Publicado em 17 de abril de 2016
Ricardo Lacerda
Ricardo Lacerda
Vivemos tempos extraordinários. Desde as
mobilizações de rua de junho de 2013, o Brasil experimenta um processo de
ebulição social que vai exigir o transcorrer de muito tempo para ser
compreendido em sua inteireza. Muito mais insondáveis são os desdobramentos da
crise atual em termos de desenvolvimento econômico e social em um horizonte de
20 ou 30 anos.
Já foi dito que a história é escrita pelos
vencedores mas é impossível antecipar qual vai ser a narrativa predominante nas
décadas de 2030 e 2040 sobre a crise atual.
Escrevo no calor dos acontecimentos, mais com
o intuito de fazer um registro para a posteridade do que com a pretensão de interferir
no debate corrente sobre as causas da crise econômica que paralisa o
crescimento e joga o país em uma conflagração entre blocos de poder das mais
acirradas do seu período republicano. Não tenho a veleidade de estar certo e de
que outros estão errados. Faço meramente um registro de minha percepção sobre a
crise atual.
O cerco político
A votação do impedimento da presidente Dilma
Rousseff pela câmara federal no dia de hoje culmina o sítio que foi formado em
torno ao seu governo desde o dia seguinte à eleição para o segundo mandato em
outubro de 2014. O agravamento da crise econômica deu o lastro para a
disseminação da insatisfação popular.
A questão que se coloca é como a situação
política e o quadro econômico foram se deteriorando, em um processo de
alimentação mútua, até chegar ao cenário do dia de hoje.
Diria que há duas ordens de questões, uma
decorrente da insatisfação gerada pela crise econômica que se estende e outra atinente
ao ressentimento que foi se acumulando em segmentos sociais tradicionalmente
privilegiados como reação às massivas políticas de inclusão social adotadas
pelo bloco político liderado pelo Partido dos Trabalhadores.
Irresignados com o resultado das eleições de
2014, muitos segmentos do empresariado, da classe política, do sistema
judiciário e a totalidade da grande mídia, formaram um bloco de ataque ao poder
que não deu trégua um só dia, desde antes mesmo de a Presidente tomar posse do
seu segundo mandato consagrado pelas urnas.
O cerco formado no parlamento impediu na
prática a gestão da economia. Além de não colocar em votação as medidas de
ajuste necessárias à retomada da confiança em relação à gestão fiscal, o
parlamento acenava a todo momento com a adoção de medidas de uma “pauta bomba”,
e outras manobras, com o propósito explícito de erodir a já reduzida capacidade
do poder executivo de governar.
Nas semanas mais recentes, a atuação de
setores do sistema judiciário atingiu as raias do deboche, com a interdição da
possibilidade de uma presidente legitimamente constituída nomear seu ministro
da justiça. Frente a um cerco dessa força e abrangência, o governo restou
sitiado, sem recursos políticos para se contrapor à maré montante de
insatisfação instigada pela mídia, em que escândalos de corrupção eram
seletivamente vazados com o claro intuito de atingí-lo.
Foram desferidos pelo bloco de poder
antagônico ataques impensáveis, incompatíveis com o regime democrático e o
estado de direito, até o ponto de serem instaladas “escutas oficiais” nas
dependências do gabinete presidencial. Nessa quadra, as forças de oposição,
apesar de derrotadas nas urnas, estavam prontas para a tentativa do assalto
final ao poder. Para tanto, recorreram a artifícios para dar ares de legalidade
à derrubada do governo.
Os desequilíbros econômicos
A resposta expansionista da política
econômica interna, após a crise financeira internacional atingir fortemente os
países emergentes a partir de 2013, acionou uma série de desequilíbrios macroeconômicos,
dentre os quais, aqueles de mais graves consequências foram a deterioração da
situação fiscal e a fragilização do balanço de pagamentos.
O maior equívoco da gestão da economia, em
sua ânsia de amortecer os efeitos recessivos, foi não dar transparência aos
desequilíbrios que foram se formando, inclusive pela adoção de uma série de
mecanismos ad hoc de estímulos setoriais que concorreram para a fragilização da
situação fiscal.
As medidas de ajustes, postergadas para 2015,
agudizaram a insatisfação popular na medida que corroeram o poder de compra e
atingiram fortemente o mercado de trabalho, enquanto a situação fiscal se agravou
muito com a queda da arrecadação.
Por mais graves que tenham sido os
descontroles, a crise econômica per si não teria sido causa suficiente para
inviabilizar a reorganização das finanças e promover uma retomada moderada do
crescimento, não fosse a acelerada deterioração do quadro político. Relativamente
ao cenário de 1999, a situação estritamente econômica no início de 2015 poderia
ser enfrentada com sacrifícios infinitamente menores, não fosse o ataque
sistemático do bloco de oposição, que recorrentemente fez uso de instrumentos
inaceitáveis em um regime democrático.
Foi o cerco político que progressivamente asfixiou
a capacidade do governo gerir a economia.
Perspectivas
Seja qual for o desfecho do processo impedimento
da Presidente, não vai ser fácil reverter a realimentação mútua entre a crise
política e a deterioração do quadro econômico. O fosso que foi aberto na
sociedade e o esgarçamento do aparato institucional apontam para um cenário
ainda nebuloso de como reconstruir a confiança nas instituições.
A construção de uma nação solidária exige, é
fato, responsabilidade na condução de assuntos de natureza fiscal. Tampouco
prescinde da observação do princípio da soberania popular.
Fonte: Divulgação/Portal
Planalto
Publicado no Jornal da Cidade, em 17/04/2016
Parabéns pelo blog!Mas, o amigo não acha que a causa de tudo isso não foi da Presidenta,que na minha humilde opinião cometeu vários erros?
ResponderExcluirRicardo, excelente artigo. Equilibrado e independente. Parabéns. Fui seu aluno na UFS (anos 90).
ResponderExcluirRicardo, excelente artigo. Equilibrado e independente. Parabéns. Fui seu aluno na UFS (anos 90).
ResponderExcluirObrigado Daniel. Fico feliz por ex-alunos como você acompanharem o blog
ResponderExcluirObrigado também, Acionista25. O que acho é o que escrevi. Não eximi a presidente de culpa. Mas o cerco foi real.
ResponderExcluir