Publicado no Jornal da Cidade, em 18/11/2012
Ibarê Dantas
O
assassinato do prefeito de Ribeirópolis, na varanda de sua casa em 1955, chocou
os sergipanos e provocou revolta e comoção aos correligionários, amigos e
familiares. No ano seguinte, o irmão Silvino Modesto dos Passos e sua esposa Maria
Nunes dos Passos registraram o filho recém-nascido como Josué Modesto dos
Passos Subrinho, em homenagem ao tio falecido. Não foi um bom presente para a
criança que passou a carregar um nome que lembrava uma tragédia. Todavia, amenizou
a situação o fato de a família deixar o Estado e criar o menino longe do
ambiente conflituoso. Ao sair de Sergipe, o pequeno Josué esteve em povoações
de Mato Grosso, depois se transferiu para o interior de São Paulo, mais
especificamente para Santo Anastácio, onde começou seus estudos regulares, ao
tempo em que revelava seu perfil introspectivo. Quando foi levado ao Colégio
Estadual, descobriu a biblioteca do estabelecimento e aí contraiu o vício da
leitura. Se já era menino de poucas conversas e brincadeiras, mais retraído
ficou. Membro de uma família numerosa de parcos recursos, cedo Josué percebeu que
seu futuro dependia de seus esforços e cuidou de sua formação com pertinaz disciplina
e determinação como se preparasse para uma missão superior.
No
início dos anos setenta, já adolescente, o jovem filho do senhor Silvino Passos
retornou a Sergipe para cursar o científico no Colégio Castelo Branco em
Aracaju. Sentava-se na última carteira e aí permanecia silencioso e atento. Quando
se submetia à prova era o grande destaque. Concluído o curso secundário, foi
aprovado no concurso de auxiliar administrativo e no vestibular de economia da
UFS. Lotado como atendente na biblioteca, vivia lendo de tudo, até enciclopédia,
construindo cedo uma vasta cultura geral sem deixar de inserir-se no mundo da
política, participando da ala jovem do MDB.
Graduado
com distinção, Josué Modesto cursou o mestrado na Unicamp e produziu o texto História Econômica de Sergipe (1850-1930),
UFS, 1987, uma bela síntese que continua ajudando a compreender a vida material
do pequeno Estado nordestino. Em seguida, exerceu alguns anos de magistério,
voltou a Campinas e doutorou-se com a tese sobre o Reordenamento do Trabalho, tratando da transição do trabalho escravo
para o trabalho livre 1850-1930, publicada pela Funcaju em 2000, obra das mais
importantes da historiografia sergipana.
Como
professor da UFS, Josué participou do Centro
de Estudos e Investigação Sociais – CEIS que, na fase de abertura política,
promovia palestras e debates acalorados com a presença de pessoas das mais
variadas colorações político-ideológicas, quando havia grande motivação em
construir o processo de democratização. Em todos esses encontros Josué demorava
a falar, mas quando intervinha, impunha-se com a lucidez e a acuidade de suas
colocações.
Na
segunda metade dos anos oitenta, ajudou a criar o Núcleo de Pós-Gradução em
Ciências Sociais. Em 1992, assumiu a coordenação da pós-graduação da UFS e
quatro anos depois foi eleito vice-reitor. Neste cargo, ajudava o reitor José
Fernandes de Lima, lia e refletia sobre a questão da Universidade, produzindo
artigos sobre diversos temas, alguns dos quais desafiadores. São desse tempo suas
análises sobre regime único, provão, evasão e tantos outros. Josué percebeu que
a democratização da universidade tinha facetas bastante complexas e nem sempre
perceptíveis. Tratando de uma organização burocrática composta de três
categorias distintas, comportava especificidades que não deveriam ser
mascaradas. De um lado, havia a propensão para sufocar a meritocracia com o
fortalecimento do corporativismo, esquecendo as funções precípuas da
universidade de formar quadros e produzir ciência. Foi nesse momento que o
vice-reitor interveio com seus textos corajosos, mostrando que autonomia não
significava adquirir irresponsabilidade e democratização não implicava abdicação
da excelência no desempenho. Reagindo contra a tendência das instituições
burocráticas de acomodação e impelido pelo seu espírito público, Josué alertava
para a responsabilidade social, para a otimização dos recursos, insistindo inclusive
sobre a necessidade de ampliar os cursos noturnos e olhar com mais atenção para
a natureza dos investimentos, dos custos e assim sucessivamente. Ou seja,
divulgou reflexões de alto nível que se tornaram mais acessíveis ao publicar
parte dos escritos no livro Novos
Desafios da Universidade Pública, UFS,
1999.
Quando
Josué foi eleito Reitor da UFS, em 2004, já dispunha de uma visão esclarecida
dos problemas da Universidade, dos objetivos a serem perseguidos e de alguns
dos desafios que haveria de enfrentar. Continuou refletindo sobre os rumos da
instituição, publicando artigos e se empenhando para que professores e
funcionários cumprissem com regularidade seus deveres funcionais, mas as
reações corporativas dificultaram melhores resultados. Foi mais bem sucedido nos
convênios. Com a UFRN, promoveu a modernização
da gestão da UFS, proporcionando
maior agilidade no tratamento das questões administrativas e acadêmicas. Com a Petrobras, montou o Centro de
Excelência em Tecnologia de Petróleo e Gás. Com o IHGSE, enriqueceu o acervo da
Biblioteca da UFS com jornais de Sergipe digitalizados e várias obras de
importância relevante que ajudou a publicar. Com o Tribunal de Justiça de
Sergipe, que possibilitou a construção, dentro do Campus, de um fórum que
atende alunos de Direito, Psicologia e Serviço Social. Preocupado com a inclusão
social, conseguiu implementar o ensino à distância e aderiu ao controvertido
sistema de cotas dentro da tendência nacional.
Contudo, mais impressionante foi o resultado
dos seus projetos de expansão da Universidade. Recorde-se que, na primeira
década de sua existência, o corpo discente da UFS teve um crescimento razoável,
passando de 663 alunos (1968) para 4.452
(1978). Entretanto, nos 26 anos subsequentes o aumento aconteceu de forma mais
vagarosa. Em 2004, o alunato de graduação e pós-graduação não passava de 10.574
pessoas, quando a demanda dos inscritos para o vestibular aumentava
desproporcionalmente. Enquanto
o número de estudantes do ensino superior em outros Estados crescia significativamente,
em Sergipe havia pouco empenho para ampliá-lo na UFS. Nos anos noventa, por
exemplo, houve possibilidades, mas não foram aproveitadas.
Em
2004, quando a discussão aflorou no MEC e algumas instituições federais
pleiteavam ampliar suas unidades e/ou criar novos campi próprios, o magnífico reitor Josué Modesto, contando com o
entusiasmo de alguns assessores, apresentou seu primeiro projeto, articulou-se
com parlamentares sensíveis e a primeira fase da expansão tornou-se realidade.
O campus de São Cristóvão foi
ampliado e o de Itabaiana, criado. Credenciado pela eficiência de sua gestão,
conseguiu acrescentar o de Laranjeiras e, por fim, o de Lagarto, completando a
grande transformação da UFS ocorrida nos últimos oito anos, de 2004 a 2012,
quando seus indicadores se ampliaram consideravelmente. Nesse período, as vagas
ofertadas no vestibular foram multiplicadas por 2,74; o alunado da Graduação foi
triplicado; e o da pós-graduação foi multiplicado por cinco, enquanto a oferta
desses cursos cresceu ainda mais. Para atender a esse corpo discente, o quadro
de professores efetivos mais que dobrou, e o orçamento mais que triplicou.
Depois de registrados os feitos, poucos
recordam dos problemas enfrentados. As amolações em Brasília, a demora de
algumas obras, inclusive pela desistência das construtoras, as dificuldades do
governo federal em liberar os recursos prometidos, retardando os meios para a
infraestrutura dos cursos e a abertura das vagas para novos professores,
gerando críticas diversas e avaliações equivocadas, ocorrências comuns aos
gestores da pública administração. Ao final, ninguém poderá acusá-lo de omisso
por deixar as oportunidades passarem nem de se acovardar diante dos enormes desafios.
Sóbrio, honesto e obstinado em seus objetivos, Josué reuniu forças e deixa um
legado difícil de ser superado.
Agora
que seu mandato chega ao seu termo e sua obra passará a ser analisada de forma
mais criteriosa, Josué Modesto dos Passos Subrinho retomará a sala de aula e as
pesquisas interrompidas com os mesmos hábitos de simplicidade e modéstia como
se estivesse retornando de férias, convenhamos bastante afanosas. Independentemente
disso, seu nome vai continuar lembrado pela sua produção acadêmica e pela grande
transformação operada na UFS, deixando no esquecimento a motivação do seu nome em
homenagem ao tio homônimo tragicamente morto.