Ricardo Lacerda
São muitos os desafios que a presidente vai enfrentar
para recolocar a economia brasileira nos trilhos do desenvolvimento sustentado,
entendido como aquele capaz de: a) manter a geração de emprego; b) reverter a
queda da atividade industrial e retomar a expansão do PIB em ritmo robusto; ao
tempo em que c) dispersa as pressões inflacionárias; e d) reduz os déficits em
transações correntes enquanto proporção do PIB. Como um cobertor curto, a
priorização de um objetivo conspira contra outro.
A atividade econômica interna perdeu
dinamicidade desde o segundo semestre de 2011, quando a economia mundial entrou
no segundo estágio da crise iniciada em 2008. Na série em relação ao mesmo trimestre
do ano anterior, desde o terceiro trimestre daquele ano que o crescimento do PIB
apresenta resultados abaixo de 2,5%, com exceção do 2º trimestre de 2013 (ver
Gráfico 1).
Fonte: IBGE. CNT.
O ensaio de retomada iniciado no final de 2012
foi abortado pela nova deterioração do cenário externo em meados de 2013 e pela
crise de confiança que se estabeleceu internamente, em parte por conta dos
efeitos dos anúncios de reversão da política de expansão quantitativa pelo Banco Central norte-americano, em parte por conta dos efeitos das
mobilizações que tomaram as ruas do país, em parte por conta do acúmulo de
dificuldades internas. O crescimento do PIB em 2014 tem sido especialmente ruim.
Imperativo
A retomada do crescimento é um imperativo nesse
momento e a superação da crise de confiança que se instalou no país é a tarefa
mais imediata. A questão é o preço que o país está disposto a pagar para
recuperar a confiança do mercado financeiro. O mercado exige atitudes convincentes
de que o governo vai tomar medidas visando reequílibrar as finanças públicas e trazer
a inflação para patamar mais confortável, sem recorrer à contenção dos preços
regulados, como energia elétrica e combustíveis.
Com o cenário externo ainda muito adverso,
sem perspectivas de retomada consistente do crescimento nas economias centrais
nos próximos trimestres, a margem de manobra do governo permance muito estreita
para entregar o que o mercado exige sem adotar medidas que, inevitavelmente,
aprofundarão a desaceleração da economia, com riscos de provocar desemprego e
perda de poder de compra das famílias.
Inflação
Otaviano Canuto, assessor sênior para
assuntos dos BRICS do Banco Mundial, tem alertado para o descasamento entre as evoluções
dos preços livres e dos preços regulados (ver Gráfico 2). Para o economista
sergipano, o realinhamento dos preços dos bens e serviços monitorados
(regulated) é o principal desafio na gestão da política macroecômica, quando a
inflação anualizada já encostou no teto superior superior da meta de inflação e
a atividade econômica se encontra debilitada.
A correção dos preços monitorados teria que
ser acompanhada pela desaceleração dos preços livres, o que somente poderia ser
alcançado por meio de medidas fortes de contenção do gasto público e de
elevação das taxas de juros, o que o governo resiste em fazer porque jogaria a economia em uma
recessão aberta.
Para Canuto, a retomada de um novo ciclo
virtuoso de crescimento e de inclusão social vai depender da capacidade do país
em ampliar os investimentos em infraestrutura, preferencialmente por meio de
concessões, e em educação profissional que propiciem a elevação da
produtividade econômica no médio prazo.
Fonte: IBGE. Extraído da apresentação de Canuto in Brazil – U.S. Business Council,
Washington, 30 de outubro de 2014.
Nelson Barbosa, ex-secretário executivo do
ministério da fazenda e um dos nomes mais cotados para assumir a titularidade
da pasta, tem destacado um outro aspecto a respeito da gestão do nosso sistema
de metas de inflação. Ele lembra que em oito dos onze anos em que o Brasil
cumpriu a meta inflacionária, no limite das bandas, desde que o sistema foi
introduzido em 1999, a valorização do real cumpriu papel decisivo e nos outros
três anos (1999, 2012 e 2013), o Banco Central recorreu a instrumentos não
convencionais de gestão macroeconômica.
Ou seja, o controle da inflação desde o
início do sistema de metas inflacionárias tem exigido, regularmente, a
valorização de nossa moeda, que, se proporciona elevação do poder de compra das
famílias e das empresas, compromete a competitividade da produção industrial
tanto no mercado externo quanto no mercado doméstico. Em outras palavras,
troca-se produção por consumo.
Para ele, o país deve procurar alternativa de
controlar a inflação sem recorrer a um novo ciclo de apreciação do real que
ameaça a sobrevivência do setor industrial.
Perspectivas
Com as medidas que deverão ser anunciadas nas
próximas semanas, o governo vai procurar superar a desconfiança dos agentes
econômicos em relação à gestão macroeconômica, iniciando um período de ajustes
que pode ser mais duro ou mais suave.
Em algumas situações, a dose do remédio faz a
diferença entre recuperar o paciente ou matá-lo. Ao lado do anúncio de controle
das contas públicas, o governo deverá buscar destravar os investimentos em
infraestrutura, que são fundamentais para retomar o crescimento o mais cedo
possível. A correção do câmbio, imprescindível
para recuperar a competitividade de nossa economia, aparentemente, vai ser adiada
mais uma vez ou será realizada muito diluída no tempo.
Publicado no Jornal da Cidade, em 02/11/2014
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