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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 18 de outubro de 2015

Como os mercados de trabalho regionais estão sendo impactados pela crise (2)

Ricardo Lacerda

O ajuste econômico tem na deterioração do mercado de trabalho uma de suas peças basilares. As medidas de ajuste visaram desde o início fragilizar o mercado de trabalho com o intuito não ocultado de reduzir o poder de barganha da classe trabalhadora como forma de conter pressões inflacionárias. Nesse sentido, o ajuste significa não apenas a compressão do consumo para caber no “produto potencial” do país, como sua outra face, do ponto de vista da renda, que é a redução da participação dos rendimentos do trabalho na geração da riqueza nacional. O processo já se encontra em pleno andamento.
 A deterioração do mercado de trabalho em curso no Brasil vem se manifestando em diversas dimensões: o emprego formal sofre forte retração, com a previsão de fechamento de mais de um milhão de postos de trabalho até o final do ano; as formas de ocupações mais precárias se expandem como resultado de estratégias de subsistências das famílias, com a ampliação do número de trabalhadores por conta própria, de trabalhadores em atividade familiar (com ou sem remuneração) e com o incremento do número de empregadores, como resposta à falta de oportunidade de empregos. Como o rendimento médio do trabalho começou a cair de forma acentuada, um número maior de membros das famílias vem sendo empurrado para entrar no mercado de trabalho, mesmo em vínculos precários.
É fato, todavia, que diante do grau de instabilidade política que se instalou no país a piora do mercado de trabalho ao longo de 2015 foi muito mais acentuada do que a prevista e desejada quando foi estabelecido o plano de voo inicial, o que coloca em risco o objetivo de alcançar uma rápida retomada da economia após a restauração do grau de confiança dos agentes econômicos em relação à sustentabilidade das contas públicas. A verdade é que a crise política agudiza e estende no tempo os custos sociais do ajuste.
Regiões e setores

As regiões mais pobres do país, que vinham conhecendo nesse início de século um dos mais importantes ciclos de expansão de investimentos e de elevação do poder de compra, não foram poupadas da aguda reversão da situação econômica e dos seus efeitos sobre o mundo do trabalho. Como vimos na primeira parte do artigo, publicada anteriormente aqui no Jornal da Cidade, apesar de relativamente menos atingidos do que nas áreas mais industrializadas do país, os mercados de trabalho das regiões mais pobres enfrentam os mesmos processos de redução do emprego formal e de expansão das formas precárias de inserção.
Há, todavia, particularidades regionais no que tange a evolução da ocupação segundo os setores de atividade. Em relação ao Nordeste, não se trata apenas que o menor peso do emprego industrial teria causado perda menos intensa de postos de trabalho, dado que essa atividade tem sido uma das mais penalizadas pela crise.

Uma dos fenômenos mais instigantes dos efeitos da crise sobre o mercado de trabalho do Nordeste é o que vem acontecendo com a ocupação industrial. De um lado, verificou-se uma forte retração do emprego formal no setor. De outro, o total das ocupações industriais se expandiu muito, certamente por conta do crescimento do número de trabalhadores por conta própria.

Os dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Continua do IBGE mostram que, diferentemente de todas as demais regiões, o nível de ocupação na indústria geral (indústria de transformação e extrativa mineral) cresceu no segundo trimestre de 2015, tanto quando se compara com o mesmo trimestre de 2014, quanto em relação ao primeiro trimestre de 2015. Simplesmente 129 mil pessoas a mais se ocuparam nas atividades da indústria geral na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo trimestre de 2014 (ver Tabela), uma taxa de incremento de 6%, quando a média no país foi de retração de 0,3% na ocupação do setor.  

Para o Nordeste, especialmente desastroso tem sido o comportamento do emprego na construção civil e na atividade agropecuária, por conta da crise do setor sucroalcooleiro. Na primeira atividade, seja como resultado do estouro da bolha imobiliária seja em decorrência da paralisação dos investimentos em infraestrutura, o nível de ocupação no setor caiu 9,1%, com o corte de 189 mil postos de trabalho. Na agropecuária,a retração de ocupações no Nordeste foi a maior em termos absolutos entre todas as regiões do país, 171 mil ocupações a menos, sempre na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o mesmo trimestre de 2014.

Um aspecto curioso é que, enquanto o contingente de pessoas ocupadas despencou na construção civil e na indústria geral (com a exceção do Nordeste) e a ocupação no comércio desacelerou seu crescimento, há uma forte expansão em praticamente todas as regiões das ocupações em dois grupamentos de atividade: alojamento e alimentação e no bloco de atividades de serviços que abrange desde comunicação até atividades profissionais e administrativas. Provavelmente, são essas atividades que vêm se tornando âncora da sobrevivência das famílias empobrecidas.

Tabela. Crescimento absoluto e relativo da população ocupada segundo posição na ocupação entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2015.
Posição na ocupação principal
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste

Variação absoluta da ocupação entre março-junho de 2014 e março-junto de 2015. (Em mil pessoas)
Total da população ocupada
159
30
64
79
0
-14
Agropecuária
-207
29
-171
-46
-51
32
Indústria geral (transformação e extrativa mineral)
-46
-53
129
-9
-74
-38
Construção
-673
-27
-189
-352
-16
-89
Comércio
177
45
78
-3
28
28
Transporte e armazenagem
39
24
32
-14
20
-23
Alojamento e alimentação
192
10
51
125
4
3
Informação, comunic., financeiras, imob., profissionais e adm.
503
25
112
215
64
87
Adm pública, social, educação, saúde e serviços sociais
145
-37
37
160
-9
-6
Outros serviços
40
13
-4
-16
65
-18
Serviços domésticos
-1
6
-9
24
-32
10








Variação relativa da ocupação entre março-junho de 2014 e março-junto de 2015. (%)

Total da população ocupada
0,2
0,4
0,3
0,2
0,0
-0,2
Agropecuária
-2,1
2,4
-4,3
-2,0
-3,2
4,8
Indústria geral (transformação e extrativa mineral)
-0,3
-6,2
6,0
-0,1
-2,6
-4,4
Construção
-8,6
-4,5
-9,1
-10,5
-1,5
-13,2
Comércio
1,0
3,3
1,7
0,0
1,0
1,9
Transporte e armazenagem
0,9
8,1
3,6
-0,7
2,9
-7,5
Alojamento e alimentação
4,6
3,3
4,8
6,5
0,8
0,8
Informação, comunic., financeiras, imob., profissionais e adm.
4,9
6,0
6,4
3,7
4,3
10,5
Adm pública, social, educação, saúde e serviços sociais
1,0
-2,8
1,0
2,5
-0,4
-0,5
Outros serviços
1,0
4,7
-0,5
-0,8
11,7
-5,2
Serviços domésticos
0,0
1,4
-0,6
0,9
-3,9
2,0
Fonte. IBGE. PNAD contínua.


Publicado no Jornal da Cidade, em 18 de outubro de 2015


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