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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O esmagamento do consumo

Ricardo Lacerda

O chamado ajuste econômico é apresentado como um ajuste fiscal, de redução dos gastos do governo, com o propósito de ampliar o superávit primário e de estancar o crescimento da dívida bruta do setor público enquanto proporção do PIB. Não deixa de sê-lo, mas ele é principalmente um ajuste dos gastos das famílias. A contenção dos gastos públicos é, sob certo sentido, apenas o veículo que vai entregar a compressão do poder de compra das famílias. Isso já foi feito anteriormente. Na verdade, é feito periodicamente e está associado não apenas às nossas mazelas internas como também à inserção subalterna de nossa economia no sistema internacional. Outros países periféricos passam por agruras semelhantes.

Em geral a compressão dos gastos das famílias tem como causa primeira a deterioração do cenário externo. Após um período, mais longo ou mais curto, com maior ou menor intensidade, em que a política econômica procura se contrapor aos efeitos contracionistas da crise internacional, as contas públicas e as contas externas se deterioram, amplificando e desequilibrando os déficits gêmeos. Na sequência, a política econômica se reverte na direção contracionista. Foi assim nos anos oitenta, nos anos noventa e está sendo agora.

Não é, todavia, monótono ou repetitivo. Cada ajuste tem sua própria história para contar. O saldo de benefícios e custos de cada política anticíclica pode ser avaliado  pelos resultados que obteve em promover o crescimento e pelas transformações estruturais de natureza econômica e social que realizou versus a herança de desequilíbrios deixada para os governos subsequentes. A execução do ajuste costuma ser alvo de intensa polêmica e tem sido, ao longo do tempo, um dos principais temas de enfrentamento das forças políticas. Como a reversão do cenário externo raramente é suave, tampouco há aterrizagem confortável, o ajuste é sempre dolorido. 

O Consumo e o PIB

O gráfico a seguir apresenta os índices de crescimento do consumo das famílias e do PIB da economia brasileira entre o final de 1998 e o segundo trimestre de 2015. Apenas por curiosidade, consta também a evolução do PIB das sete maiores economias avançadas, o chamado G7, entre 1998 e 2014. Em todas as séries, o ano base é 1995, com o índice igualado a 100 e os valores são de quatro trimestres acumulados.

O consumo das famílias cresceu muito pouco no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). Com a crise cambial de 1998, o país iniciou um forte ajuste do poder de compra interno a partir do ano seguinte. A mudança na rota da política econômica abrangeu o abandono da âncora cambial (com a abrupta depreciação da moeda nacional) e a adoção do regime de metas de inflação, praticando-se juros estratosféricos nos primeiros anos. Foi um período duro. Nesse segundo mandato, o incremento do consumo das famílias ficou abaixo mesmo do crescimento do PIB, 6,4% e 9,5%, respectivamente, em quatro anos. Nos últimos dois anos da gestão, 2001 e 2002, o consumo ficou praticamente estagnado (crescimento de 1,8%), o que muito concorreu para a frustração na corrida presidencial do bloco político então no poder e para os baixos índices alcançados de aprovação com que FHC deixou o governo. Apenas para comparação, o consumo das famílias cresceu 25,5% no segundo mandato do presidente Lula (2007-2010), frente à expansão de 19,5% do PIB.

No primeiro ano do Governo Lula (2003), o consumo das famílias manteve-se estagnado, como resultado da continuidade na política contracionista. Mas em 2004, o consumo das famílias deu início a um longo período de crescimento acelerado que não foi interrompido nem mesmo durante o cataclisma que abalou a economia mundial no final de 2008. A partir de 2006, a expansão do consumo, alem de sofrer nova aceleração,  passou a apresentar taxas mais elevadas do que as do PIB.

Depois que a crise financeira internacional foi deflagrada, em setembro de 2008, o incremento do consumo foi fundamental para sustentar o ciclo expansivo da economia brasileira de forma consistente até o segundo trimestre de 2011, quando a economia mundial mergulhou novamente na crise. A partir de então, a política anticíclica começou a mostrar seus limites, o que foi acentuado em 2013 e 2014.

O ajuste de 2015

A partir de meados de 2011, a taxa de crescimento do consumo das famílias descolou da trajetória de crescimento do PIB (Ver Gráfico). A economia brasileira desacelerou fortemente mas o consumo das famílias continuou se expandindo a taxas muito expressivas, mesmo que declinantes, até o primeiro trimestre de 2014.

Em 2015, o consumo das famílias caiu por dois trimestres sucessivos. As medidas de ajustes farão com que os gastos de consumo continuem declinando nos próximos trimestres e a política econômica atua para que a queda nesses dispêndios seja mais acentuada do que a do PIB, o que ocorreu pela primeira vez no atual ciclo descendente, no segundo trimestre. A linha contínua do gráfico já mostra a curva do consumo se voltando para baixo. É o início do ajuste, ainda que os resultados fiscais não tenham aparecido.


Fonte: CNT do IBGE para o PIB e o Consumo das Famílias do Brasil. WEO do FMI para o PIB do G7.




Publicado no Jornal da Cidade, em 20/09/2015 

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