fatores.
As exportações de bens e serviços que se retraíram nos quatro
trimestres encerrados em março de 2015 passariam a apresentar taxas positivas
em torno de 5%, movidas pelos ganhos de competitividade proporcionados pela
valorização do câmbio e pelos incrementos de excedentes exportáveis gerados
pela recessão. De outra parte, a retração das importações de bens e serviços já
verificada em dois trimestres seguidos, na série acumulada em quatro
trimestres, seguiria se intensificando, também pela combinação de recessão e de
câmbio mais elevado.
Passado o período mais duro de corte de gastos públicos e dos
efeitos do realinhamento dos preços administrados (energia elétrica e
combustíveis) sobre o IPCA em doze meses, as taxas de juros poderiam iniciar
uma trajetória de declínio. O poder de compra das famílias seria então favorecido
pela queda da inflação e pela redução dos juros e o consumo voltaria progressivamente
a se expandir.
Fonte: BCB, Relatório de Inflação. Junho de 2015. Obs: *projeção.
No cenário básico, com a Selic em 13,75% ao ano, o relatório projeta
inflação de 9,0% em 2015, 4,8% em 2016 e de 4,5% no segundo trimestre de 2017. É
razoável pensar que tal cenário de transição pode se concretizar? Tal plano de
voo é consistente e viável?
Publicado no Jornal da Cidade, em 28/06/2015