Ricardo Lacerda
Em 2014, o balanço de pagamentos do Brasil
registrou saldo positivo de US$ 10,8 bilhões, que é a diferença entre os
recursos que entraram e saíram no país ao longo do ano, revertendo o sinal
negativo de 2013, no montante de US$ 5,9 bilhões.
Nos últimos vinte anos (1995-2014), o Brasil
somente apresentou déficit em suas transações externas em cinco vezes, sendo
quatro delas entre 1997 e 2000, além do já referido ano de 2013.
Depois de 2006, o Brasil passou a registrar superávits
muito elevados nas contas externas, formados graças ao desempenho das nossas
exportações e da massiva entrada de capital em busca de oportunidades de investimentos no país, além dos recursos atraídos
pelos elevadíssimos rendimentos das aplicações financeiras. Foram esses saldos
acumulados ao longo dos anos que propiciaram a formação de resevas externas de
US$ 374,1 bilhões com que contamos atualmente, sem as quais o país já teria soçobrado
nas intempéries que marcam o comportamento da economia mundial nos últimos sete
anos.
Desde 2012, todavia, o balanço de pagamentos
brasileiro vem passando por um processo acelerado de deterioração nos seus
resultados, fruto não da perda de atração de capital para investir no pais e
sim do encolhimento até a reversão de
positivo para negativo do saldo da balança de comercial e do grande alargamento
do déficit na conta de serviços.
Saldo de 2014
O saldo positivo do balanço de pagamentos
externos resultou da entrada de US$101,78 bilhões de recursos da conta de
capital (já somados aos erros e omissões), que registra grosso modo as
operações de crédito e os fluxos decorrentes de investimentos do país com o
resto do mundo e a saída líquida de US$ 90,95 bilhões na conta de transações
correntes, em que são contabilizados os fluxos de recursos decorrentes das
vendas e compras de bens e serviços com exterior e dos fluxos de pagamento de
juros e lucros.
Na comparação entre 2013 e 2014, a conta de transações correntes ampliou o seu
déficit, mas o incremento da entrada líquida de recursos na conta de capital
mais do que compensou a piora na conta de transações correntes, em quantidade
suficiente para passar de uma situação de déficit no balanço de pagamentos para
obter o resultado positivo em 2014 (ver Tabela). Em termos práticos, ampliamos
a quantidade de poupança financeira e real do exterior para cobrir as nossas
necessidades de importação de bens e serviços.
2008-2011 Serviços e bens
No período 2003-2007, o desempenho muito
favorável de nossas exportações de bens permitiu que fossem acumulados US$ 45
bilhões em saldo na conta de transações correntes, mais do que compensando o
expressivo déficit na conta de serviços. Tais recursos somados a entrada de
capital em forma de investimentos, empréstimos e aplicações financeiras
propiciaram a formação de saldo de US$ 133 bilhões no balanço de pagamentos
brasileiros.
Depois que a crise se instalou na economia
internacional no último trimestre de 2008, a balança comercial continuou
cumprindo um papel importante nas contas externas brasileiras, ainda que
substancialmente inferior ao do período precedente. Enquanto a média anual do
superávit das exportações de bens em relação às importações atingiu US$ 37,9 bilhões
entre 2003 e 2007, este permaneceu positivo mais baixou para o patamar de US$
25 bilhões entre 2008 e 2011.
Nesse período, a reversão de resultado
positivo para negativo na conta de
transações correntes se deveu, todavia,
principalmente à forte ampliação do saldo negativo no balanço de
serviços e rendas, notoriamente na parte de serviços cujos déficits anuais
médios saltaram de US$ 8,2 bilhões,
entre 2003 e 2007, para US$ 26 bilhões no período 2008-2011. Quais serviços?
Principalmente viagens e turismo e alugueis de equipamentos na cadeia de
petróleo e gás e para outros investimentos.
Ainda assim o balanço de pagamentos do Brasil
se manteve em uma situação relativamente confortável nesse último período, mesmo
com o déficit de transações tendo se ampliado em ritmo acelerado. Na comparação
entre 2008 e 2011, o déficit em transações correntes saltou de US$ 28,2 bilhões
para US$ 52,5 bilhões.
Tabela: Balanço de Pagamentos do
Brasil. Médias anuais 2003-2007, 2008-2011 e resultados anuais de 2013 e
2014.
Em US$ milhões.
|
|||||
Discriminação
|
Médias anuais
|
2013
|
2014
|
||
2003-2007
|
2008-2011
|
2012-2014
|
|||
I- TRANSAÇÕES CORRENTES
|
9.007
|
-38.060
|
-75.435
|
-81.108
|
-90.948
|
Balança comercial (FOB)
|
37.925
|
25.016
|
5.955
|
2.399
|
- 3.930
|
Exportação de bens
|
117.265
|
202.223
|
236.571
|
242.034
|
225.101
|
Importação de bens
|
-79.340
|
- 177.207
|
- 230.616
|
-239.634
|
- 229.031
|
Serviços e rendas (líquido)
|
- 32.517
|
-66.438
|
-84.101
|
-86.874
|
- 88.941
|
Serviços
|
-8.155
|
- 26.175
|
-45.602
|
-47.096
|
-48.667
|
Rendas
|
-24.362
|
-40.263
|
-38.500
|
-39.778
|
-40.273
|
Transferências
unilaterais
|
3.599
|
3.362
|
2.712
|
3.366
|
1.922
|
II- CONTA CAPITAL E FINANCEIRA
|
18.846
|
78.238
|
81.276
|
74.245
|
99.572
|
Investimento
direto
|
9.784
|
41.310
|
67.206
|
67.491
|
66.035
|
III- ERROS E OMISSÕES
|
- 1.231
|
-838
|
2.095
|
936
|
2.209
|
IV- SALDO DO BALANÇO
|
26.623
|
39.339
|
7.935
|
- 5.926
|
10.833
|
Fonte: Banco Central do Brasil.
2012-2014: bens e serviços
Foi depois que a crise internacional voltou a
se agravar de 2011 em diante que as contas externas brasileiras foram mais
impactadas, como é possível constatar nos resultados referentes aos últimos
três anos.
Do ponto de vista da conta de transações
correntes, o déficit médio anual saltou dos US$ 38 bilhões do período 2008-2012
para mais de US$ 70 bilhões entre 2012 e 2014, como resultado combinado da
forte retração do saldo da balança comercial para uma média anual de cerca de
US$ 6 bilhões, frente aos US$ 25 bilhões do período anterior, enquanto os
desembolsos líquidos com serviços saltaram dos US$ 26 bilhões médios anuais
para os notáveis US$ 45,6 bilhões da média anual entre 2012 e 2014. Ou seja, a
deterioração do saldo comercial implicou perdas de cerca de US$ 57 bilhões
nesse último período, e a conta de serviços, uma perda adicional de US$ 58
bilhões. Quais serviços? novamente viagens e passagens e aluguel de
equipamentos.
Publicado no Jornal da Cidade, em 22/02/2015