Ricardo Lacerda
A compatibilização de objetivos
múltiplos e parcialmente conflitantes é um dos principais desafios da gestão
das políticas de desenvolvimento. Especialmente difícil é ajustar objetivos que
têm diferentes horizontes de realização. É preciso harmonizar a ampliação
contínua da atividade econômica para gerar emprego e elevar a arrecadação, sem
o que o governo não tem como ampliar o atendimento
nas áreas de saúde, educação, segurança pública, com a necessidade de assegurar
a sustentabilidade dos recursos naturais para futuras gerações. E não há longo
prazo promissor se a economia mergulha no abismo curto prazo.
Quando
o cenário internacional é favorável e a economia se encontra em crescimento acelerado
ou o nível de renda é mais elevado, as escolhas se tornam relativamente mais
fáceis.
Mobilidade urbana
Um bom
paralelo pode ser feito com as escolhas em relação ao trânsito urbano. Não há quem
não tenha percebido que o crescimento da renda nos últimos anos acompanhado pelos
incentivos à aquisição de automóveis tornou crítico o tráfego em praticamente
todas as cidades de médio porte para cima.
Todavia,
quando a economia começa a desacelerar, ameaçando a continuidade do ciclo de
crescimento, um dos primeiros recursos que a política econômica lança mão é
abrir uma nova rodada de redução de tributos e de facilidades de crédito para a
compra de automóveis. Não há quem discorde que a cidades vão travar se não for
dada prioridade aos transportes coletivos em detrimento dos veículos
individuais, sem que diferentes governos, das diversas matizes políticas,
tenham feito o esforço crítico mínimo para redirecionar os investimentos nessa
linha. Os montantes de recursos são elevados e ferreamente disputados por
outras demandas também legítimas, a forma de financiamento pela sociedade não
está resolvida, os seus efeitos de encadeamento sobre outros segmentos não
estão bem definidos, os estudos técnicos não estão amadurecidos e o ciclo
político é curto e frequentemente não suporta investimentos de longo prazo de
maturação.
Especialmente
dolorosos são os processos de escolha entre atender prioritariamente as
necessidades presentes ou acumular recursos para atender as demandas futuras. Há
uma sensação de que o cobertor é curto para atender os diversos objetivos. Além
disso, a transição para um novo modelo nunca é indolor, nem mesmo segura. Há
custos políticos evidentes porque interesses serão contrariados, o que frequentemente
paralisa mudanças de maior envergadura.
Intuímos,
todavia, que em algum momento o custo de não mudar é tão elevado que vai ser
necessário o governo arbitrar os conflitos e pender mais claramente para uma
linha de solução que direcione recursos muito expressivos para o transporte
coletivo, mesmo contrariando interesses da indústria automobilística e causando
insatisfações aos proprietários de veículos e ao conjunto da sociedade pela
cunha fiscal requerida para financiar investimentos de grande monta. E
intuímos, também, que não deveria precisar chegar ao caos urbano para
redirecionar de forma mais enfática a política de transporte.
Macroeconomia
A gestão da macroeconomia
também apresenta seus próprios dilemas, especialmente quando o cenário externo
se deteriora e a economia passa a apresentar taxas de crescimento mais
modestas. O cerne da questão hoje é a taxa de câmbio.
A valorização do câmbio é
uma das formas mais sutil e, ao mesmo tempo, eficaz de trocar as perspectivas de
futuro pelo atendimento das necessidades do presente, em diversos sentidos: favorece
o consumo em detrimento da produção, financia os gastos de consumo do presente
com o sacrifício das famílias no futuro, troca a produção interna pela
aquisição de importados, põe em risco a estabilidade futura da economia em nome
do atendimento das necessidades presentes.
Em 2012, o Brasil registrou
o quinto e crescente déficit na conta de transações correntes com o exterior.
Depois do débâcle financeiro de 2008, o déficit em transações correntes mudou
para um patamar mais elevado (ver Gráfico). Mesmo considerando o conforto
conferido pelo volume expressivo de nossas reservas externas e de que esse
déficit como proporção do PIB encontra-se inferior a de períodos críticos de
nossa história econômica, não faz muito sentido subsidiar o consumo presente
com recursos de poupança externa em troca do comprometimento de produção
doméstica e de restrições futuras.
Fonte: Banco Central
Publicado no Jornal da Cidade em 24/03/2013