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segunda-feira, 13 de junho de 2011

A reforma tributária fatiada e o pacto federativo

Ricardo Lacerda

Depois do fracasso do Projeto de Emenda Constitucional 233/2008, paralisado no Congresso Nacional, incapaz que foi de criar um mínimo de consenso em torno dos principais pontos, o Ministério da Fazenda voltou a tomar iniciativa para implementar nova proposta de reforma tributária, desta vez muito mais modesta, limitando-se a aspectos considerados mais prementes, visando eliminar algumas das distorções mais agudas, dentre as muitas que vigoram.

A reforma tributária foi colocada na mesa de negociação em um momento crítico para as finanças dos Estados nordestinos, inclusive por conta da fragilização progressiva do papel do Fundo de Participação dos Estados (FPE) como um dos principais instrumentos de compensação das disparidades regionais, na medida em que parcela crescente da base de tributação da União não entra no cômputo de sua arrecadação.

Suplementarmente, os recursos do FPE têm sido alvo de cobiça pelos Estados mais ricos que questionam os critérios de sua distribuição. A disputa federativa se estende à definição de repartição de recursos de royalties do pré-sal e à tributação do comércio eletrônico.


Reforma fatiada

A proposta do governo federal é fazer uma reforma fatiada, iniciando por mudanças no ICMS, mais particularmente alterando as suas alíquotas interestaduais. Na agenda do Ministério da Fazenda constam outros temas, como a devolução de créditos por exportação e investimento, a ampliação do teto do faturamento das pequenas empresas para efeito de enquadramento no Supersimples e a desoneração da folha de pagamento.

O nosso ICMS é um tributo exótico, porque apesar de ser um imposto de circulação ele é prioritariamente cobrado no Estado onde o bem é produzido, quando deveria ter a maior parcela tributada naquele em que é consumido. O ponto focal da reforma fatiada é a mudança na alíquota interestadual do ICMS, aquela que a empresa se credita no Estado onde produz e desconta dos 17%, tarifa modal, no Estado onde o produto é comercializado. Progressivamente, a incidência do ICMS aumentaria no Estado de destino do bem ou serviço e diminuiria no Estado de origem.

Créditos tributários

Os Estados disputam os investimentos oferecendo créditos tributários, reduções fiscais e outros benefícios. O crédito do ICMS na origem, em operações interestaduais, é, hoje, o principal instrumento de atração de empresas para os Estados mais distantes dos grandes mercados consumidores do país e constitui a essência da chamada guerra fiscal entre as unidades da federação.
Tal concessão é foco de contestação pelos Estados detentores de maior mercado consumidor que, de forma crescente, vêm retaliando ao que consideram um ataque aos seus mercados, por meio de glosa dos créditos nas operações interestaduais, ao tempo que questionam a constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal daquelas concessões que não foram frutos de convênios firmados no âmbito do Conselho Fazendário Nacional (CONFAZ). Repetidamente, produtos têm seus créditos desconsiderados e passam a pagar a totalidade do tributo no Estado onde vai ser consumido, gerando um acúmulo de ações judiciais impetradas pelas empresas que se sentem prejudicadas, criando um ambiente de conflagração entre os Estados e um quadro de insegurança jurídica.

Importação

A distorção que gerou maiores preocupações são as operações com produtos importados que obtêm créditos do ICMS no Estado em que ocorre o desembaraço alfandegário e os descontam nas transações interestaduais, abatendo do imposto pago onde os produtos serão comercializados. Com isso, os produtos importados podem pagar uma parcela menor do tributo do que o produto nacional, estabelecendo-se um processo de competição desleal e predatória.

Há um amplo consenso entre os Estados de que tal prática é injusta e deve ser abolida. Em um momento em que a indústria nacional se encontra fragilizada por conta da forte valorização cambial, a concessão de incentivos fiscais aos importados indica o grau de desrespeito aos princípios de cooperação e solidariedade federativa.

Desenvolvimento regional

A proposta do governo é, progressivamente, reduzir as duas alíquotas atuais de cobrança na origem, de 12% para os Estados Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de 7%, para os Estados do Sul e Sudeste, até atingir 2% ao final de três anos.

Doutrinariamente, não há como discordar do princípio de tributação do ICMS no destino, com um percentual mínimo na origem, para não desmobilizar a fiscalização. O problema central é que a mudança no ICMS retira poder de atratividade de investimentos dos Estados de menor base industrial, sem que o Governo Federal tenha apresentado propostas concretas em relação aos instrumentos que colocará no lugar. Nesse sentido, a mudança do ICMS é um tema estratégico, com elevada influência sobre as potencialidades de desenvolvimento industrial dos Estados.

Em passos acelerados, debate-se a reforma tributária, de forma fatiada, sem apresentar medidas concretas que compensem os Estados com mercados de consumo mais estreitos pela perda de atratividade de novos investimentos. É necessário inaugurar uma nova geração de políticas de desenvolvimento regional no Brasil. A longevidade da Guerra Fiscal, por si, é prova viva da dificuldade para encontrar novos mecanismos que permitam a adoção de políticas mais racionais e sustentáveis de desenvolvimento regional.



Publicado no Jornal da Cidade em 12/06/2011



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