Ricardo Lacerda
O debate sobre as relações entre comércio exterior e crescimento econômico
tem pautado parte importante das preocupações dos economistas desde os tempos mercantilistas
no século XVIII. No pós segunda guerra mundial, a Comissão Econômica para
América Latina e Caribe (CEPAL), sob a liderança intelectual do argentino Raúl
Prebisch, elaborou um corpo de ideias inovadoras, a partir dos ensinamentos do
economista alemão Frederico List, para fundamentar uma proposta de
industrialização para a região apoiada no argumento da indústria nascente, que
justificava a proteção do mercado interno.
Os cepalinos nunca se opuseram ao fortalecimento do comércio exterior, pois
entendiam que a sua expansão era fundamental para o crescimento econômico e
destacavam seu papel decisivo na difusão do progresso tecnológico em direção aos
países pobres. Argumentaram, todavia, que os frutos do progresso técnico se
distribuíam desigualmente entre os países industrializados e os países periféricos
produtores de matérias-primas, em desfavor desses últimos, o que justificaria
um amplo esforço nacional em prol da industrialização.
O pensamento cepalino foi fortemente influenciado pelo pessimismo em
relação ao comércio exterior que se seguiu aos 15 anos de evolução desfavorável
das exportações latino-americanas, deprimidas entre o início da grande
depressão e o final do conflito bélico mundial, o que limitava as
possibilidades de crescimento em modelos de base exportadora.
Quando ao final dos anos cinquenta, Celso Furtado, o mais ilustre dos
cepalinos brasileiros, vai propor uma estratégia ampla de desenvolvimento para
o Nordeste, em que a industrialização era uma peça fundamental, faz questão de
matizar que “aumentar as exportações de produtos primários é, seguramente, a
forma mais ‘barata’ de uma economia crescer”. Todavia, “nem sempre essa linha
de desenvolvimento está aberta, ou apresenta as dimensões requeridas”. Nessas
circunstâncias, “o desenvolvimento só é factível mediante a diversificação da
própria produção interna, ou seja, pela industrialização” [GTDN, 1958].
Globalização
As transformações tecnológicas, econômicas, comerciais e financeiras dos
anos noventa abriram um novo período de otimismo em relação ao comércio
exterior, no âmbito do processo de globalização, em que cadeias de produção
integradas internacionalmente comandaram a expansão do comércio internacional.
Prostradas
pela crise de endividamento externo dos anos oitenta que as havia levado para
um beco sem saída, as nações latino-americanas, com graus variados de
resistência, submeteram-se aos desígnios da economia global. Recomendavam-se
para os países da América Latina desregulamentação financeira e abertura
comercial, como duas faces para a entrada massiva de capital externo e a
integração ao comércio mundial, projeto que foi reformado, mas não revertido, na
sequência da crise cambial dos países emergentes na segunda metade da década.
China
A emergência da China como a potência na virada para o novo
século impulsionou a demanda mundial por alimentos e matérias-primas,
articulando o continente africano e os países latino-americanos no intenso
crescimento do comércio internacional. Os
termos de troca entre os preços dos produtos exportados e os dos produtos
importados pela América Latina e Caribe que haviam caído 15,1%, entre 1984 e
1990, e que registraram nova queda, de 1,9%, sobre uma base já rebaixada entre
1990 e 2000, se elevaram em 23,1% entre 2000 e 2007, inaugurando um novo
período de otimismo da região em relação ao comércio exterior.
O cenário favorável, todavia, começou a inverter a tendência depois da
crise financeira de 2008 e muito particularmente nos últimos três anos, entre
2012 e 2014 (ver Gráfico 1). Não é fortuito que os países emergentes, inclusive
os latino-americanos, que haviam se saído relativamente bem no primeiro momento
da crise internacional, desaceleraram fortemente as taxas de crescimento e
passaram a apresentar crescentes desequilíbrios externos e internos, desde
então.
Fonte: FMI. WEO, Outubro de 2014.
Sustentação do crescimento
A opção brasileira pela preservação do crescimento impulsionado pela expansão
da renda e do consumo, enquanto a economia mundial mergulhava em uma recessão
de longa duração, não foi feita sem importantes custos, dentre os quais se
sobressaem a penalização do setor industrial e a rápida deterioração de nossas
relações comerciais com o exterior.
Refletindo o agravamento do cenário externo a partir de 2008, as
exportações brasileiras, depois da forte retomada em 2010 e 2011, interromperam
o crescimento e passaram a registrar tendência declinante nos últimos três
anos. Nos doze meses acumulados em novembro, as exportações brasileiras
declinaram 5,18% em relação a igual período anterior.
A manutenção do crescimento do poder de compra interno, todavia, em uma
situação de câmbio ainda depreciado e de acirramento da competição no comércio
mundial, propiciou que as importações se mantivessem em crescimento, mesmo que
em ritmo moderado, mas suficiente para fazer desaparecer o saldo positivo no
comércio exterior brasileiro. No intervalo de três anos, passamos de um saldo
positivo de quase US$ 30 bilhões (ao final de 2011), para um resultado
negativo, nos doze meses encerrados em novembro de 2014 (ver Gráfico 2).
Fonte: Secex- Mdic. Obs. O resultado de 2014 é o acumulado em 12 meses
entre dezembro de 2013 e novembro de 2014.
Em uma situação de crise prolongada no cenário externo, o Brasil (e
outros países da América Latina) não
poderia mesmo contar com o comércio exterior como vetor de crescimento. Não
resistiu, todavia, em recorrer ao crescimento das importações para complementar
oferta interna.
Publicado no Jornal da Cidade, em 04 de janeiro de 2015
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