Ricardo Lacerda
O ajuste econômico tem na deterioração do mercado de trabalho
uma de suas peças basilares. As medidas de ajuste visaram desde o início
fragilizar o mercado de trabalho com o intuito não ocultado de reduzir o poder
de barganha da classe trabalhadora como forma de conter pressões
inflacionárias. Nesse sentido, o ajuste significa não apenas a compressão do
consumo para caber no “produto potencial” do país, como sua outra face, do
ponto de vista da renda, que é a redução da participação dos rendimentos do
trabalho na geração da riqueza nacional. O processo já se encontra em pleno
andamento.
A deterioração do mercado
de trabalho em curso no Brasil vem se manifestando em diversas dimensões: o
emprego formal sofre forte retração, com a previsão de fechamento de mais de um
milhão de postos de trabalho até o final do ano; as formas de ocupações mais
precárias se expandem como resultado de estratégias de subsistências das
famílias, com a ampliação do número de trabalhadores por conta própria, de
trabalhadores em atividade familiar (com ou sem remuneração) e com o incremento
do número de empregadores, como resposta à falta de oportunidade de empregos.
Como o rendimento médio do trabalho começou a cair de forma acentuada, um
número maior de membros das famílias vem sendo empurrado para entrar no mercado
de trabalho, mesmo em vínculos precários.
É fato, todavia, que diante do grau de instabilidade política
que se instalou no país a piora do mercado de trabalho ao longo de 2015 foi
muito mais acentuada do que a prevista e desejada quando foi estabelecido o
plano de voo inicial, o que coloca em risco o objetivo de alcançar uma rápida
retomada da economia após a restauração do grau de confiança dos agentes
econômicos em relação à sustentabilidade das contas públicas. A verdade é que a
crise política agudiza e estende no tempo os custos sociais do ajuste.
Regiões e setores
As regiões mais pobres do país, que vinham conhecendo nesse início de
século um dos mais importantes ciclos de expansão de investimentos e de elevação
do poder de compra, não foram poupadas da aguda reversão da situação econômica
e dos seus efeitos sobre o mundo do trabalho. Como vimos na primeira parte do
artigo, publicada anteriormente aqui no Jornal da Cidade, apesar de relativamente menos atingidos do que nas áreas mais industrializadas do país, os mercados de
trabalho das regiões mais pobres enfrentam os mesmos processos de redução do
emprego formal e de expansão das formas precárias de inserção.
Há, todavia, particularidades regionais no
que tange a evolução da ocupação segundo os setores de atividade. Em relação ao
Nordeste, não se trata apenas que o menor peso do emprego industrial teria
causado perda menos intensa de postos de trabalho, dado que essa atividade tem
sido uma das mais penalizadas pela crise.
Uma dos fenômenos mais instigantes dos
efeitos da crise sobre o mercado de trabalho do Nordeste é o que vem
acontecendo com a ocupação industrial. De um lado, verificou-se uma forte
retração do emprego formal no setor. De outro, o total das ocupações industriais
se expandiu muito, certamente por conta do crescimento do número de trabalhadores
por conta própria.
Os dados da Pesquisa Nacional de Amostra
Domiciliar Continua do IBGE mostram que, diferentemente de todas as demais
regiões, o nível de ocupação na indústria geral (indústria de transformação e
extrativa mineral) cresceu no segundo trimestre de 2015, tanto quando se
compara com o mesmo trimestre de 2014, quanto em relação ao primeiro trimestre
de 2015. Simplesmente 129 mil pessoas a mais se ocuparam nas atividades da
indústria geral na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo
trimestre de 2014 (ver Tabela), uma taxa de incremento de 6%, quando a média no
país foi de retração de 0,3% na ocupação do setor.
Para o Nordeste, especialmente desastroso tem
sido o comportamento do emprego na construção civil e na atividade
agropecuária, por conta da crise do setor sucroalcooleiro. Na primeira
atividade, seja como resultado do estouro da bolha imobiliária seja em
decorrência da paralisação dos investimentos em infraestrutura, o nível de
ocupação no setor caiu 9,1%, com o corte de 189 mil postos de trabalho. Na
agropecuária,a retração de ocupações no Nordeste foi a maior em termos
absolutos entre todas as regiões do país, 171 mil ocupações a menos, sempre na
comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o mesmo trimestre de 2014.
Um aspecto curioso é que, enquanto o
contingente de pessoas ocupadas despencou na construção civil e na indústria
geral (com a exceção do Nordeste) e a ocupação no comércio desacelerou seu crescimento,
há uma forte expansão em praticamente todas as regiões das ocupações em dois
grupamentos de atividade: alojamento e alimentação e no bloco de atividades de
serviços que abrange desde comunicação até atividades profissionais e administrativas.
Provavelmente, são essas atividades que vêm se tornando âncora da sobrevivência
das famílias empobrecidas.
Tabela.
Crescimento absoluto e relativo da população ocupada segundo posição na
ocupação entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2015.
|
||||||
Posição na ocupação principal
|
Brasil
|
Norte
|
Nordeste
|
Sudeste
|
Sul
|
Centro-Oeste
|
Variação
absoluta da ocupação entre março-junho de 2014 e março-junto de 2015. (Em mil
pessoas)
|
||||||
Total da população
ocupada
|
159
|
30
|
64
|
79
|
0
|
-14
|
Agropecuária
|
-207
|
29
|
-171
|
-46
|
-51
|
32
|
Indústria geral
(transformação e extrativa mineral)
|
-46
|
-53
|
129
|
-9
|
-74
|
-38
|
Construção
|
-673
|
-27
|
-189
|
-352
|
-16
|
-89
|
Comércio
|
177
|
45
|
78
|
-3
|
28
|
28
|
Transporte e
armazenagem
|
39
|
24
|
32
|
-14
|
20
|
-23
|
Alojamento e
alimentação
|
192
|
10
|
51
|
125
|
4
|
3
|
Informação, comunic.,
financeiras, imob., profissionais e adm.
|
503
|
25
|
112
|
215
|
64
|
87
|
Adm pública, social,
educação, saúde e serviços sociais
|
145
|
-37
|
37
|
160
|
-9
|
-6
|
Outros serviços
|
40
|
13
|
-4
|
-16
|
65
|
-18
|
Serviços domésticos
|
-1
|
6
|
-9
|
24
|
-32
|
10
|
Variação relativa da ocupação entre março-junho de 2014 e março-junto
de 2015. (%)
|
||||||
Total da população
ocupada
|
0,2
|
0,4
|
0,3
|
0,2
|
0,0
|
-0,2
|
Agropecuária
|
-2,1
|
2,4
|
-4,3
|
-2,0
|
-3,2
|
4,8
|
Indústria geral (transformação e extrativa
mineral)
|
-0,3
|
-6,2
|
6,0
|
-0,1
|
-2,6
|
-4,4
|
Construção
|
-8,6
|
-4,5
|
-9,1
|
-10,5
|
-1,5
|
-13,2
|
Comércio
|
1,0
|
3,3
|
1,7
|
0,0
|
1,0
|
1,9
|
Transporte e
armazenagem
|
0,9
|
8,1
|
3,6
|
-0,7
|
2,9
|
-7,5
|
Alojamento e alimentação
|
4,6
|
3,3
|
4,8
|
6,5
|
0,8
|
0,8
|
Informação, comunic.,
financeiras, imob., profissionais e adm.
|
4,9
|
6,0
|
6,4
|
3,7
|
4,3
|
10,5
|
Adm pública, social,
educação, saúde e serviços sociais
|
1,0
|
-2,8
|
1,0
|
2,5
|
-0,4
|
-0,5
|
Outros serviços
|
1,0
|
4,7
|
-0,5
|
-0,8
|
11,7
|
-5,2
|
Serviços domésticos
|
0,0
|
1,4
|
-0,6
|
0,9
|
-3,9
|
2,0
|
Fonte. IBGE. PNAD contínua.
Publicado no Jornal da Cidade, em 18 de outubro de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário