Praça São Francisco, São Cristovão- SE

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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Os preços em 2015

Ricardo Lacerda
Ao longo de 2015 foram realizadas mudanças significativas na estrutura de preços da economia brasileira que, apesar de penosas para a população, eram inadiáveis. Ainda que a elevação dos preços tenha superado em muito às previsões do início do ano, parcela expressiva dessa aceleração decorreu de ajustes necessários e mesmo aguardados pelo mercado. Refiro-me especificamente à correção dos preços dos combustíveis e das tarifas de energia elétrica e aos aumentos nos preços de bens e serviços decorrentes da depreciação da paridade cambial.  No caso das tarifas da energia elétrica a defasagem havia sido ampliada pelo aumento dos custos de geração em função da prolongada estiagem.  
O Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) subiu de 6,4%, em 2014, para 10,7%, em 2015.  Para 2016, o mercado projeta inflação de 7%, enquanto o governo diz perseguir a taxa de 6,5%.
Realinhamento de preços
 A correção dos chamados preços monitorados foi um dos principais fatores do aumento do IPCA em 2015, não apenas pelo seu peso na composição do índice, como por meio da transmissão de custo para a oferta de outros bens e serviços. Os preços monitorados que haviam subido 5,3%, em 2014, aumentaram 18,1%, em 2015.
A transmissão da elevação do câmbio sobre os preços foi também significativa, ainda que tenha sido amortecida pela queda das cotações das commodities no mercado internacional e pelo enfraquecimento do poder de compra interno. O Gráfico 1 compara a elevação do IPCA em 2014 e 2015, segundo alguns grupos de preços selecionados.
A primeira observação é que a elevação de preços se acentuou em todos os grupos selecionados; a segunda observação é que a aceleração foi mais intensa em alguns grupos, como nos preços monitorados, alimentos e bebidas e nos preços dos produtos comercializáveis.
A aceleração de preços foi relativamente menos acentuada naqueles grupos que vinham liderando os incrementos de preço no período anterior à adoção das medidas de ajuste econômico: as despesas pessoais, os bens e serviços não comercializáveis e, em menor graus, os de serviços de saúde e cuidados pessoais.
Fonte: IBGE.

O Gráfico 2 apresenta o incremento na elevação dos preços, medido em pontos percentuais, na comparação entre os trimestres de 2015 e os mesmos trimestres de 2014.

O IPCA de 2015 apresentou incrementos maiores no 1º e no 4º trimestres. O resultado do IPCA do 1º trimestre foi muito influenciado pela correção nos preços monitorados. O resultado do 4º trimestre, aparentemente, esteve mais associado aos impactos da apreciação cambial sobre os preços dos produtos comercializáveis e à elevação nos preços dos alimentos e bebidas.


Fonte: IBGE.


Correção de preços e recessão
O realinhamento na estrutura dos preços provocou perdas no poder de compra da população por meio de dois canais principais: elevação da inflação em velocidade superior a dos reajustes dos rendimentos do trabalho; encarecimento e restrição do acesso ao crédito e contenção nos gastos públicos que, visando atenuar os impactos das mudanças dos preços relativos sobre a inflação, provocaram desemprego e queda da massa de rendimentos.
Nesse sentido, os efeitos das mudanças na estrutura dos preços e a deterioração do cenário externo foram dois dos fatores decisivos para a acentuada queda do nível de atividade econômica em 2015.
Há que se reconhecer, todavia, que se a perda do poder aquisitivo da população consistia em um dos pilares das políticas de ajuste do ministro Levy, a intensidade com que ela ocorreu foi muito além do que se projetava, seja por conta da acelerada deterioração do cenário externo, seja por conta da crise política interna.
Se o primeiro impacto da elevação nos preços administrados/monitorados e dos aumentos decorrentes da depreciação da paridade cambial foi o de provocar uma forte aceleração na inflação, em sua essência se tratou de uma inflação corretiva que, uma vez realizada, não tende a se repetir. Em outras palavras, já foi paga a maior parte de uma conta que havia se acumulado no tempo.


Publicado no Jornal da Cidade, em 24/01/2016 


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

As chances de 2016


Ricardo Lacerda
Para o Brasil, 2015 foi um ano de transição incompleta. O roteiro do ajuste macroeconômico traçado pelo ministro Joaquim Levy ainda no final de 2014 foi implementado apenas parcialmente e com resultados muito inferiores aos projetados. Ao final de 2015, Joaquim Levy deixou o Ministério da Fazenda sem que o Congresso Nacional tivesse votado as principais propostas do pacote de medidas de ajuste das contas públicas, dentre as quais a Desvinculação da Receita da União (DRU) e a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF).
A insegurança em relação à aprovação das medidas de ajuste e a queda do nível de atividade em intensidade muito superior à esperada geraram um quadro de agravamento da situação fiscal, realimentando a deterioração das expectativas econômicas. A instabilidade política interna, aliada ao agravamento do cenário externo, estendeu o período recessivo muito além do que era previsto no início de 2015.
O novo Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, deverá apresentar até o final de fevereiro um conjunto de medidas visando reafirmar o compromisso do governo federal com o ajuste fiscal. Ao mesmo tempo o Ministro deverá acenar com estímulos creditícios visando estancar a queda do nível de atividade econômica que concorreu para corroer as receitas públicas. Não é uma missão fácil de ser executada. 
O cenário externo
O relatório anual Perspectivas Econômicas Globais, do Banco Mundial, em sua edição de janeiro de 2016, tem como subtítulo Transbordamentos em meio a um fraco crescimento. O relatório afirma “que o crescimento mundial mais uma vez ficou aquém das expectativas em 2015”.
De fato, a alentada recuperação da economia mundial de uma forma robusta ficou adiada mais uma vez. O produto global desacelerou para 2,4%, em 2015, frente aos 2,6% de 2014. O relatório registra que o desempenho desapontador da economia mundial refletiu sobretudo a desaceleração do crescimento nos países emergentes.
O relatório, entretanto, renovou as expectativas de que a economia global volte a acelerar o crescimento nos próximos anos, projetando uma taxa de expansão de 2,9% para 2016, que deverá ser seguida em 2017 e 2018 por taxas anuais de 3,1% (Ver Tabela). O documento ressalva, todavia, que essas projeções estão sujeitas a alguns riscos, entre eles a possibilidade de uma desaceleração desordenada em grandes economias de mercados emergentes, como a China, e que mudanças repentinas nas condições de financiamentos externos podem provocar turbulências em países emergentes.
2016
Para 2016, o relatório do Banco Mundial projeta aceleração moderada no crescimento tanto nos países de alta renda quanto nos países em desenvolvimento. Entre os primeiros, a taxa de crescimento deverá se elevar de 1,6%, em 2015, para 2,1%, em 2016, enquanto nos países em desenvolvimento o crescimento foi projetado para 4,8%, em 2016, frente aos 4,3% de 2015.
Alguns dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas e minerais, como o Brasil e a África do Sul, entre os países emergentes, além da Rússia e Canadá, foram muito afetados pela continuidade da desaceleração do crescimento da China e apresentaram desempenhos especialmente problemáticos (Ver Tabela). Há expectativa, todavia, de que as economias desses países deverão retomar gradualmente o crescimento entre 2016 e 2017.
Tabela. Crescimento do PIB Global. (%)
Item
2013
2014
2015
2016*
2017*
2018*
Mundo
2,4
2,6
2,4
2,9
3,1
3,1
Países de Alta renda
1,2
1,7
1,6
2,1
2,1
2,1
EUA
1,5
2,4
2,5
2,7
2,4
2,2
Zona do Euro
-0,2
0,9
1,5
1,7
1,7
1,6
Reino Unido
2,2
2,9
2,4
2,4
2,2
2,1
Rússia
1,3
0,6
-3,8
-0,7
1,3
1,5
Japão
1,6
-0,1
0,8
1,3
0,9
1,3
Países em desenvolvimento
5,3
4,9
4,3
4,8
5,3
5,3
China
7,7
7,3
6,9
6,7
6,5
6,5
América  Latina e Caribe
3,0
1,5
-0,7
0,1
2,3
2,5
Brasil
3,0
0,1
-3,7
-2,5
1,4
1,5
México
1,4
2,3
2,5
2,8
3,0
3,2
África do Sul
2,2
1,5
1,3
1,4
1,6
1,6
Fonte. Worldbank. Perspectiva econômicas globais, Janeiro de 2016.
Indicadores antecedentes

Passou relativamente desapercebida do noticiário a publicação pela OCDE do resultado de novembro do seu indicador do ciclo de negócios. O CLI - Composite Leading Indicators- é um indicador projetado para fornecer sinais antecedentes de pontos de virada nos ciclos de negócios.

A instituição assinala que o CLI tem se mostrado consistente com os dados verificados nos PIBs dos países da OCDE, com uma antecedência de seis a nove meses. O CLI é antes um indicador qualitativo do que quantitativo do ciclo de negócios e busca indicar a flutuação do nivel de atividade em relação ao crescimento do produto potencial de longo prazo da economia.

O Gráfico apresentado traz a evolução do CLI, indicador antecedente, e do Índice de Atividade do Banco Central (IBC-BR), que é um indicador coincidente no tempo, entre entre janeiro de 2014 e novembro de 2015.

O IBC-BR em doze meses recuou 3,5% em novembro, na comparação com o mesmo período do ano anterior. A série trimestral do IBC-BR, livre de efeitos sazonais, mostra que o nível de atividade manteve-se em queda no trimestre set-nov, em comparação com o trimestre imediatamente anterior (jun-ago), recuo de 1,8%.

O que a elevação recente do CLI parece sinalizar é que nível de atividade da economia brasileira deverá cair em ritmo menos intenso nos próximos meses, antes de começar a retomar o crescimento. 


Fonte: Banco Central do Brasil para o IBC-BR; OECD para o CLI.

Publicado no Jornal da Cidade, em 18/01/2016

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O câmbio, as exportações e o saldo comercial em 2015

Uma mudança acentuada na paridade cambial, como ocorreu com a moeda brasileira ao longo de 2015, gera importantes efeitos sobre o comércio exterior e sobre o nível de atividade doméstica; alguns deles se manifestam prontamente, enquanto outros somente se completam no médio e o no longo prazo.
Os especialistas do comércio exterior brasileiro estimam que o impacto de uma depreciação da moeda nacional sobre as exportações apresenta uma defasagem temporal de seis a nove meses. A influência sobre a inflação interna é bem mais rápida. Por essa razão, a desvalorização da moeda causa uma perda quase que imediata no poder de compra da população, com desdobramentos negativos sobre o nível de atividade econômica. Os efeitos positivos tendem a demorar mais.
Os resultados da balança comercial brasileira de 2015 foram publicados na semana passada. Eles refletem não apenas os impactos da mudança no câmbio sobre as exportações e importações, como captam os efeitos da queda dos preços internacionais dos principais produtos da nossa pauta exportadora. Não menos importantes foram os efeitos sobre as compras externas decorrentes da queda do poder de compra da população e da retração da taxa de investimentos causados pela recessão.
O saldo comercial de 2015 somou US$ 19,7 bilhões, interrompendo a tendência de encolhimento iniciada ainda em 2007. Os resultados foram especialmente ruins em 2013 e 2014, quando foram obtidos, respectivamente, superávit de apenas US$ 2,3 bilhões e déficit de US$ 4,1 bilhões.
A inversão do saldo de negativo para positivo entre 2014 e 2015, como se sabe, decorreu de uma queda muito acentuada nas importações, bem mais intensa do que no valor das exportações. A retração no valor das compras externas foi de US$ 57,7 bilhões, enquanto as vendas ao exterior caíram US$ 34 bilhões. Em termos relativos as importações caíram 25,2% e as exportações, 15,1%.
A continuidade de queda nas exportações em 2015, todavia, não significa que a mudança no câmbio não teve efeitos benéficos sobre o comércio exterior, seja em relação às importações, seja no que diz respeito às próprias vendas externas.
O cenário externo
Em 3 de janeiro, o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz publicou na internet artigo intitulado O Grande Mal-Estar Continua. Já no parágrafo introdutório, ele sintetiza a evolução da conjuntura global no ano que passou. “O ano de 2015 foi duro para todos. O Brasil entrou em recessão. A economia chinesa sofreu seus primeiros solavancos sérios após quatro décadas de crescimento vertiginoso.  A zona do euro conseguiu evitar o colapso da Grécia, mas a sua semi-estagnação continuou, contribuindo para o que certamente será visto como a década perdida. Para os Estados Unidos, 2015 deveria ter sido o ano em que finalmente se encerrou o capítulo da Grande Recessão iniciada em 2008; em vez disso a recuperação econômica do país vem sendo medíocre”. E conclui a descrição do panorama lembrando que Christine Lagarde,  a diretora-gerente do FMI, chamou a situação atual da economia mundial de o Novo Medíocre (https://www.project-syndicate.org/commentary/great-malaise-global-economic-stagnation-by-joseph-e--stiglitz-2016-01).
Para o comércio exterior brasileiro, a desaceleração da economia chinesa foi impactante. Nossas exportações para aquele país caíram 12,3% em 2015, depois de terem recuado 11,7% em 2014. O impacto da deterioração no cenário externo sobre a cotação de nossos principais produtos não foi menos danoso. O preço da soja exportada despencou de US$ 509 por tonelada, em 2014, para US$ 386 por tonelada, em 2015, retração equivalente a 24%.
No caso do minério de ferro, produto líder das exportações brasileiras até 2013, a cotação internacional desabou 51%, em 2015, e simplesmente 64% em dois anos. Até dois anos atrás, esses dois produtos respondiam por cerca de 1/5 de nossas exportações totais.
Para alguns produtos, a depreciação de nossa moeda mais do que compensou a queda da cotação externa; em outros, como no caso do minério de ferro, atenuou as perdas.
Valor e quantidade
As atividades que tradicionalmente vendem parcelas importantes da produção ao mercado externo não deixaram de responder ao novo patamar de câmbio, em parte buscando alternativas à retração do mercado interno.
Se o valor das exportações recuou 15,1% ao longo do ano, as exportações físicas apresentaram uma expansão de 10,6%. O volume de exportações de soja teve incremento de 18,9%, o de minérios de ferro cresceu 7%, o de pasta química de madeira, 8,6%, e o de milho em grão, 40,1%.
  O Gráfico abaixo relaciona a evolução do valor das exportações e do volume exportado em doze meses com a taxa de câmbio real e efetiva, entre junho de 2011 e dezembro de 2015 (novembro para o câmbio): a taxa de câmbio real e efetiva vem subindo fortemente desde o final de 2014, como mostra a linha tracejada.
O volume exportado reagiu desde então (linha dupla), mas o valor exportado apresentou trajetória inversa, registrando queda abrupta por conta da baixa nas cotações das commodities no mercado externo.
Tomei a liberdade de fazer um pequeno exercício, calculando a média simples da taxa de câmbio de doze meses deslocada seis meses para frente (linha pontilhada).
O gráfico parece destacar três fenômenos: a comparação entre a linha contínua simples e a linha contínua dupla (exportações em valor e em volume) dá uma dimensão do impacto da crise externa sobre a evolução de nossas exportações e do esforço feito para ampliá-las; a comparação entre a linha pontilhada e a linha contínua dupla parece mostrar a associação entre o quantum exportado e a taxa de câmbio, considerada uma certa defasagem temporal; e, finalmente, a comparação entre a linha tracejada e a pontilhada (cambio mensal e cambio em doze meses com defasagem temporal) sugere que os efeitos da mudança na paridade cambial estão apenas começando.

Fonte: Banco Central, para o câmbio e MDIC para as exportações. Obs: A série do câmbio em doze meses foi calculada a partir da média simples das taxas de câmbio efetivas e reais mensais.

Publicado no Jornal da Cidade, em 10/01/2016

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O elogio ao desequilíbrio e a crítica à fracassomania, as lições de Hirschman

Ricardo Lacerda

O economista alemão naturalizado norte-americano Albert Hirschman (1915-2012)  foi provavelmente o mais inventivo e heterodoxo entre os pioneiros da economia do desenvolvimento, grupo de autores que se dedicaram a ampliar a compreensão sobre a natureza do sudesenvolvimento no pós segunda-guerra.
Quando hoje se fala em adensar as cadeias produtivas ou implantar atividades que gerem efeitos de ligação para frente e para trás nas cadeias de produção, estimulando o crescimento de outras atividades, está se corroborando, muitas vezes sem saber, as ideias elaboradas por Hirschman em sua abordagem de crescimento desequilibrado (ou desbalanceado).
Hirschman se dizia um eterno dissidente. Não seguia as ideias consagradas sem questioná-las criteriosamente e, sobretudo, duvidava da aderência à realidade das noções disseminadas pela teoria convencional.
De sua experiência como economista do Federal Reserve que lidava com as questões de reconstrução de países da Europa Ocidental no pós-guerra, no âmbito do Plano Marshall, concluiu que “as prescrições ortodoxas de política econômica para as estranguladas economias da Europa Ocidental- controle da inflação, correção da taxa de câmbio- eram, a longo prazo, frequentemente ingênuas do ponto de vista político, socialmente explosivas e contraproducentes economicamente”.
Como assessor econômico e financeiro do recém-instalado Conselho Nacional de Planejamento da Colômbia, entre 1952 e 1956, indicado pelo Banco Mundial, reagiu a adotar o cardápio padrão da instituição para elaborar o Plano de Desenvolvimento Econômico mesmo sem conhecer a realidade local, à semelhança do que seria a praxe, nos anos oitenta, dos desastrosos planos de estabilização do Fundo Monetário Internacional em relação aos países endividados da América Latina.
Racionalidades ocultas
Ao invés de adaptar o receituário padrão, que desconfiava que não era adequado às situações específicas de países subdesenvolvidos, Hirschman se propôs descobrir o que ele chamou de racionalidades ocultas, a partir dos processos que de fato funcionavam na realidade colombiana.
Não se propunha a começar tudo do zero, como se o país subdesenvolvido fosse uma folha em branco sobre a qual o visitante ilustrado desenharia o projeto de desenvolvimento. Foi assim, em busca das racionalidades não aparentes que estavam presentes nos processos reais, que Hirschman fez descobertas que se confrontavam com o senso comum, mas que eram imensamente férteis.
Dentre as racionalidades ocultas a de maior alcance era noção de que o desenvolvimento consistia na verdade de uma sequência de desequilíbrios e não a passagem de uma situação de equilíbrio a outra de patamar mais elevado, como era usualmente considerado pelos autores do crescimento equilibrado. Tais autores proponham um planejamento integrado em que se projetava o crescimento simultâneo e balanceado das várias atividades econômicas.
Cadeia de desequilíbrios
Hirschman desconfiava também da eficácia das propostas de planejamento do tipo globalizante, que previa todas ações em detalhes, como as elaboradas pelos autores do crescimento equilibrado. Apesar de bem-intencionadas, julgava que essas ideias eram prepotentes, arrogantes e mesmo perigosas, além de pouco factíveis. Ele fazia severas críticas ao que chamou de “o mito do planejamento do investimento integrado”.
Hirschman entendia que se verificavam desproporções entre os setores que lideravam o crescimento e os demais, produzindo gargalos, escassez e estrangulamentos, provocando sequências de desequilíbrios no próprio curso do desenvolvimento.
Aqui no Brasil, atualmente, fala-se muito no custo produzido pela precariedade da nossa infraestrutura que ficou patenteada com a inserção de milhões de pessoas ao mercado do consumo. Para Hirschman, tais desproporções seriam da natureza do processo de desenvolvimento e cabe ao planejamento minimizá-las mas é insensato acreditar que elas não surgiriam.
Tais desequilíbrios eram inevitáveis e mantidos dentro de certos limites geravam mesmo oportunidades de expansão da economia. Assim, a expansão do setor industrial pressionava o crescimento do setor agrícola ou exigia a ampliação da infraestrutura de transportes e de energia.
O crescimento desbalanceado de Hirschman contemplava também a noção de que não se tratava de buscar promover a combinação ótima de recursos nos países subdesenvolvidos, em uma camisa de força teórica. É como se afirmasse que o ótimo é inimigo do bom, porque é impraticável e, por isso, paralisante.
Não é que Hirschman julgasse positivos os desequilíbrios do processo de desenvolvimento e sim que ele entendia que o desenvolvimento em si gerava uma sequência de desequilíbrios que se cristalizavam em desproporções entre os vários setores da economia, gerando inclusive problemas inflacionários e nos balanços de pagamentos.
Fracassomania
Para Hirschman, ao impor fórmulas prontas para alcançar o desenvolvimento, os organismos internacionais estimulavam um sentimento de inferioridade nos países latino-americanos. Para os técnicos nativos encarregados de executar o planejamento nesses países, os constantes desequilíbrios no balanço de pagamento e os recorrentes descontrole de preços eram vistos como prova renovada de suas inaptidões, gerando desânimo e comportamentos autodepreciativos, aquilo que Nelson Rodrigues jocosamente denominou de complexo de vira-lata.
Hirschman afirmava que a baixa estima causada pela forte condenação de suas realidades impedia os latino-americanos de aprenderem com suas próprias experiências. Cunhou esse desânimo e falta de confiança de fracassomania, termo que décadas depois seria reiteradamente utilizado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
A obsessão em compreender as racionalidades ocultas nos processos de decisão nos países subdesenvolvidos não significava que Hirschman legitimava as irresponsabilidades dos governantes.
Quando nos anos oitenta indagou a si próprio se realmente defendia o crescimento desequilibrado, a desproporção entre os setores, o investimento intensivo em capital, a inflação etc a resposta que se deu foi “sim, mas naturalmente dentro de limites bem determinados”.
Se ele tinha horror às ortodoxias abstratas, descasadas da realidade e que penalizavam as populações desnecessariamente, tampouco legitimava o uso indevido de suas ideias. Mesmo o desequilíbrio no crescimento entre os setores não poderia extrapolar certos limites, sob risco de ser contraproducente e insustentável politicamente.
Na figura apresentada, sobreposição de duas imagens do seu artigo de 1983, sintetizam-se as diferenças entre o crescimento equilibrado (em que os setores A e B cresciam quase na mesma proporção) e o crescimento desequilibrado, em que se verifica desequilíbrios sequenciais no crescimento entre o setor A e o setor B. Mais grave é o crescimento antagônico, quando a expansão de um setor implica na retração do outro.
Ele nunca minimizou as implicações políticas decorrentes das desproporções de ganhos entre beneficiários do crescimento econômico. Bem sabemos como elas são importantes, como mostra a experiência recente no Brasil.



 Fonte: Sobreposição de duas figuras constantes no artigo Confissões de um dissidente: 
a estratégia de desenvolvimento reconsiderada (1983). IPEA.PPE. Vol 13.Nº 1.





Albert Hirschman
(1915-2012)



Publicado no Jornal da Cidade, 03/01/2016