Ricardo Lacerda
As taxas modestas de crescimento econômico dos países ditos emergentes,
inclusive o Brasil, nos últimos três anos tão somente refletiram os
desdobramentos da crise financeira internacional deflagrada em 2008. Quando, a
partir de meados de 2011, as economias dos países centrais, depois de uma
melhoria temporária, mergulharam na recessão pela segunda vez ou abortaram uma
retomada ainda muito incipiente, deixou de ser razoável esperar que os países
emergentes pudessem manter taxas elevadas de crescimento, contra tudo e contra
todos.
Com diferenças de alguns trimestres, e em graus um pouco mais ou um
pouco menos acentuados, praticamente todos os países emergentes de alguma expressão
econômica apresentaram forte queda nos ritmos de expansão do PIB em relação ao
período anterior à crise. E não poderia ser diferente.
É assim um tanto fora de propósito a capa da semana passada da revista
britânica The Economist indagando se o Brasil havia posto a perder a
oportunidade de alcançar um novo patamar de desenvolvimento econômico e social.
A capa é no mínimo injusta com o Brasil.
Retomada
Mesmo em um ambiente econômico internacional ainda muito débil, a
economia brasileira vem apresentando aceleração na taxa de crescimento do PIB,
desde o segundo trimestre de 2012. É muito provável que no terceiro trimestre
de 2013 a retomada arrefeça um pouco, mas isso não significará a sua
interrupção e sim que a recuperação, frente a um quadro externo ainda muito desfavorável,
não vai se nem em ritmo muito acelerado, nem uniforme.
E do ponto de vista social, a experiência recente do país na erradicação
da pobreza extrema e de ascensão da Classe C é modelo para os demais países em
desenvolvimento. As repetidas vezes com que tem freqüentado nos últimos anos a
capa da revista britânica já evidenciam a nova importância assumida pelo Brasil
no cenário mundial.
Longo prazo
Mas quero me fixar no longo prazo. Afastada temporariamente a ameaça da
reversão dos estímulos monetários pelo Federal Reserve, o Brasil ganhou tempo
para fazer com mais determinação os ajustes necessários para assegurar a
sustentabilidade de suas contas externas no longo prazo.
Nos doze meses encerrados em agosto de 2013, o déficit na conta de
transações correntes do Brasil com o mundo alcançou US$ 80,3 bilhões, se
situando 63% acima do resultado de um ano antes. Esse déficit representa o
quanto o país está recorrendo ao exterior para cobrir o excesso da demanda sobre a produção.
Essa rápida deterioração da conta de transações correntes nos últimos
doze meses pode ser atribuída em sua quase totalidade à queda abrupta no saldo
da balança comercial, que passou de US$ 23,0 bilhões nos doze meses encerrados
em agosto de 2012 para US$ 2,5 bilhões em agosto de 2013.
É provável que parcela considerável dessa redução no saldo do balanço
comercial tenha se dado por conta do atraso na contabilização de importações de
gasolina, o que apenas indica que a queda, apesar de menos acelerada, iniciou-se
alguns meses antes.
Ainda que a mudança mais recente no patamar do déficit de transações
correntes tenha se iniciado no segundo semestre de 2012, em relação direta com
o novo agravamento do cenário internacional, desde o final de 2006 o excesso da
demanda por consumo e produção no Brasil vem sendo financiado por meio de
aporte de recursos externos.
O gráfico apresentado relaciona o saldo da conta de transações correntes
em doze meses como proporção do PIB, desde o ano de 1970. Grosso modo, os períodos em que a curva se
encontra acima do eixo, o Brasil acumulou poupança externa, como proporção do
PIB, e nos períodos, mais freqüentes, em que elevou utilizou poupança externa
para financiar o consumo e a produção ou pagar compromissos anteriores, a curva
se encontra abaixo do eixo.
O boom exportador brasileiro do inicio dos anos 2000 propiciou a
obtenção de saldos positivos na conta de transações correntes até 2007, que se
consubstanciou no acúmulo de reservas internacionais pelo país.
De lá para cá, de forma crescente o país vem ampliando a dependência de
recursos externos para financiar o excesso de produção e consumo, em proporção
que vem dando seguidos saltos desde 2010, sintoma de que as medidas adotadas
pelo governo nos últimos dois anos para rebalancear a produção e o consumo,
ainda que no caminho certo, estão longe
de surtirem os efeitos na dimensão necessária.
Câmbio e investimento
O recurso à poupança externa para financiar o desenvolvimento é padrão
para os países periféricos, mas o déficit em transações correntes somente é
sustentável a médio prazo quando ele favorece mais a produção e as exportações
do que o consumo e as importações.
Nesse sentido, a depreciação do câmbio e o incremento dos investimentos
para ampliar a capacidade produtiva e superar os principais gargalos da infraestrutura
são fundamentais não apenas para incentivar a indústria interna, são uma
necessidade da própria sustentabilidade de longo prazo do país, por mais que
trocar consumo por produção não seja simpático aos eleitores.
Fonte:Banco Central do Brasil
Publicado no Jornal da Cidade, em 29/09/2013