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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

domingo, 24 de março de 2013

As armadilhas do desenvolvimento



Ricardo Lacerda

A compatibilização de objetivos múltiplos e parcialmente conflitantes é um dos principais desafios da gestão das políticas de desenvolvimento. Especialmente difícil é ajustar objetivos que têm diferentes horizontes de realização. É preciso harmonizar a ampliação contínua da atividade econômica para gerar emprego e elevar a arrecadação, sem o que o governo não tem como ampliar o atendimento nas áreas de saúde, educação, segurança pública, com a necessidade de assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais para futuras gerações. E não há longo prazo promissor se a economia mergulha no abismo curto prazo.

Quando o cenário internacional é favorável e a economia se encontra em crescimento acelerado ou o nível de renda é mais elevado, as escolhas se tornam relativamente mais fáceis.

Mobilidade urbana

Um bom paralelo pode ser feito com as escolhas em relação ao trânsito urbano. Não há quem não tenha percebido que o crescimento da renda nos últimos anos acompanhado pelos incentivos à aquisição de automóveis tornou crítico o tráfego em praticamente todas as cidades de médio porte para cima.

Todavia, quando a economia começa a desacelerar, ameaçando a continuidade do ciclo de crescimento, um dos primeiros recursos que a política econômica lança mão é abrir uma nova rodada de redução de tributos e de facilidades de crédito para a compra de automóveis. Não há quem discorde que a cidades vão travar se não for dada prioridade aos transportes coletivos em detrimento dos veículos individuais, sem que diferentes governos, das diversas matizes políticas, tenham feito o esforço crítico mínimo para redirecionar os investimentos nessa linha. Os montantes de recursos são elevados e ferreamente disputados por outras demandas também legítimas, a forma de financiamento pela sociedade não está resolvida, os seus efeitos de encadeamento sobre outros segmentos não estão bem definidos, os estudos técnicos não estão amadurecidos e o ciclo político é curto e frequentemente não suporta investimentos de longo prazo de maturação. 

Especialmente dolorosos são os processos de escolha entre atender prioritariamente as necessidades presentes ou acumular recursos para atender as demandas futuras. Há uma sensação de que o cobertor é curto para atender os diversos objetivos. Além disso, a transição para um novo modelo nunca é indolor, nem mesmo segura. Há custos políticos evidentes porque interesses serão contrariados, o que frequentemente paralisa mudanças de maior envergadura. 

Intuímos, todavia, que em algum momento o custo de não mudar é tão elevado que vai ser necessário o governo arbitrar os conflitos e pender mais claramente para uma linha de solução que direcione recursos muito expressivos para o transporte coletivo, mesmo contrariando interesses da indústria automobilística e causando insatisfações aos proprietários de veículos e ao conjunto da sociedade pela cunha fiscal requerida para financiar investimentos de grande monta. E intuímos, também, que não deveria precisar chegar ao caos urbano para redirecionar de forma mais enfática a política de transporte.

Macroeconomia

A gestão da macroeconomia também apresenta seus próprios dilemas, especialmente quando o cenário externo se deteriora e a economia passa a apresentar taxas de crescimento mais modestas. O cerne da questão hoje é a taxa de câmbio.

A valorização do câmbio é uma das formas mais sutil e, ao mesmo tempo, eficaz de trocar as perspectivas de futuro pelo atendimento das necessidades do presente, em diversos sentidos: favorece o consumo em detrimento da produção, financia os gastos de consumo do presente com o sacrifício das famílias no futuro, troca a produção interna pela aquisição de importados, põe em risco a estabilidade futura da economia em nome do atendimento das necessidades presentes.

Em 2012, o Brasil registrou o quinto e crescente déficit na conta de transações correntes com o exterior. Depois do débâcle financeiro de 2008, o déficit em transações correntes mudou para um patamar mais elevado (ver Gráfico). Mesmo considerando o conforto conferido pelo volume expressivo de nossas reservas externas e de que esse déficit como proporção do PIB encontra-se inferior a de períodos críticos de nossa história econômica, não faz muito sentido subsidiar o consumo presente com recursos de poupança externa em troca do comprometimento de produção doméstica e de restrições futuras.


Fonte: Banco Central

Publicado no Jornal da Cidade em 24/03/2013



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