Ricardo Lacerda
Em setembro último completaram-se cinco anos da quebra do banco Lehman Brothers, episódio que marcou o início da crise financeira internacional que se
desdobra até os dias de hoje. Ainda que o epicentro da crise tenha sido nos
países de economias avançadas, canais de transmissão se encarregaram de
contaminar o conjunto da economia mundial.
Em graus diferentes entre si, as economias dos países ditos emergentes
ressentem-se atualmente da desaceleração de suas taxas de crescimento e dos
desequilíbrios em suas transações externas e/ou em suas contas públicas.
A economia brasileira que experimentara
entre 2003 e 2008 taxa anual média de crescimento do PIB de 4,8%, no mais
robusto ciclo expansivo desde os anos oitenta, desacelerou o seu ritmo de
expansão no quinquênio seguinte para quase a metade, 2,6% ao ano (entre 2009 e
2013), caso se confirme o crescimento de 2,3% em 2013.
Ao final de 2013, não há ainda perspectivas muito claras de retomada de
crescimento no conjunto das economias centrais, mesmo considerando a melhoria
continua da situação econômica nos Estados Unidos. É com esse cenário externo
que a economia brasileira vai se defrontar em 2014.
Resposta
brasileira
O Brasil procurou responder à
deterioração das condições externas no pós-2008 por meio da ampliação do
mercado doméstico, estimulado pela expansão do emprego e do crédito e pelos incentivos
ao consumo, com resultados bastante favoráveis no primeiro momento da crise. Quando
o cenário externo voltou a se agravar em meados de 2011, ficou patenteado que a
sustentação da retomada do crescimento iria se tornar crescentemente mais
difícil. Tratava-se, então, não apenas de assegurar o fluxo de crédito e
estimular a demanda interna por consumo, mas de criar as condições para um novo
ciclo de investimentos que abrisse nova frente de expansão produtiva.
Em resposta ao acelerado agravamento do
cenário externo, o governo brasileiro promoveu uma política monetária
fortemente expansiva, enquanto adotava medidas visando estimular a expansão da
oferta: buscou estimular o investimento por meio de medidas como a desoneração
da folha de pagamento, redução da tarifa da energia elétrica, elevação do grau
de proteção no mercado interno, expansão do crédito subsidiado, enquanto
promovia uma desvalorização cambial expressiva, de cerca de 30% na paridade em
relação ao dólar, entre julho de 2011 e julho de 2012.
As medidas adotadas serviram para
evitar que a economia brasileira mergulhasse em recessão aberta, mas não
tiveram forças para restabelecer condições mais sustentáveis de retomada do
investimento e produziram alguns efeitos colaterais importantes, diante da
reação do empresariado ao aprofundamento da intervenção do governo no domínio
econômico. A frustração da retomada da atividade econômica em níveis mais
acentuados, por sua vez, aliada aos incentivos fiscais e creditícios, resultava
em piora na situação das finanças públicas, gerando desconfianças adicionais.
Frente à debilidade da resposta do lado
da oferta, o crescimento modesto alcançado depois que a situação externa se
tornou adversa em 2008 foi financiado, em grande parte, pelos crescentes
déficits no saldo de transações correntes.
Já em meados de 2013, frente à pressão
do mercado, o governo recua na política de juros baixos, em algumas das medidas
de estímulos discricionárias e nas regras de concessões, como prêmio a ser pago
em busca da retomada da confiança.
A indústria
Um ponto crucial nas dificuldades em
retomar o crescimento em base sustentável se situa na rápida perda de
competitividade da atividade industrial no pós-2008.
No período inicial do ciclo expansivo,
entre 2004 e 2006, o PIB da indústria de transformação cresceu, na média,
ligeiramente acima do PIB total da economia brasileira (ver linha continua
simples no gráfico). A partir de 2007, diante da acentuada valorização do
câmbio, combinada com o forte incremento do poder de compra interno, a
atividade industrial passa a crescer a taxas menores do que as do PIB, mas
ainda mantém taxas de incremento não muito distantes da média da economia.
Depois do espocar da crise financeira
internacional ao final de 2008, a atividade da indústria de transformação
brasileira andou literalmente de lado, descontando o vale de 2009 e a
recuperação em 2010, que se anulam (ver Gráfico). É, assim, fato que os
problemas de competitividade da indústria de transformação assumem nova
dimensão a partir do final de 2008.
Nova dinâmica
No pós-2008, estabelece-se uma nova
dinâmica setorial. As atividades voltadas para o mercado interno, como o setor
de serviços e a construção civil, puxaram para cima o ritmo de crescimento do
PIB enquanto aquelas que produzem bens comercializáveis, sujeitos à
concorrência nos mercados interno e externo, como a atividade industrial e o
setor agropecuário, puxam a expansão do PIB para baixo.
É difícil atribuir quanto da perda de
competitividade da atividade industrial brasileira no pós-2008 decorre da piora
de alguns dos seus principais mercados externos, como a Argentina e a Europa, e
quanto pode ser de responsabilidade de fatores internos, como o aumento do
custo do trabalho medido em uma cesta de moeda e estrangulamentos na
infraestrutura.
É razoável, todavia, concluir que sem
um esforço direcionado para aumentar a competitividade do setor, em que a taxa
de câmbio é um fator decisivo, não há como pensar em retomada sustentável do
crescimento econômico.
Fonte: IBGE. Contas Nacionais
Trimestrais. Série encadeada a preços de 1995.
Publicado no Jornal da Cidade, em 29/12/2013