Ricardo Lacerda
O Brasil vive um momento inusitado no que diz
respeito à confiança em relação às expectativas sobre o desempenho econômico.
Enquanto os indicadores publicados do nível de atividade, referentes ainda ao
ano de 2016, são todos muito negativos, as principais sondagens sobre
perspectivas apontam em janeiro incrementos do índice de confiança, tanto em
relação à situação atual e ainda mais em relação a situação futura, mesmo que
os índices se mantenham bem abaixo de 100. Na metodologia da Fundação Getúlio
Vargas, respostas acima de 100 pontos indicam otimismo e abaixo de
100, pessimismo.
Tal constatação vale para as expectativas dos
consumidores, da indústria, dos serviços e até para o setor da construção civil,
que está enfrentando um nível de devastação dos maiores de sua história.
Aparentemente, apenas as atividades de comércio ainda não foram contaminadas nesse
início de ano por uma alguma melhoria expressiva na confiança.
Os índices setoriais de confiança, a partir
de um patamar muito rebaixado, vêm se recuperando desde o início de 2016,
quando ficou claro que o afastamento da presidente Dilma Rousseff era
irreversível. Alguns desses índices titubearam no final do segundo semestre de
2016, quando a melhoria esperada no nível de atividade não se confirmou mas
agora, nesse início de 2017, a maioria deles voltou a apresentar incremento
robusto.
Disseminou-se em vários segmentos o sentimento
de que com a aprovação da emenda constitucional estabelecendo teto para o
gasto público e com o início da tramitação no congresso nacional das reformas
trabalhistas e previdenciárias a economia brasileira poderá finalmente entrar
nos eixos e em algum momento do ano iniciaria um período de retomada, mesmo que
muito moderada. É verdade que os índices
de confiança continuam a se situar bem abaixo de 100, mas os incrementos que
apresentaram no mês de janeiro são dignos de destaque.
É até possível que os primeiros resultados
mensais de 2017 relativos aos níveis setoriais de atividade surpreendam
favoravelmente e que a melhoria da confiança se consubstancie em resultados
concretos porque os dados do último trimestre de 2016 permaneceram tão ruins ou
até piores do que os dos trimestres anteriores.
Resultados anuais
Industria, comércio varejista e serviços
despencaram em 2016. O setor de serviços apresentou retração de 5% em
comparação ao ano anterior, a indústria geral, 6,6% e o comércio varejista, 6,2%.
É o terceiro ano seguido de retração da indústria geral e o segundo ano do
setor de serviços e do varejo (ver Gráfico 1). O Índice de Atividade do Banco
Central (IBC-BR) registrou queda de 4,32% em 2016, depois de já ter recuado
4,28%, em 2015, e 0,26% em 2014.
No caso do setor industrial, a retração do
nível de atividade em 2016 permaneceu muito acentuada, ainda que no ano
anterior tenha sido maior. Foi no setor terciário que o ritmo de queda da
atividade acelerou, passando no caso dos serviços de 3,6%, em 2015, para 5%, em
2016, e no caso do varejo, de 4,3% para 6,2% (ver Gráfico 1).
Fonte: IBGE. PMS, PIM e PMC.
Resultados trimestrais
No quarto trimestre do ano os desempenhos dos
setores em causa permaneceram muito ruins. De fato, a queda no nível e
atividade acelerou muito no setor de serviços, não atenuou o ritmo de queda nas
atividades industriais, enquanto o volume de vendas no varejo continuou caindo
muito (1,23%), mesmo que menos do que no terceiro trimestre (ver Gráfico 2). O
setor de serviços recuou incríveis 2,75% e a indústria geral, 0,75%.
Aguardemos os primeiros resultados mensais de
2017 para confirmar se a melhoria relativa dos índices de confiança se traduzirá
efetivamente em ganhos nos níveis setoriais de atividade.
Fonte: IBGE. PMS, PIM e PMC.
Publicado no Jornal da Cidade, em 19/02/2017
P.S Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute
'Existe uma euforia meio carnavalesca'
'Existe uma euforia meio carnavalesca'
“Não acho que a economia esteja virando. Existe uma euforia meio carnavalesca no Brasil nas últimas semanas, mas os indicadores são muito turvos ainda. Não dá para dizer que há sinais de virada. É exagero carnavalesco. A economia conseguiu transitar do péssimo para o muito ruim. Isso dá uma impressão de melhora e as pessoas tendem a ficar um pouco eufóricas. Não é uma virada de nível e não significa agora que a economia esteja crescendo já. Não há nada que vá fazer 2017 ser um ano de virada no sentido de que as pessoas pensem: o Brasil finalmente está crescendo não sei quanto. Com o endividamento muito alto setorialmente, está todo mundo mais preocupado com desalavancagem do que com consumo e investimento. Não há demanda doméstica com força suficiente para gerar esse tipo de crescimento. Também o lado externo não vai ajudar. O crescimento mais forte a médio prazo está longe de estar garantido. Não vejo como isso será possível, uma vez que a produtividade está lá embaixo. E a única coisa que gera expectativa de crescimento sustentável é aumento de produtividade, coisa que o Brasil não tem."