Ricardo Lacerda
Sob praticamente todos os aspectos, de
natureza política, econômica ou social, o ajuste recessivo em execução pela
equipe econômica tem se revelado mais problemático do que era previsto no final
do ano passado e os resultados têm ficado aquém do esperado: as dificuldades se
acumulam na tramitação das medidas no congresso; nos efeitos sobre a
arrecadação; na deterioração do mercado de trabalho; e na perda de renda
impigida à população; e nos fins últimos do próprio ajuste, a melhoria da
situação fiscal e a desaceleração da inflação.
Especialmente instigante tem sido o comportamento
da balança comercial. Se as importações têm despencado ao longo de 2015, à
força da queda do poder de compra interno e da desvalorização do real, as exportações
de bens ainda não começaram a apresentar sinais de recuperação.
Um olhar especial sobre a evolução do comércio
e serviços com o exterior é fundamental para tentar dimensionar os efeitos da
mudança nos preços relativos promovida pela depreciação da moeda sobre esses
componentes da demanda agregada e o que se poderá esperar de impulso de
crescimento oriundo de processos de substituição de produtos e serviços
importados pela oferta interna e do crescimento das exportações.
PIB trimestral
No desastroso resultado do PIB do segundo
trimestre, queda de 1,9% em relação ao primeiro trimestre (com os ajustes
sazonais) e de 2,6% em relação ao mesmo trimestre de 2014, os componentes do
dispêndio interno apresentaram resultados mais desfavoráveis do que os componentes
externos.
Em relação ao mesmo trimestre do ano
anterior, o consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento
despencaram 2,7%, 1,1% e 11,9%, respectivamente. Os fluxos de bens e serviços
com o exterior atenuaram a queda do PIB, com crescimento das exportações de
bens e serviços da ordem de 7,5% e recuo das importações de 11,7%, refletindo os
efeitos da recessão interna e da alteração do patamar do câmbio sobre eles.
A evolução das trajetórias trimestre a
trimestre dos componentes do dispêndio (na série livre de efeitos sazonais) está
apresentada no gráfico abaixo. Em linhas gerais, o PIB registrou queda acentuada
nos últimos dois trimestres, o consumo das famílias e o consumo do governo que
o sustentavam deixaram de fazê-lo e o acirramento da crise da indústria e a deterioração
da confiança fizeram despencar o investimento. As exportações de bens e
serviços cresceram nessa série e as importações de bens e serviços registraram quedas
quase tão notáveis quanto as dos investimentos.
Fonte: IBGE. CNT
Importações de bens e serviços
A queda abrupta do poder de compra interno e
o câmbio mais caro, aliados à deterioração da confiança nos cenários interno e
externo, fizeram despencar as importações de bens de bens e serviços. Em relação
ao mesmo trimestre de 2014, as importações de bens se retraíram 23,4%. No mês
de agosto, o valor das importações de bens recuou notáveis 33,7%, ou seja, um
em cada três dolares deixou de ser utilizado na aquisição de bens no exterior.
Em relação ao fluxos de serviços, o recuo foi
menos acentuado porque, em alguns casos, as aquisições envolvem contratos
relativamente mais longos. Na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o
mesmo trimestre de 2014, as despesas com serviços adquiridos no exterior
recuaram 16,4% e o saldo negativo da conta de serviços caiu em US$ 1,1 bilhão
no período, equivalente a recuo de 16,8%. Entre os dois componentes de maior
peso na conta de serviços, as viagens internacionais apresentaram retração de
28,2% na comparação entre o segundo trimestre de 2015 e o de 2014, mas os
desembolsos com aluguel de equipamentos, associados a contratos de prazo mais
longo somente apresentaram redução no mês de julho.
Categorias de uso
A queda do poder de compra interno repercutiu
sobre a importação em todas as categorias de uso. Entre janeiro e agosto de
2015, em relação ao mesmo período de 2014, as importações de bens de capital
caíram 15,8%, as de matérias-primas recuaram 17,8% e as de bens de consumo,
14,6%.
Em termos absolutos, os recuos mais
expressivos se verificaram nas categorias que refletem mais diretamente a
retração da produção industrial e dos investimentos, como as matérias-primas e os
bens de capital, e a de combustíveis, resultante das quedas nas cotações
internacionais e no consumo interno. Em termos relativos, as maiores retrações
foram registradas nas importações de bens de consumo duráveis, com destaque para
automóveis, e novamente nos combustíveis.
TABELA: importação
brasileira por categoria de uso. EM US$ milhões
|
||||
Janeiro-Agosto de 2015
|
Janeiro-Agosto de 2014
|
Diferença
|
Taxa de crescimento
(%)
|
|
Bens de Capital
|
26.862
|
31.912
|
-5.050
|
-15,8
|
Matérias-Primas e interm.
|
56.947
|
69.274
|
-12.327
|
-17,8
|
Bens de Consumo
|
22.230
|
26.019
|
-3.789
|
-14,6
|
-Bens de C. Não duráveis
|
11.295
|
12.224
|
-929
|
-7,6
|
-Bens de C. duráveis
|
10.935
|
13.795
|
-2.860
|
-20,7
|
-Automóveis
|
3.774
|
5.200
|
-1.426
|
-27,4
|
Combustíveis
|
15.011
|
26.608
|
-11.597
|
-43,6
|
-Petróleo
|
4.199
|
10.119
|
-5.920
|
-58,5
|
Total
|
121.050
|
153.813
|
-32.763
|
-21,3
|
Fonte:
MDIC/SECEX
Publicado no Jornal da Cidade, em 06 de setembro de 2015
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