Ricardo Lacerda
O principal êxito da
política econômica nesses seis anos em que já se estende a crise financeira
internacional foi manter a geração de emprego formal e o crescimento da renda
do brasileiro, mesmo diante de um quadro externo muito desfavorável.
A economia mundial saiu
dos trilhos em setembro de 2008 e desde então os seguidos ensaios de retomada
do crescimento não têm se mostrado sustentáveis. Depois de uma recuperação
importante, entre o final de 2009 e primeiro semestre de 2011, a expansão do
nível de atividade tornou-se anêmica nas economias avançadas, contaminando as
possibilidades de crescimento dos chamados mercados emergentes, Brasil
inclusive, que enfrentam em 2014 o quarto ano de crescimento modesto.
Se as medidas de
estímulo adotadas foram exitosas em enfrentar as adversidades externas com um
mínimo de penalização para população, a atividade industrial vem sendo
fortemente afetada desde o primeiro momento da crise, com agravamento nos
últimos meses.
Descolamentos
Dois movimentos chamam
atenção na comparação entre as trajetórias da produção industrial e do nível
geral de atividade nos últimos anos: o primeiro é o descolamento entre a
evolução do PIB e da produção industrial, indicando que é a expansão das
atividades de serviços, impulsionadas pelo incremento do emprego e da renda,
que vem permitindo a economia apresentar crescimento, mesmo que modesto; o
segundo descolamento que chama atenção diz respeito às diferentes trajetórias
da evolução do nível de atividade entre as regiões ricas e as regiões mais
pobres nesse período de contaminação do crescimento nacional pelo agravamento
do cenário externo.
Curiosamente, os dois
descolamentos não são duas faces de um mesmo processo, ou, caso sejam, há uma
larga defasagem temporal entre eles.
Nos últimos doze meses
(até agosto), a economia da região Nordeste cresceu 3,3%. No mesmo período, a
economia do Sudeste manteve-se estagnada, oscilou -0,1%, e a média do Brasil
cresceu 0,9%, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR
e IBC-R). A geração de emprego formal nos doze meses encerrados em setembro também
apresentou intensidade muito diferenciada: alcançou 2,5% na região Nordeste e
0,8% no Sudeste e a média no Brasil foi de 1,46%, dados do Caged.
Mas o descolamento do
ritmo de atividade da economia do Nordeste em relação à trajetória da média do
país e o da atividade industrial do nível de atividade econômica geral são bem
anteriores aos últimos doze meses, eles remetem ao impacto direto dos dois
momentos da crise mundial sobre a economia brasileira.
O gráfico apresentado é
elucidativo sobre os momentos em que se dão esse dois descolamentos. Estão
representados os resultados acumulados em doze meses do Índice de Atividade do
Banco Central (IBC), nas linhas descontínuas, e a Produção Física da Indústria,
nas linhas contínuas, do Brasil, do Nordeste e do Estado de São Paulo entre o
final de 2003 e agosto de 2014.
Descolamento
industrial
No período anterior à
deflagração da crise financeira internacional, em setembro de 2008, as curvas
das trajetórias da produção industrial e do nível de atividade se apresentam
quase sobrepostas, com exceção da produção física da indústria do Nordeste que
evoluía mais devagar. As curvas de crescimento do índice de atividade e da
produção industrial do Brasil apresentam trajetória bem aproximadas e assim
como as curvas de crescimento do nível de atividade das economias do Nordeste e
de São Paulo.
O descolamento do nível
de produção industrial foi simultâneo à deflagração da crise internacional em
setembro de 2008. Desde então, o nível de produção industrial estagnou, com
oscilações, enquanto o crescimento do poder de compra da população assegurou a
continuidade da expansão do setor de serviços e da média das atividades
econômicas.
Fonte: IBC-BR e IBC-R do Banco Central do
Brasil. Pesquisa Industrial Mensal, do IBGE.
* Foram selecionados os resultados
em doze meses que finalizam os trimestres
e o resultado de agosto de 2014,
também em doze meses.
O
descolamento do Nordeste
O segundo movimento a
chamar atenção é posterior no tempo. Tanto no mergulho na crise ao final de
2008 quanto na retomada, cerca de um ano depois, o nível de atividade da
economia do Nordeste e da economia de São Paulo não descolaram, pelo menos até
meados de 2011, enquanto a média da economia brasileira seguiu um pouco abaixo,
mas não muito distante (ver linhas descontínuas no Gráfico).
O descolamento de fato
da economia do Nordeste em relação às trajetórias de São Paulo e da média do
Brasil veio ocorrer a partir do segundo semestre de 2011, quando a deterioração
da situação econômica na Europa empurrou o mundo para o segundo estágio da
crise e findou comprometendo as possibilidades de crescimento da economia
brasileira.
Desde então a evolução
da atividade da economia do Nordeste se diferenciou muito da economia de São
Paulo e da média do Brasil. Cabe investigar melhor as razões.
Antecipo que respostas
fáceis, em geral de natureza preconceituosa, não dão conta de explicar o
desempenho diferencial da economia da região. Não é suficiente atribuir a
explicação a um peso maior do setor público e menor do setor industrial na
economia da região. Tais explicações não se sustentam.
A minha hipótese é de
que o ciclo virtuoso que se instalou na economia da região no período anterior,
com a formação de um amplo mercado de trabalho e de consumo, emitiu efeitos
multiplicadores de segunda ordem que asseguraram a manutenção do crescimento mais
elevado da região nesse período, mesmo quando o quadro geral da economia
brasileira se deteriorou.
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