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domingo, 12 de janeiro de 2014

A política de valorização do salário mínimo


Ricardo Lacerda

Desde 1º de janeiro vigora o novo valor do salário mínimo nacional, de R$ 724, que corresponde a um reajuste de 6,78% em relação aos R$ 678 estabelecidos em janeiro do ano passado. É o terceiro dos quatro reajustes anuais com base nas regras estabelecidas na política de valorização do salário mínimo, definida na Lei 12.382, de 2011, em que o novo valor é calculado de acordo com variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), mais a taxa de crescimento do PIB de dois anos antes. Depois do reajuste do próximo ano, deverá ser votada nova lei, mantendo ou alterando a regra atual de reajuste.

Ganho real

Depois de ter atingido o fundo de poço em 1995, corroído pelo descontrole do processo inflacionário do final dos anos oitenta, o salário mínimo apresentou uma débil e lenta recuperação do seu poder de compra até 2004 e a partir de 2005 iniciou um período de expressivo aumento real. Segundo estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), entre abril de 2002 e janeiro de 2014, o salário mínimo apresentou aumento real de 72,4%.

A elevação do salário mínimo nesse período produziu importantes efeitos sobre o mercado de trabalho e no poder de compra das famílias, além do impacto em termos de redistribuição espacial da renda no território brasileiro, em favor das regiões e áreas mais pobres.  

Entre outros aspectos, o valor do salário mínimo baliza o pagamento de milhões de trabalhadores no setor público e no setor privado e os benefícios de aposentados e pensionistas do sistema previdenciário. O singelo incremento de R$ 46 auferidos mensalmente a partir do corrente mês deverá injetar na economia brasileira, segundo estimativa DIEESE, algo em torno de R$ 28 bilhões de reais ao longo do ano. 

Na estimativa do DIEESE, a elevação do salário mínimo impacta os rendimentos de 48 milhões de brasileiros, entre empregados, empregadores, trabalhadores por conta própria e beneficiários da previdência.

Sergipe

O aumento real do salário mínimo é muito mais impactante nos estados e nas áreas mais pobres do país. Segundo a Pesquisa Anual de Amostra Domiciliar (PNAD) do IBGE, referente a 2012, quase a metade das pessoas (48,5%) de 10 anos ou mais ocupadas na região Nordeste naquele ano auferia rendimento mensal em todos os trabalhos a que se dedicavam de até um salário mínimo. Na média do Brasil, essa proporção é de pouco mais de uma em cada quatro pessoas (27,8%).

Em Sergipe, 467 mil trabalhadores tinham rendimento mensal de até um salário mínimo, equivalentes a 47,8% do total das pessoas ocupadas em 2012 (ver Tabela). Agregando-se mais uma faixa de rendimento, obtém-se que 70% dos trabalhadores sergipanos ocupados, ou 686 mil pessoas, recebiam até dois salários mínimos. No cume da pirâmide salarial, apenas 12 mil trabalhadores recebiam acima de 10 salários mínimos, equivalentes a 1,2% do pessoal ocupado naquele ano. É razoável estimar que o aumento do salário mínimo injete um pouco mais de R$ 300 milhões na economia sergipana.

Tabela: Sergipe. Número de pessoas de 10 anos ou mais ocupadas em 2012, por classe de rendimentos de todos os trabalhos
Classes de salário mínimo
Mil pessoas
Participação %)
Por classe
Acum.
Por classe
Acum.
Até 1/2
152
152
15,5
15,5
Mais de 1/2 a 1
315
467
32,2
47,8
Mais de 1 a 2
219
686
22,4
70,1
Mais de 2 a 3
52
738
5,3
75,5
Mais de 3 a 5
60
798
6,1
81,6
Mais de 5 a 10
36
834
3,7
85,3
Mais de 10 a 20
8
842
0,8
86,1
Mais de 20
4
846
0,4
86,5
Sem rendimento
124
970
12,7
99,2
Sem declaração
8
978
0,8
100
SOMA
978
100
Fonte: PNAD 2012, IBGE

Prós e contras

Nos parágrafos iniciais do prefácio de seu clássico trabalho Princípios de Economia Política e Tributação, publicado em 1817, David Ricardo já alertava que a principal questão da economia política é determinar as leis econômicas que regulam a distribuição da riqueza produzida entre o dono do capital, o proprietário dos recursos naturais e os trabalhadores. Ponderava o economista clássico que as proporções se alteram ao longo do tempo, de acordo com a evolução da produtividade dos fatores de produção e com a escassez relativa deles.

Os aumentos reais do salário mínimo têm sido um dos principais fatores que explicam a redução da desigualdade de renda nos últimos dez anos no Brasil e são especialmente importantes para muitas categorias profissionais que atuam no setor de serviços, inclusive em uma das maiores delas, a dos trabalhadores domésticos. Têm sido também um dos principais fatores de ampliação do mercado de consumo no país.

Apesar disso, muitos setores vêm se manifestando contrariamente à prorrogação da atual regra de reajuste do salário mínimo por um novo período, argumentando que aumentos salariais superiores ao incremento da produtividade resultam em pressões inflacionárias e perda de competitividade da produção interna frente aos concorrentes de fora do país, além do seu impacto sobre as finanças dos estados e municípios e nas contas da previdência. Como fica implícito na citação de David Ricardo, acréscimos de rendimento acima do incremento da produtividade somente são realizáveis quando envolvem uma redistribuição de renda entre as classes sociais ou entre diferentes faixas no interior de uma classe.

Em um país cujos salários de base se distanciam exageradamente dos rendimentos recebidos pelos estratos sociais mais elevados, a política de valorização do salário mínimo, estipulando reajustes anuais acima da inflação do período, é mais do que bem vinda, é uma exigência da cidadania.


Publicado no Jornal da Cidade em 12/01/2014

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