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Praça São Francisco, São Cristovão-SE. Patrimônio da Humanidade

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Como a economia do Nordeste descolou da crise nos últimos três anos


Ricardo Lacerda

O principal êxito da política econômica nesses seis anos em que já se estende a crise financeira internacional foi manter a geração de emprego formal e o crescimento da renda do brasileiro, mesmo diante de um quadro externo muito desfavorável.

A economia mundial saiu dos trilhos em setembro de 2008 e desde então os seguidos ensaios de retomada do crescimento não têm se mostrado sustentáveis. Depois de uma recuperação importante, entre o final de 2009 e primeiro semestre de 2011, a expansão do nível de atividade tornou-se anêmica nas economias avançadas, contaminando as possibilidades de crescimento dos chamados mercados emergentes, Brasil inclusive, que enfrentam em 2014 o quarto ano de crescimento modesto.

Se as medidas de estímulo adotadas foram exitosas em enfrentar as adversidades externas com um mínimo de penalização para população, a atividade industrial vem sendo fortemente afetada desde o primeiro momento da crise, com agravamento nos últimos meses.

Descolamentos

Dois movimentos chamam atenção na comparação entre as trajetórias da produção industrial e do nível geral de atividade nos últimos anos: o primeiro é o descolamento entre a evolução do PIB e da produção industrial, indicando que é a expansão das atividades de serviços, impulsionadas pelo incremento do emprego e da renda, que vem permitindo a economia apresentar crescimento, mesmo que modesto; o segundo descolamento que chama atenção diz respeito às diferentes trajetórias da evolução do nível de atividade entre as regiões ricas e as regiões mais pobres nesse período de contaminação do crescimento nacional pelo agravamento do cenário externo.

Curiosamente, os dois descolamentos não são duas faces de um mesmo processo, ou, caso sejam, há uma larga defasagem temporal entre eles. 

Nos últimos doze meses (até agosto), a economia da região Nordeste cresceu 3,3%. No mesmo período, a economia do Sudeste manteve-se estagnada, oscilou -0,1%, e a média do Brasil cresceu 0,9%, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR e IBC-R). A geração de emprego formal nos doze meses encerrados em setembro também apresentou intensidade muito diferenciada: alcançou 2,5% na região Nordeste e 0,8% no Sudeste e a média no Brasil foi de 1,46%, dados do Caged.

Mas o descolamento do ritmo de atividade da economia do Nordeste em relação à trajetória da média do país e o da atividade industrial do nível de atividade econômica geral são bem anteriores aos últimos doze meses, eles remetem ao impacto direto dos dois momentos da crise mundial sobre a economia brasileira.

O gráfico apresentado é elucidativo sobre os momentos em que se dão esse dois descolamentos. Estão representados os resultados acumulados em doze meses do Índice de Atividade do Banco Central (IBC), nas linhas descontínuas, e a Produção Física da Indústria, nas linhas contínuas, do Brasil, do Nordeste e do Estado de São Paulo entre o final de 2003 e agosto de 2014.

Descolamento industrial

No período anterior à deflagração da crise financeira internacional, em setembro de 2008, as curvas das trajetórias da produção industrial e do nível de atividade se apresentam quase sobrepostas, com exceção da produção física da indústria do Nordeste que evoluía mais devagar. As curvas de crescimento do índice de atividade e da produção industrial do Brasil apresentam trajetória bem aproximadas e assim como as curvas de crescimento do nível de atividade das economias do Nordeste e de São Paulo.

O descolamento do nível de produção industrial foi simultâneo à deflagração da crise internacional em setembro de 2008. Desde então, o nível de produção industrial estagnou, com oscilações, enquanto o crescimento do poder de compra da população assegurou a continuidade da expansão do setor de serviços e da média das atividades econômicas.



 Fonte: IBC-BR e IBC-R do Banco Central do Brasil. Pesquisa Industrial Mensal, do IBGE.
 * Foram selecionados os resultados em doze meses que finalizam os trimestres
 e o resultado de agosto de 2014, também em doze meses.
 
O descolamento do Nordeste

O segundo movimento a chamar atenção é posterior no tempo. Tanto no mergulho na crise ao final de 2008 quanto na retomada, cerca de um ano depois, o nível de atividade da economia do Nordeste e da economia de São Paulo não descolaram, pelo menos até meados de 2011, enquanto a média da economia brasileira seguiu um pouco abaixo, mas não muito distante (ver linhas descontínuas no Gráfico).

O descolamento de fato da economia do Nordeste em relação às trajetórias de São Paulo e da média do Brasil veio ocorrer a partir do segundo semestre de 2011, quando a deterioração da situação econômica na Europa empurrou o mundo para o segundo estágio da crise e findou comprometendo as possibilidades de crescimento da economia brasileira.

Desde então a evolução da atividade da economia do Nordeste se diferenciou muito da economia de São Paulo e da média do Brasil. Cabe investigar melhor as razões.

Antecipo que respostas fáceis, em geral de natureza preconceituosa, não dão conta de explicar o desempenho diferencial da economia da região. Não é suficiente atribuir a explicação a um peso maior do setor público e menor do setor industrial na economia da região. Tais explicações não se sustentam. 

A minha hipótese é de que o ciclo virtuoso que se instalou na economia da região no período anterior, com a formação de um amplo mercado de trabalho e de consumo, emitiu efeitos multiplicadores de segunda ordem que asseguraram a manutenção do crescimento mais elevado da região nesse período, mesmo quando o quadro geral da economia brasileira se deteriorou.

Publicado no Jornal da Cidade, em 26 de outubro de 2014 

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